2013 #Ocupe Ver O Peso! (4)

Docas do Ver-o-Peso
doca do Ver O Peso, Belém do Pará

Na onda de ano novo vamos sonhar mais um pouco. Que tal um projeto de lei por iniciativa popular destacando a república do Ver O Peso como comuna piloto para fins gerenciais descentralizados do centro histórico de Belém?

Dito de supetão isto, certamente, produz perplexidade e confusão. Todavia, com a devida explicação e método, se poderá ver que a coisa faz sentido. Por exemplo, discutir democraticamente com comunidade veropesina - mistura geocultural de cidade e localidade  ribeirinha campesina -, a importância da iniciativa popular a par de processo declaratório nacional do título de Paisagem Cultural a ser atribuído, em breve, ao Ver O Peso. Justo quando a mais antiga cidade da Amazônia começa a se preparar para as comemorações de seus 400 anos, a ocorrer em 2016.

Assim, isto pode ser um esplêndido presente para o povo belenense. De fato, uma referência de espaço autogestionário sub-urbano de interesse econômico, cultural e socioambiental local. A maior feira livre da América Latina a funcionar como hipermercado popular casando gestão técnica descentralizada e costume tradicional aplicada à economia criativa e ao turismo. 

A nomeação oficial de um "Prefeito delegado", com função de agente distrital do Ver O Peso especial para o centro histórico de Belém, poderia ser feita legalmente pelo Prefeito Municipal de Belém em lista tríplice composta por votação plenária da Câmara Municipal de Belém após eleição dentre eleitores previamente inscritos fazendo prova de feirantes, comerciantes, empregados autônomos ou de terceiros; ou moradores dos bairros da Campina e Cidade Velha.

À primeira vista parecerá complicado, quando se olha para trás apenas os centenários costumes do lugar. Entretanto, quando o caso presente reclama conjugação de passado e futuro com inovação técnica e arrojo político; vemos a oportunidade que o tempo oferece à municipalidade de Belém de passar à frente sem ruptura com a sua fundação histórica

Como se sabe, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) já tombou os bairros da Campina e da Cidade Velha. O Estado do Pará, pelo órgão competente, e a Prefeitura Municipal de Belém da mesma forma providenciaram os devidos registros relativos ao mesmo espaço urbano e a sociedade não cessa de reclamar cuidados de preservação de nosso patrimônio histórico.

Está claro, portanto, que cressem os problemas e demandas sociais a respeito do assunto. A grande novidade do momento é o avanço das comunicações e da informação pública, com que a população exige maior participação nas decisões políticas de seus representantes políticos eleitos para os poderes legislativo e executivo; ambos desgastados e necessitados de acompanhamento popular e transparência para mitigar as pressões sejam elas legítimas ou indevidas do poder econômico ou político.

O caso do Ver O Peso na simbiose urbana com o rio-mar, além de seu valor simbólico, como lugar onde todos espaços da região se confundem e a geografia histórica faz fronteira com a diversidade de culturas implicadas na fundação de Belém; há que se considerar a economia regional misturando trabalho indígena das ilhas e mão de obra escrava da Campina aos costumes importados por moradores da Cidade Velha. Sobre a base do passado revitalizado se contempla agora o peso vivo das potencialidades do avenir da capital do Pará: seu capital histórico e geográfico, como diria Eidorfe Moreira. O Pará do Brasil sentinela do Norte tem que lembrar seu ancestral porto Caribe donde nasceu o brega e outros ritmos de nossa expressão musical. 

Com tais lembranças ressuscitadas na cabeça e no coração do povo, a comuna do Ver O Peso teria, finalmente, sua hora e sua vez. A freguesia do peixe frito haveria de ter representantes no conselho comunal presidido pelo "prefeito" delegado do Prefeito Municipal. A Câmara Municipal de Belém, pelo mesmo princípio; teria no dito conselho de gestão membros natos a par de representantes de feirantes, peixeiros, talhadores, vendedoras de ervas, camelôs, etc. Democracia participativa efetiva numa verdadeira feira-escola de referência para as municipalidades do Brasil. Onde as instituições públicas e privadas também elas aprendam a dialogar com mais respeito com os produtores e trabalhadores da economia popular.

Por que não? A palavra de ordem não é inclusão social? Qual a melhor porta para o pobre ingressar no mundo econômico se não a produção familiar integrada ao consumo popular através de feiras e mercados municipais?


Vem da Idade Média europeia a palavra comuna. Era termo para aldeia ou povoado que se tornava emancipado por obtenção de carta de autonomia consentida pelo rei. Hoje na França, por exemplo, a palavra se refere à menor subdivisão administrativa do território. Em Portugal remete à administração de concelho. Mas aí os termos portugueses que indicam comunidade urbana com personalidade jurídica se chamam concelhos ou municípios.

Historicamente, as origens do movimento comunal se encontram nas reivindicações dos moradores dos burgos, cidades; na Europa onde os burgueses queriam liberdade, segurança, isenção de impostos e justiça própria. Estas demandas históricas resultavam do desenvolvimento comercial afetado pela inflexibilidade dos costumes senhoriais feudais ancorados secularmente no mundo rural e agrário. Embora apresentem características semelhantes aos municípios em Portugal, as cartas comunais francesas não são comparáveis a forais, que na maioria dos casos não passam de listas de encargos ditados pela à coroa aos concelhos. Nas cidades e vilas onde a burguesia mercantil predominava (como o Porto, por exemplo) a sujeição ao rei diminuía, mas assim mesmo dificilmente se pode falar de «autonomia política» no sentido comunal.

As comunas eram unidades de produção rural, abrangendo a agricultura e pequena indústria. Cada comuna se organizava de forma coletiva e centralizada. Os lotes agrícolas familiares, distribuídos na reforma agrária de 1950, foram suprimidos e a terra posta sob controle das comunas. As comunas francesas organizavam também a vida social e a educação das crianças. A implantação desse sistema teve forte impacto sobre a vida familiar e diminuiu a forte tradição da autoridade paterna. A qual no sistema de herança rural ibérico, adotado no Brasil colônia, privilegiava o "morgado" (donde o Morgadio); ou seja o varão primogênito, com exclusão dos mais filhos na herança, notadamente mulheres em qualquer caso.

Modernamente, a comuna guarda sua história de luta pela autonomia administrativa do lugar. No limite, pode-se cogitar como evolução político-administrativa dos distritos descentralizando o território municipal. Mesmo uma cidade como São Paulo, por exemplo, pode se beneficiar da gestão distrital descentralizada. Todavia, a prática democrática participativa é o desafio para humanizar as metrópoles assaltadas pela violência urbana, a insegurança, a marginalidade e outras enfermidades sociais de nosso tempo.

Para isto o Ver O Peso poderá ser um laboratório prestimoso. Quem concorda compartilha.

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