Fenícios e "turcos" encantados na Amazônia imaginária e real.

Imagem relacionadaA cidade libanesa de Trípoli lembra sua homônima, capital da Líbia; e uma das paisagens históricas mais representativas do Mediterrâneo, patrimônio da humanidade chancelado pela UNESCO com edifícios construídos pelos cruzados cristãos e mesquitas feitas por mamelucos egípcios. Além de obras inacabadas do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, que falam da infinita dialética entre as duas margens do Atlântico na fusão de espaços e tempos donde se inventou o Brasil desde antigas imaginações e navegações do Mar-Oceano.




"No terceiro milênio, a saída do libanês de seu país não será mais considerada uma imigração, e sim uma visita aos seus descendentes ou mudança de domicílio para perto deles, pois para cada libanês radicado no Líbano, há quarenta descendentes ao redor do mundo." (Assaad Zaidan, "Raízes Libanesas no Pará": Belém, 2001).



Pensei e repensei. Publico ou não publico? Quem vai saber?... Todavia hoje é Dia do Leitor, aniversário da Cabanagem e, de hoje em diante, ficará na história como o dia da morte de Mario Soares. Claro que, sim, já estou a ponto de colocar o texto do blogue no espaço cibernético.

Ao contrário do dito e escrito pela mídia, durante crise diplomática entre o governo sionista de Israel e o governo Dilma Rousseff, no caso dos "anões diplomáticos" do Itamaraty criticados para não meter bedelho na questão da Palestina, como se no Oriente Médio o Brasil nada tivesse a ver: nós estamos metido até o pescoço em bons e maus momentos de tantos povos mediterrâneos que fizeram a civilização naquela região da Terra e no Novo Mundo vieram contribuir a tantas outras novas pátrias.

Desde então, para contradizer propagandistas da inferioridade nacional brasileira nas relações internacionais; eu rumino algumas ideias a propósito das raízes do Mediterrâneo e Oriente Médio no Brasil - se não fosse já pelo cristianismo transportado pelas caravelas do Descobrimento a caminho das Índias -, tendo em vista inclusive a triangulação histórica entre Líbano - França - Amazônia durante a imigração libanesa pós-guerra civil de 1860 lá e pós-Cabanagem aqui.

Na verdade, eu não pretendo dar aula mas apenas refrescar a memória sobre a imigração de sírios, libaneses, judeus, palestinos, turcos e outros originários daquela região, que no Brasil refizeram as suas vidas e enterraram os seus ossos deixando filhos e netos capazes de ser tão brasileiros como também continuar a ser nacionais da pátria de seus pais e avós. De acordo com Edgar Morin, todos em breve teremos a cidadania planetária da Pátria-Terra, a par da pátria local, como o país que se chama Pará, por exemplo.

Então que me resolvi a escrever estas linhas tortas, em vista de notícia de investimentos articulados pelo descendente libanês de segunda geração Simão Jatene, professor de economia que se orgulha da origem mascate de seus patrícios e governa o Estado do Pará pela segunda vez. Ele é funcionário público de carreira e já foi artista musical. Consta que negociou junto à multinacional brasileira Vale e à congênere argelina Cevital construção de siderúrgica em Marabá e ferrovia para escoamento de grãos de Mato Grosso articulada ao porto e distrito industrial de Vila do Conde.

Claro está, em minha cabeça careca da espera de pagamento de promessas, como Santo Antônio; e esbranquiçada pelo tempo dos raros fios de cabelo que me restam; que eu acredito que o filho de Castanhal que administra o Palácio dos Despachos gostaria de ficar na história do Pará como o governante que reconstruiu a antiga Estrada de Ferro Belém-Bragança... Poderá fazê-la? A velha Maria Fumaça talvez em sua memória de infância o despertará de novo. Pelo menos com a decisão política de um projeto de construção do metrô de superfície de Belém até Castanhal numa primeira etapa. Por que não? Não está ele com mão na massa, por assim dizer, na parceria público-privada com a Vale e a Civital? 

Quem de nós, amazônidas de todos horizontes; tendo enterrado o próprio umbigo na terra encharcada das regiões amazônicas que nossos avós nos legaram, poderá torcer contra um tal projeto? Todavia, sem retirar um til das costumeiras críticas de esquerda (onde me acho evidentemente) ao suposto governo social-democrata no Pará, desde o descendente libanês Almir Gabriel. E até mesmo ao ex-membro do MDB, Jader Barbalho que foi casado com uma senhora descente de libaneses; cumpre analisar a extraordinária perda de oportunidade da elite paraense oriunda de imigrantes do Oriente Médio em geral. Onde se encontram árabes e judeus vivendo em boa paz e que devem ser exemplo para o mundo inteiro, sem se deixar intimidar por nenhum complexo de inferioridade. 

Barbalho, Jatene e companhia tem lá seus interesses particulares divergentes, mas por amor ao Pará dos paraenses deveriam fazer esforço adicional para abraçar a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), acima de conveniências partidárias e empresariais. Ninguém, poderá tirar Jader das comemorações do Sesquicentenário da Cabanagem e da construção do memorial projetado por Niemeyer para o Entroncamento, graças ao historiador e jornalista descendente libanês Carlos Rocque. Agora quem será que irá presidir o Bicentenário da Cabanagem em 2035, cinco anos apenas depois da meta pactuada com a ONU para erradicação da pobreza no mundo todo?

Sabe-se bem ou se deveria saber do intervencionismo da França e Inglaterra no Oriente Médio, tanto quanto da influência exercida sobre o reino de Portugal e o império do Brasil. A queda de Constantinopla (1453), capital do império bizantino, frente ao império Otomano sob o sultão Maomé II, determinou o redesenho do Ocidente judeu-cristão. 

Encerrei 2016 relendo o livro "Raízes Libanesas no Pará", de Assaad Zaidan, com pensamento nos Turcos encantados habitando casas de Mina e o antigo espírito fenício incorporado a mascates temerários emigrados ao Novo Mundo que, entre mil e uma peripécias e vicissitudes da vida e da morte, deram apreciável contribuição à história da Amazônia brasileira para daí eu vislumbrar o tecido social dentre outras contribuições da formação cultural e espiritual da amazonidade

A Amazônia, como se sabe, é a "última fronteira da Terra" onde o messianismo Sebastianista português se mestiçou com a utopia do Bom Selvagem, chamada a Terra sem Males; e tantos outros mitos do mundo esbarram com a complexa realidade da conquista e colonização do maior rio do planeta com a sua babel de línguas e culturas indígenas extintas. De maneira inconsciente e simbólica, fantasmas do passado emergem das águas amazônicas profundas e vagueiam pela densa floresta equatorial devassada e já em vias de completa devastação. Enquanto turcos encantados irmanaram ritos afro-ameríndios, imigrantes "turcos" (na verdade, sírios e libaneses) comeram o pão que o Diabo amassou, para vencer na vida e conquistar sua segunda pátria no mundo.

Os imigrantes "turcos" (na verdade, sírios e libaneses) na Amazônia, em apenas três ou quatro gerações conquistaram uma notável proeminência social no seio das comunidades onde vivem que se destaca pela integração com usos e costumes da população local, apenas superada pelos velhos portugueses da colonização outrora. Este capital humano de raiz libanesa na Amazônia convive bem com descendentes portugueses e sefarditas que, em conjunto com brasileiros amazônidas, representam um patrimônio inestimável para enfrentamento do desafio do século XXI. Todavia, ainda são raros membros desses amazônidas adotivos que tem plena consciência do valor humano que representam para a valorização da Amazônia no Brasil e no mundo.

Ato contínuo, como leitor compulsivo que sou, passei do texto despojado de Zaidan ao complexo de Edgar Morin, "A Via Para o futuro da humanidade", e iniciei 2017 revendo o prolífero filósofo da complexidade, na pueril tentativa minha de adivinhar o futuro pela precária compreensão igualmente minha do passado.

Para mim, Marajó é o centro do mundo e a Amazônia é este mundo desconhecido a bordo do planeta Terra. Apesar da tonta pretensão, eu não me deixo intimidar diante de minha própria ignorância nem a dos outros: se, na verdade, nunca hei de saber completamente quem inventou o mundo, não será por isto que não queira saber para onde este louco mundo está indo... 

Quem nós somos? Donde viemos e aonde vamos? Nós quem, cara pálida? Os descendentes dos indígenas despossuídos de suas terras ancestrais e culturas que aqui estavam há milhares de anos? Dos casais dos Açores que primeiro vieram, enganados, povoar o selvagem Maranhão e Grão Pará como se fosse o paraíso na terra? Dos negros barbaramente caçados como bichos e arrastados ao cativeiro na África para ser escravizados na cruel América cristã? Dos portugueses pobres e degredados dos Algarves, ilha da Madeira e norte de Portugal juntos e misturados a não poucos galegos mais pobres ainda? De judeus, chamados cristãos-novos, perseguidos na Europa por sua antiga religião? Dos árabes libaneses refugiados da guerra civil e da opressão otomana, confundidos com "turcos" e "judeus" da diáspora? Dos judeus do Marrocos seduzidos pela fama da Hevea amazônica? Dos nordestinos refugiados das grandes secas? 

Não é de hoje que a Amazônia é fito de cobiça e reino de imaginação. Na verdade, ainda não se conheciam os mitos do El Dorado e do país de Ofir, a lenda das Amazonas ainda não havia sido importada da Capadócia; e as raias de Tordesilhas invadiram a terra dos Tapuias, em 1494, opondo portugueses e espanhóis nesta parte da Terra que viria a ser Amazônia. Hoje a Amazônia está na ordem do dia na agenda global. O longo século XIX na visão do historiador inglês Eric Hobsbawm (Alexandria, Egito 1917 - Londres, Reino Unido 2012), talvez venha a terminar em 2030. Caso os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris de 2015 não fracassem.

O Papa Francisco, na encíclica Louvado Seja, destaca expressamente a Amazônia e o Congo irmanados pelas águas doces superficiais e a devastação das florestas tropicais. Morin adverte sobre o papel crucial de 300 milhões de pessoas na Terra que compões as chamadas populações tradicionais na conservação do planeta. E na biosfera amazônica, as populações tradicionais tem porta-voz na figura emblemática do romancista Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, Marajó 1909 - Rio de Janeiro, RJ 1979), prêmio Machado de Assis de 1972, atribuído ao conjunto da obra, notadamente o ciclo Extremo Norte onde a "Criaturada grande" (vaqueiros, seringueiros, pescadores, cabocos ribeirinhos, tiradores de madeira, coletores de castanha, lavradores, etc) representa a parte mais significativa da humanidade filha da animalidade.

A aldeia global, na realidade, é a Pátria-Terra repartida em milhões de aldeias, inclusive nas periferias das grandes cidades e bairros autogestionários. Porém, o internacionalismo deveria fazer a ponte e assegurar a diversidade das pequenas pátrias locais. A Organização das Nações Unidas (ONU), como proclama o Secretário Geral António Guerres, deve ser a maior instância da paz mundial pela reforma democratizadora do sistema multilateral.

Neste mundo - em crise permanente - 300 milhões de seres humanos ameaçados em suas existências e meios de vida e culturas diferentes pela insuportável pressão de 7 bilhões de outros seres humanos, dos quais apenas 1% detém em seu poder a riqueza total equivalente dos restantes 99% da população planetária.

Sobre esta Criaturada do mundo Edgar Morin considera: "Deveríamos criar instâncias planetárias que pudessem salvaguardar esses povos e sociedades da humanidade arcaica. Existe um patrimônio cultural da humanidade protegido pela Unesco; no entanto, o patrimônio cultural não é feito apenas de monumentos, de arquitetura, de arte, de paisagens; ele é feito, também, da existência das sociedades mães, ricas em qualidades que perdemos e que poderíamos, que deveríamos recolher delas. Sua existência, que é em si mesma a resistência à barbárie da civilização evoluída, é uma resistência civilizadora.

Nós queremos expedir breve comentário sobre a presença diferenciada do velho Líbano nas regiões amazônicas dentre os mais colonizadores, imigrantes e cativos que, por necessidade ou acaso, engendraram a utopia da Feliz Lusitânia. 

Todavia, nossa conversa carece de profundo mergulho no rio de Heráclito e exercício de memória na antiguidade real e lendária da História. Precisamos viajar no sonho passado fim de despertar a consciência da realidade presente para projetar o futuro. 

Assim, poderemos embarcar na Amazônia imaginária a bordo de um dos dois bergantins com que o espanhol Francisco de Orellana com frei Gaspar de Carvajal e uma centena de companheiros, mortos de fome; improvisaram em plena selva a descida do rio Amazonas a primeira vez, o primeiro bergantim (barco de remo e vela, com um mastro no caso) aliás roubado de seu primo Gonzalo Pizarro que o acusou de deserção.

Esta é uma inusitada maneira de "reinventar" a Amazônia: evocar a imigração libanesa, deve-se concordar, que não aconteceu pra valer antes da nossa guerra-civil chamada Cabanagem (1835-1840) enquanto que a guerra-civil no Líbano que acelerou a emigração em massa aconteceu duas décadas depois, em 1860. Além disto, ilustrar o texto com a foto da segunda maior cidade do Líbano é outra curiosidade, quando talvez melhor fosse lembrar a Tripoli, capital da Líbia, a antiga Cartago fundada pelos fenícios. O caso é que quisemos lembrar o fato do arquiteto brasileiro de origem judaica Oscar Niemeyer ter deixado sua marca no Líbano, donde a tradição judaico-cristã diz ter o arquiteto Iran, rei de Tiro; ido a Jerusalém construir o templo de Salomão. E o rio Solimões (Amazonas) ter este nome deixado pela frota de Ofir em memória do rei de Israel, quando da extração de madeira, no misterioso pais de Ofir, para construção do templo.

Neste início de ano gostaria de sugerir aos meus amigos a leitura de Edgar Morin e da obra de Assaad Zaidan, sobretudo àqueles que são descendentes libaneses. Acredito que trabalhos literários por emigrantes, como o que Zaidan realizou, exaltando suas duas pátrias - Brasil e Líbano - merecem elogio numa hora escura como esta. 


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ícone do mito oriental da Fênix 
que se expandiu no Ocidente através do Egito e da Grécia.

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