Belém do Grão-Pará 397 anos


no início, o forte do Presépio era uma simples paliçada, feita por índios da nação dos Tupinambás e soldados portugueses com troncos de árvores da floresta amazônica e barro. Depois, o antigo forte deu lugar à fortaleza do Castelo (foto acima); aí o berço da cidade de "Santa Maria de Belém do Grão-Pará", na Cidade Velha, que hoje completa 397 anos.


Na véspera, os caravelões do capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco fundearam na baía de Santo Antônio e o mesmo capitão-mor com oficias a seu serviço mais o piloto francês Charles Des Vaux, enviado por La Ravardière para ser intérprete dos portugueses no trato com os Tupinambás que dominavam a banda oriental do Rio Pará até o rio dos Tocantins; pernoitaram na aldeia dos Tenoné. Como se recorda, a chamada "França Equinocial" com a fortaleza de São Luís do Maranhão, fundada em 1612 por Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière; pretendia tomar posse do rio Amazonas desde Caiena até Cametá, onde o chefe colonial francês se achava com o dito piloto Charles Des Vaux, o aventureiro acamaradado dos tupinambás; o qual convenceu o feudal protestante a mudar seu projeto inicial de colonizar a ilha de Caiena para o Maranhão; quando os franceses foram informados de que outro aventureiro; no caso o português Martim Soares Moreno, cristão-novo nascido no Marrocos; havia se aliado aos tupinambás de Jaguaribe (Ceará) e concentrava forças para tomar São Luís. Fato que efetivamente aconteceu, em 1615, sob comando de Alexandre de Moura vindo de Pernambuco com reforços e a batalha de Guaxembuba ganham pelos portugueses ficou La Ravardière prisioneiro e São Luís do Maranhão governado por Jerônimo Albuquerque, como capitão-mor. 

Negociada rapidamente a rendição, os franceses deveriam colaborar para instalar um forte português dentro do Pará e havendo sucesso na jornada os portugueses deveriam assegurar meios aos franceses prisioneiros a deixar o Maranhão de volta aos seus domínios, exceto La Ravardière que seria levado à torre de Belém (Portugal) à disposição do monarca de Espanha aos qual se acham subordinados os portugueses. 

Charles Des Vaux era velho amigo dos tupinambás do Maranhão e Pará, conhecedor da língua e dos costumes destes índios aliados quase sempre aos franceses desde a França Antártica, na baia de Guanabara. Assim, as circunstâncias fizeram dele o principal negociador das pazes entre tupinambás e portugueses destinados a ser aliados da história na conquista do rio das Amazonas.

Um notável, porém curiosamente negligenciado na historiografia brasileira, é o fato de que tupinambás e portugueses eram inimigos de parte a parte, desde os começos da colonização do Brasil. Conhecidos pelo espírito de vingança e pela antropofagia como religião heroica, a brava nação dos Tupinambás não havia motivo nenhum para trocar de partido ou amizade se não houvesse força maior neste sentido. 

Nossa hipótese explicativa ligada a esta virada histórica da invenção da Amazônia se encontra apoiada no estudo da religião do Tupinambas (sobre este assunto ver Curt Nimuendajú, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Ronaldo Vainfas e outros) tendo o mito da Terra sem males como leit motif. Sabe-se que a França Equinocial estava profundamente rachada, desde sua fundação, pelo conflito religioso entre católicos e protestantes na Europa, a autorização dada pela rainha católica ao feudal protestante para este fundar a colônia do Maranhão com recursos próprios implicava a vinda de missionários católicos. Uma ducha de água fria às intenções do senhor de La Ravardière que ambicionava o Rio da Prata mais do que o Amazonas e desengano dos tupinambás quando passaram a ver seus caraíbas e pajés atacados por causa de Jurupari, visto como o Diabo vindo ao novo mundo destruir a obra de Jesus Cristo...

É claro que a camaradagem dos devotos do Jurupari e estrangeiros não teria sentido se fosse para marchar de volta aonde eles vieram: mas, sim fazer qualquer trato com quem tivesse recursos para vencer a resistência tapuia e avançar em direção a que as primeiras gentes tomaram depois de muitas vidas e mortes a fim de chegar à mítica terra de bonança onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte...

Concluídas favoravelmente as tratativas de amizade e parceria de Tenoné (Icoaraci hoje), com ajudas de tradutores franceses -- visto que os dois lados não entendiam a língua e os costumes de um e de outro --, ficou assentada a escolha do sítio para o forte do Presépio na boca do igarapé do Piry, cujo último vestígio hoje em dia é a doca do Ver O Peso. 

Em geral, as comemorações relativas à fundação de Belém do Pará enfatizam o protagonismo português que se reflete no título de Feliz Lusitânia, dado à cidade fundada por Castelo Branco revelando sua antiguidade ibérica como também a diáspora judeu-cristã trasladada à margem ocidental do Atlântico. A invenção da Amazônia guarda ainda segredos e personagens à margem da história, um deles teria sido o capelão frei Antônio de Merciana, a pessoa que provavelmente batizou a nova cidade com nome de "Santa Maria de Belém", evocando a natividade de Jesus Cristo. Posto que, os episódios recentes da tomada de São Luís no mês de novembro e a partida da jornada de conquista do Pará em dezembro estavam marcados no calendário da cristandade em expansão no ultramar.

Todavia, debaixo da bandeira da União Ibérica (1580-1640) quando se realiza esta invenção giram diversos interesses e conflitos; que o sebastianismo português transplantado ao Brasil explica. Como, por  exemplo, o antissemitismo castelhano e ao mesmo tempo a contradição judeu-cristã implicada na história de Portugal com subtítulo de "Belém de Judá" atribuído à conquista amazônica em nome da coroa portuguesa.

É dizer, Portugal sob domínio de Espanha no velho continente procurava safar-se em ambas as margens do Atlântico Sul. Ao mesmo tempo, dentro do mesmo processo histórico lutavam judeus, cristão e islâmicos por espaço para fazer avançar suas respectivas culturas e religiões transportando para o berço da Amazônia recém-nascida suas velhas guerras e intolerâncias recíprocas. 

A Holanda, que foi pátria de acolhida de judeus expulsos da Espanha e Portugal, investiu no açúcar de Pernambuco. Para o negócio prosperar fez sociedade com portugueses e ambos praticaram o "comércio triangular" (manufaturas e álcool para a África; escravos para o Brasil e açúcar para a Europa). Além disto, a invenção da Amazônia esconde envergonhada a babel de línguas, culturas e povos indígenas do Grão-Pará (tradução portuguesa do tupi "pará-uaçu"; "grande mar"). O Presépio, na verdade, deu parto à guerra de conquista do "rio das amazonas" (conforme a invenção dos cartógrafos portugueses). E o conquistador deste rio, de fato, foi o Bom Selvagem tupinambá por motivos que a sua religião explica.

Na verdade, os portugueses do Pará legaram para a Amazônia brasileira os fundamentos do estado, com uma elite formada nas dificílimas condições de adaptação histórica a um outro mundo, mundo de águas e florestas densas na linha equatorial: a mestiçagem, bem ou mal, nos salvou a todos... Todavia a um altíssimo preço humano -- cujo significado, para tomar consciência; temos que ter coragem de admitir, foi um genocídio extraordinário; como extraordinários são todos genocídios no plano da Civilização  --, donde índios e negros são credores históricos. 

O futuro da capital do Pará, ao contrário do que vaticinou o geógrafo Henri Condreau; não dependeria da colonização em fins do século XIX, na euforia da Belle Époque da borracha; com um milhão de europeus (no caso imigrantes meridionais italianos); mas hoje da inclusão social e cidadania da maioria dos brasileiros que a habitam neste instante.

Na vetusta mitologia amazônica que se criou ao longo de quatro séculos, algumas vezes acusam ao violento capitão-mor Castelo Branco; que acabou derrubado de seu posto por um motim no forte liderado pelo capelão frei Antônio de Merciana; de ter cometido erro de lugar ao fundar a cidade num pântano; quando poderia ter escolhido melhor sítio em paragens mais salobre desde Salinas até Mosqueiro. Mas não atentam os críticos para o fato de que a jornada do Pará não se destinava a fazer nenhuma cidade; mas sim a construir um forte e dar continuidade à guerra, que demorou 44 anos, desde a tomada do Maranhão até pacificação do Marajó, de expulsão dos concorrentes estrangeiros e vassalagem dos nativos.

Agora a missão do futuro são outros 500: fazer uma nova Belém da Amazônia para segurança e prosperidade do Brasil e a paz em todo mundo.

Feliz aniversário povo belenense!




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