Dia de Dalcídio e restauro do folclore de São Benedito da Praia


Doca do Ver O Peso (antiga foz do Igarapé do Piry em cuja margem esquerda foi fundado em 12/01/1616, por portugueses e tupinambás, o forte do Presépio), ao fundo a feira e mercado do peixe: no canto do mercado existia o bar "Águia de Ouro", do português Sarmanho; onde se reunia a Academia do Peixe Frito e funcionava sede da festividade profana de São Benedito da Praia.


Na vila de Ponta de Pedras, ilha do Marajó, no dia 10 de janeiro de 1909 nasceu um menino pardo em casa pobre no bairro do Campinho. O registro de nascimento no Cartório Malato foi feito pelo tio materno do nascituro, sr. Manoel Eustáquio Ramos; em cuja residência dona Margarida Ramos deu a luz ao filho do capitão Alfredo Nascimento Pereira, viúvo recente do primeiro casamento com a índia cristianizada Antônia Silva. Com esta última o capitão teve sete filhos, até a mulher morrer de parto de gêmeos, em 1904, dos quais um deles sobreviveu. Este se chamou Rodolpho Antonio, cinco anos mais velho que seu meio-irmão mulato. No cartório de Ponta de Pedras o filho da negra com o branco ficou sendo "Darcidio José Ramos", filho de mãe solteira.

Todavia, no ano seguinte o capitão Alfredo mudou-se para a vizinha vila de Cachoeira onde se casou com dona Margarida e reconheceu a paternidade agora de "Dalcídio José Ramos Pereira" e seu irmão Flaviano Ramos Pereira: o casal teria ainda Ritacínio, Mariínha (que morreu afogada em tenra infância) e Alfredina... O capitão Alfredo ainda teria um terceiro casamento, em Ponta de Pedras, depois que ficou viúvo pela segunda vez. Sua terceira mulher chamava-se Isabel Trindade e como a precedente era esta descendente de antigas família africanas levadas ao Marajó para o trabalho escravo na plantação de canaviais e a faina de engenho de aguardente.

Dalcídio José aos 13 anos de idade mudou-se para Belém. Aí ele faria escola livre tendo por mestres uma escol onde pontificava o poeta Bruno de Menezes. Então, definitivamente, aquele menino se tornou Dalcídio Jurandir por conta própria (ver www.dalcidiojurandir.com.br).

SÃO BENEDITO DA PRAIA

Uma paisagem cultural característica, tal qual o Ver O Peso; desafia o viajante a decifrá-la. O tombamento do patrimônio é coisa importante: entretanto, se o registro não vir acompanhado de educação e informação suficiente para a gente entender do se está falando seria comparável a comprar imóvel caro onde ninguém vai habitar. É preciso morar na cultura do lugar, do contrário seria como ir a Roma e não ver o papa... 

Ninguém melhor que o poeta da negritude Bruno e o romancista da Amazônia, Dalcídio; para nos guiar pelos meandros do espaço-tempo emendado de Belém e Marajó: a cidade e as ilhas do delta-estuário do maior rio do mundo... Fronteira viva entre o rio e a cidade consideradas ao mesmo plano as duas capitais, Belém e Macapá. O processo dialético da cultura esconde o que o turista não vê... E os habitantes urbanos se tornaram estranhos nas cidades em que eles vivem, fechados em suas gaiolas donde saem apenas para entrar na bolha do automóvel ou do supermercado.  São diversas as fronteiras da cultura na feira. 

Reza a lenda que o dono do bar onde boêmios, artistas e intelectuais modernistas da revista "Belém Nova" celebravam a academia do peixe frito, cansado de levar cano de maus pagadores; apertou particularmente a um caboco canoeiro que mais lhe pedia fiado. O devedor foi à canoa ancorada na doca e voltou com uma pequena imagem de São Benedito dizendo ele ao comerciante haver encontrado o santo flutuando na maré. Que, por seus milagres, poderia resolver aquela pendência... O português dono do bar vendo que não havia outro jeito teria aceito a imagem por pagamento da dívida do freguês. 

Providenciou um pequeno oratório e um ofertório onde os fregueses podiam depositar uns trocados depois das rodadas de bebida e tira gosto com peixe frito. Assim, dizem, começou aquela brincadeira na feira com a festividade com mastro e ladaínha. O poeta Bruno de Menezes pegando rápido pelo espírito da coisa, sabia naturalmente que o santo do catolicismo popular é o orixá Ossain, deus das plantas e ervas de remédio. Tudo a ver... O poema "São Benedito da Praia" se reporta à antiga praia onde foi construído o cais e pedra do Ver O Peso. Tradição quer dizer troca, passagem, evolução do antigo para o novo sem traição do passado nem aborto do futuro. 

Pensar um novo Ver O Peso não significa ter que voltar a andar de bonde puxado a burro, mas não será pelo pitiú da Pedra nem pela revoada de urubus que a paisagem cultural há de fazer sentido a esta gente lutadora que, desde as primeiras horas da feira, está de pé para garantir a boia e o empreguinho precário. O desafio do Ver O Peso é estupendo, mas vale a pena encarar. Se a sociedade disser claramente o que quer as autoridades devem, democraticamente, acatar.

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