Fado Tropical

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Fotografia de descerramento da placa da "Rua de Belém do Pará - Cidade Irmã", em Aveiro (Portugal) em sinal de reciprocidade ao ato da municipalidade de Belém do Pará, em 1970, no dia do aniversário da cidade; que mudou o nome da rua Tomazia Perdigão para "Rua de Aveiro - Cidade Irmã", na Cidade Velha, no quadro das relações de amizade luso-brasileiras. A antiga rua Tomázia Perdigão, depois Rua Aveiro - Cidade Irmã, sito à ilharga ocidental do Museu de História do Pará faz parte do roteiro histórico da Cabanagem (1835-1840).



A essa se ficou chamando «Rua de Belém do Pará – Cidade Irmã» e as lápidas que a indicam foram festivamente descerrados pelos Drs. Leandro Tocantins, por feliz casualidade um belemense que ocupa o cargo de adido cultural junto à Embaixada do Brasil em Lisboa, e que a representava nas solenidades consagradoras da irmanação, e pelo também historiador Dr. Augusto Meira, transbordante de comunicabilidade, mestre de afervoramentos de lusitanismo.
Ao Prof. Dr. Stélio Maroja coube cimentar – e a ninguém melhor competiria a tarefa – a primeira pedra para o monumento que enlaçará os brasões das duas urbes e perpetuará a sua fraternidade.
Sucederam-se sessões, homenagens, visitas a lugares históricos como a Vila da Feira e o Buçaco, a pontos turísticos de maior beleza panorâmica, – da ria, a Vale de Cambra –, a indústrias e museus e templos; homenagens e reiterações de simpatia. Efectuaram-se romagens à terra de Frei Caetano Brandão, um inolvidável prelado paraense, e à casa onde nasceu Ferreira de Castro, o autor aureolado da «Selva», universalizada epopeia da Amazónia. Recordaram-se melhor laços da união de Aveiro a Belém, um bispo cheio de piedade nascido a meia légua da cidade – D. Miguel de BuIhões – e um Governador setecentista de Grão-Pará, natural da própria cidade – ainda então vila –, João da Maia da Gama, que deixou memória da sua acção e antes se distinguira por actos de heroísmo.
Mostramo-nos como somos. Abrimo-nos. Procuramos merecer a honra cativante da escolha em que fomos espontaneamente distinguidos. E cremos ter conseguido cingir mais forte os laços com que voluntária e jubilosamente nos deixamos prender à «Cidade-Irmã» de Belém, e aos seus Filhos, irmãos-belemenses.
EDUARDO CERQUEIRA
 AVEIRO E O SEU DISTRITO
N.º 9
Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro
Junho de 1970








O rio Amazonas corre Trás-os-Montese numa pororoca deságua no Tejo.

O fado tropical comete uma subversão de tal sorte, que, mal comparado, faz parecer café pequeno o "papel forte" do padre Antônio Vieira, diante da ordem imperial então reinante na Europa. O padre foi improvisado diplomata secreto da Restauração do reino lusitano em Paris e Amsterdã, com o projeto transcontinental, super secreto, da vinda da Família Real para a Amazônia a fim de fazer de Dom João de Bragança rei do Grão-Pará. Há quem pense que o Marquês de Pombal, cem anos depois de Dom João IV, cogitou trasladar o medroso e namorador Dom José I com a Corte Real segundo o plano original de Vieira. E, por esta secreta decisão, teria ele concordado em deixar o arquiteto italiano Antônio José Landi em Belém do Pará a construir igrejas e palácios da futura metrópole imperial, em vez de o requisitar para fazer parte da equipe de reconstrução de Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755. Pode ser. O certo na Amazônia é que tudo é incerto, dizia Paul Le Cointe, naturalista e cônsul da França em Belém do Pará.Desta vez, o poderoso ministro de Dom José I, "déspota esclarecido", queria supostamente permutar o território do reino na Península Ibérica pela parte espanhola na América do Sul. Plano arrojado, porém duas vezes falhado, pois é fado de magos visigodos e celtiberos de muita antiguidade e mistério, o zelo do velho torrão da Ibéria onde Viriato enterrou o umbigo e seus ossos. Desta vez parece que o famoso 'estalo' do padre Vieira perdeu prazo de validade e o "papel forte" ficou sendo a maior fraqueza geopolítica do conselheiro do rei, pela aventura diplomática gorada a Companhia de Jesus o enquadrou com ameaça de expulsão; a Inquisição não perdeu tempo para botar o papel forte na ordem do dia, denunciando a suposta tutela da França em Portugal contra a Espanha como plano secreto judeu para vingar-se dos Reis Católicos. O plano de Vieira era digno de Maquiavel envolvia o príncipe herdeiro de Portugal Dom Teodósio e a princesa francesa Anne Marie d'Orléans... Sabe-se, porém, que o dissimulado italiano Cardeal Mazzarino, que fazia a real cabeça da França seiscentista; tinha outras ideias a respeito da cobiçada Anne Marie, ademais Dom Teodósio morreu precocemente e Dom João não se deixou levar mais pela perigosa "lábia" do padre...Já que ao bárbaro e desconhecido Amazonas de antanho não apetecia ir se civilizar na Europa, foi como se a civilização ibérica - noutro estalo mágico do padre Vieira - resolvesse conquistar corações e mentes pagãs no rio Babel: foi assim que o payaçu dos índios, quase a fugir da polícia do rei e das intrigas da corte, fez velas rumo ao Maranhão (Amazônia colonial), trocando punhos de renda para vestir a roupeta do missionário jesuíta entre colonos boçais e selvagens escravizados. Terminou expulso e condenado por heresia judaizante pelo tribunal do Santo Ofício... Mas sorte teve o italiano Landi com seu palácio que hoje é museu e igrejas de pedra e cal que testemunham a época dos Setecentos; que o padre com a sua arquitetura de palavras e utopia sebastianista na impossível paz e reconciliação do Grão-Pará com a Cristandade.Eis que ouvir cantar e falar o Fado Tropical - no Rio de Janeiro, Salvador da Bahia, São Luís do Maranhão, em Belém do Grão-Pará, Belém Ocidental e toda parte mais do mundo onde se fala português -, quando o mundo faz pacto para erradicar a extrema pobreza, até 2030, não deixando ninguém atrás. E, mais ainda, o sistema multilateral da Terra-Pátria nomeou providencialmente com missão pacificadora a um cidadão português chamado António Guterres, experimentado deslindador de conflitos do mundo, para reger na ONU o concerto das nações. No fim da história do longo século XIX, com suas guerras quentes e frias, escutar o fado tropical nesta hora escura desde complexo século cheio de dúvidas e dívidas, divididos no presente entre o passado e o futuro; sob encanto da arte plumária dos índios e a sedução barroca jesuítica da História do Futuro, há também que ver o peso do espaço. Portanto, que se emprestar os olhos do peixinho do mar, chamado quatro-olhos (tralhoto, Anableps anableps) do Sermão aos Peixes, e compreender a insustentável leveza do rio de Heráclito em seu fluxo infinito: saber da terceira margem do rio onde habita a Encantaria em toda sua prolixa diversidade de mundos e fundos paralelos ao que nos parece real. E que aquilo que ontem poderia ter sido mas não foi; talvez ainda poderá ser amanhã sob nova perspetiva e noutra feição. Por exemplo, por necessidade e acaso que a história política e social de Portugal explica, a ressurreição simbólica d'el-rei Dom Sebastião (morto em batalha no Marrocos em 1578) deu-se em 1640 na figura real de Dom João IV de Portugal, supostamente como profetizara em trovas o poeta sapateiro Gonçalo Annes, o célebre Bandarra. Se não foi assim, de verdade; na era da pós-verdade será... Só a Poesia salva da loucura congênita a humanidade filha da animalidade. E o inculto navegador lusíada, que ignorava a ciência aristotélica de Santo Agostinho, dizendo que somente os anjos podiam atravessar a zona tórrida das regiões antípodas do mundo sem suas asas se tornarem cinzas, passou além do Bojador em santa ignorância no fito das riquezas das Índias... Logo, se o não saber é a primeira condição do saber (conforme Sócrates), Portugal além de ser primeiro a descobrir mares nunca dantes, também por acaso descobriu a tal pós-verdade (ou seria antes proto verdade, em realidade?) muito antes dos tempos pós-modernos.Corria o ano ditatorial de 1973 e fazia escuro igualmente no Brasil e Portugal, porém o destino do vasto mar de Fernando Pessoa - tal qual a sina condoreira do poeta da Floresta, Thiago de Mello -, fadou a Chico Buarque e Ruy Guerra cantar o fado a fim de despertar do destino colonial os povos enlaçados da mesma trágica história: angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, portugueses, são-tomenses e dos mais países e comunidades de língua portuguesa. As trevas da primeira noite do mundo invadiam a Terra, então carecia ouvir cantar o galo na certeza de que há auroras que ainda não brilharam e que a manhã sempre há de vir. Poetas e profetas quase todos tem a mesma sina secreta de gestar o amanhecer de um futuro dia... Ninguém nasce profeta ou poeta (todos igualmente nascem dotados de Magia: poucos, entretanto, deixam de trocar o direito humano à Poesia por um prato de lentilhas). É a necessidade mãe de todas invenções quem faz de um ou de outra uma sibila ou um vate. Se é verdade que o padre grande dos índios, Antônio Vieira; levado em canoa a remos de "índios cristãos" a navegar águas amazônicas a caminho da aldeia indígena de Cametá, bradou de repente: Bandarra é verdadeiro profeta! Aquele grito calado no fundo do peito e da sua alma solitária e ferida pelo fracasso do papel forte e as loucas incertezas do Quinto Império do mundo, que o faziam queimar vivo no fogo-fátuo do inferno verde; talvez acordasse o bicho do fundo, a cobra grande Boiúna, quebrando com a mortal curiosidade dos três escravos da mãe d'água, mandados buscar o mito da primeira noite do mundo escondido no fundo do rio dentro, o caroco mágico de tucumã (Astrocarium vulgare). Este nigredo (inconsciente coletivo) danado, herdado por certo da animalidade nossa tataravó; transposto com pena e tinta ao papel das esperanças, livre das servidões do homem refugia-se no reino dos mitos, asila-se no terreno da história de uma maneira sempre impossível de separar da realidade, os sonhos e pesadelos da humanidade. Por isto é preciso cantar e despertar campos e cidades do mundo inteiro!Se os povos ouvirem cantar o galo, o sol da manhã sempre irá brilhar até nos dias de sexta feira mais cinzentos. Porém, segundo João Cabral de Melo Neto, um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros... Veja bem, no império colonial o sol nunca se punha. Todavia, ao mesmo tempo, por mais pobre que seja um camponês em qualquer parte da Terra há de possuir, pelo menos, um galo madrugador como despertador. Assim, também o seu vizinho mais próximo: de sorte que de galo em galo, de quintal em quintal, de campo em campo até a cidade; todas manhãs cobrem de luz e coragem a superfície inteira do planeta. Mas, sobretudo, pelo modo de cantar hão de saber os povos do mundo onde e como o galo canta... Nos Quinhentos, o rei de França se levantou contra o papa espanhol Rodrigo Bórgia, Alexandre VI, protestando contra o "Testamento de Adão" que repartiu o mundo, achado e por achar, entre os reis de Espanha e Portugal. Se já não bastasse o imenso furacão no Caribe, desatado pelas naus de Colombo; os índios do Maranhão e Grão-Pará muito mais se espantaram das mágicas que os brancos faziam. Que nem um doutor acadêmico há de se sentir abestado face à Joana Carda com a vara de negrilho na mão capaz de prodígio extraordinário pela arte de Saramago, tanto quanto Joaquim Sassa com uma pedra arremessada ao mar, José Anaiço, Pedro Orce e Maria Guavaira interligados pelo realismo mágico a vagar sem rumo no mar imaginário do poeta Pessoa, a bordo de uma jangada de pedra desprendida da Europa. Carmas vetustos e fados ancestrais, por certo, levam a navegar por mares nunca dantes. O homem já está quase chegando a Marte: tudo começou talvez quando o primeiro pescador, por acidente, se afastou da terra levado embora pelo vento e a corrente...Pena que Saramago não atendeu ao convite para emendar caminhos de Portugal e da Amazônia lusitana: assim, a jangada nunca pôde escalar em Bragança, Sintra, Caldas da Rainha, Chaves, Soure, Salvaterra, Santarém, Aveiro, Óbidos, Barcarena e outras mais cidades portuguesas da Amazônia que mais parecem dar razão à história, mal contada, do traslado da Família Real de Portugal ao Grão-Pará, duzentos anos antes de Dom João VI com a corte portuguesa no Rio de Janeiros. Pois muito bem, a corte de Dom João não veio, porém Dom Sebastião aqui chegou são e salvo a bordo da frota dos Turcos Encantados e ressuscitou seu reino ao longo do litoral do Maranhão e Pará.Meus pobres dons de pajé reprovado pelos caruanas por falta de fé, foram insuficientes para levar contracorrente equatorial marítima a garrafa de náufrago do degredado dos Açores até Lanzarote, nas ilhas Canárias, destinada a José Saramago... O poderoso vento leste batendo contra pela proa empurrou longe e a corrente equatorial recusou transportar a estúrdia mensagem do caboco marajoara (José Varella Pereira, Revista Iberiana: Belém do Pará, 1999) ao festejado ganhador do prêmio Nobel. Agora é tarde? Precisava antes saber a verdade verdadeira sobre a controversa travessia do Atlântico Sul pelo imperador mandinga Abubakari, em 1311, à frente de uma flotilha com dois mil súditos. Então, sob ditadura do poderoso vento oceânico que sopra desde o cabo das Tormentas (Boa Esperança), na contracosta africana; a garrafa mágica com a carta imaginária do náufrago dos descobrimentos; foi confiada finalmente à corrente do Amazonas rumo norte, destinada a passar antes pela ilha da Martinica, nas Antilhas, para coletar o Cahier d'un rétour au pays natal, obra-prima de Aimé Cesaire; para ser entregue em Lanzarote, ao encontro da Jangada de Pedra ao largo à deriva levando a bordo a teoria do segredo das antigas navegações gregas e cartaginesas. Então, nessa fantástica navegação já se poderia avistar desde a jangada em alto mar, o Navio Encantado com carregamento de mitos e lendas da Floresta Amazônica, música a bordo e mortos dos seringais da Belle Époque. Dalcídio Jurandir (1909 - 1979) conversando com Ferreira de Castro (1898-1974) sobre a Selva e Belém do Grão-Pará. O escritor português falando da terra em que nasceu, Ossela, no concelho de Oliveira dos Azeméis, distrito de Aveiro. Lembra-se dos seus pais camponeses, com apenas oito anos de idade ficou órfão de pai. Emigrou aos 12 anos vivendo algum tempo em Belém do Pará antes de seguir para trabalhar na floresta amazônica na extração da borracha.
O escritor luso lembraria ainda que foi seringueiro durante quatro anos. Nessa tempo escreveu contos e crônicas, aos 14 anos o primeiro romance “Criminoso por Ambição”, publicado como folhetim em 1916, quando ele retornou a Belém do Pará continuou colaborando para jornais e revistas. Há coisa, mais ou menos, de dez anos passados disse-me um amigo luso de velha cepa, ter feito conhecimento de Ferreira de Castro, lido grande parte de suas obras e durante algumas conversas em Lisboa ter escutado do mesmo a história reservada de que, certa vez, em Belém do Pará o escritor se aproximou do fundo do poço da amargura e depressão. Então, ele teria pensado dar cabo à própria vida subindo furtivamente os degraus à torre da igreja da Sé para de lá do alto se atirar à rua sobre a calçada: mas, ao atingir o último degrau e passar ao campanário para ir ao encontro dos braços da Morte, o quase suicida viu ao longe a verdejante floresta das ilhas da baía do Guajará, onde todos dias ribeirinhos labutam sem perder fé na vida. 
O galope doido de seu coração se acalmou e o juízo clareou, no mesmo instante, à beira do abismo. Como o milagre da salvação de dom Fuas Roupinho montado em seu cavalo desembestado pelo Diabo atrás da caça e salvo no último momento ao implorar a graça da Virgem de Nazaré; a rodopiar na beira do penhasco que se vê pintada do carro dos milagres no Círio em Belém do Pará. Calmamente, o arrependido escritor desceu a escadaria interna da igreja vazia àquela hora do dia. Assim, mais que nunca, viveu o escritor da floresta para contar ao mundo o que é a sofrida vida humana à margem da história, seja na civilizada Europa ou no fim do mundo entre árvores e esquecimentos.
Em 1919 - na ilha do Marajó, Dalcídio tinha apenas dez anos de idade e morava no chalé de Chove nos campos de Cachoeira com seus pais e irmãos -, Ferreira de Castro regressou a Portugal e ainda na terra natal enfrentou dificuldades até seu trabalho começar a ser reconhecido. Em 1922 - ano do centenário da independência do Brasil e da Semana de Arte Moderna de São Paulo -, publicou o romance Carne Faminta e em 1923 O Êxito Fácil, obras que o tornaram conhecido. 
Entre 1925 e 1927 ele foi redator do jornal O Século e dirigiu o jornal O Diabo. Colaborou com as revistas O Domingo Ilustrado e Ilustração. A publicação do romance Emigrantes aconteceu em 1928 - ano do Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade -, seu prestígio de escritor enfim foi reconhecido em diversos países. A obra-prima A Selva saiu em 1930, então seu confrade Dalcídio em companhia de Bruno de Menezes andava pelo Ver O Peso, em Belém do Pará, nas traquinagens boêmias da Academia do Peixe Frito. Em 1934, a ditadura de Salazar se estabeleceu e Ferreira de Castro abandonou o jornalismo. O Estado Novo brasileiro com Getúlio Vargas iria seguir o mesmo fado absolutista português herdado do império colonial... A literatura social de Ferreira de Castro, nascida da floresta amazônica com o drama de seringueiros e outras gentes humildes, tão próximas à criaturada de Dalcídio, se inclina ao neorealismo. Pouco depois da Revolução dos Cravos Ferreira de Castro faleceu na cidade do Porto, Portugal, no dia 29 de junho de 1974. Não antes dele prefaciar, em maio, a edição portuguesa do romance Belém do Grão-Pará, de Dalcídio Jurandir.
O prefácio começa por repudiar prefácios em geral, porém abrindo exceção, sobretudo, a pedido de seu amigo Lyon de Castro que portanto devia conhecer o romance paraense da queda da Borracha.
O autor de A Selva escreve: "Escritores e poetas de todo mundo uni-vos contra os prefácios que tão esperançadamente solicitais!
Mas, pensando eu assim, porque acedi ao desejo de  Lyon de Castro, meu velho amigo, estou aqui a escrever um prefácio?
Apesar de celebrado, desde há anos, pelos maiores críticos literários do Brasil, como um dos mais importantes romancistas actuais do seu país, tão rico de ficcionistas, Dalcídio Jurandir era, até agora, desconhecido em Portugal.  
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Dalcídio Jurandir nasceu no Marajó. Nasceu numa grande ilha, de tal modo situada no delta do Amazonas que lembra, se a virmos no mapa ou de avião, uma gigantesca presa verde na boca aberta de incomensurável serpente cor de barro.
Se algum dia a literatura teve ali uma episódica florescência, jamais a brisa da glória expandiu o seu perfume, longe e demoradamente, no tempo e no espaço.
A ilha possuía, contudo, um privilégio. De todas aquelas vastas paragens, vizinhas do Atlântico, só ela encerrava nas entranhas um valioso espólio arqueológico, as famosas “marajoaras”, cerâmicas velhas de séculos, hoje a prestigiarem vários museus do mundo.
Cerâmicas muito quietinhas e silenciosas no subsolo e milhares de manadas de bovinos pastando na superfície era a síntese que se fazia do Marajó. Do espírito dos artistas  remotos só haviam ficado, além do mistério, aqueles magníficos vasos, alguns simbolicamente partidos.  Mas a ilha moderna, de vaqueiros, de fazendeiros e de bois, parecia não ter alma.  Certamente que alguns poetas, no país onde fulguraram sempre muitos, lha terão pressentido ou emprestado a sua.  Não guarneceriam, porém, a história literária.
Esse condão reservara-o a ilha para Dalcídio Jurandir. Ele foi o redescobridor e o intérprete do Marajó. Ele foi, não só para o Marajó, mas para o Estado do Pará, o que Jorge Amado, Lins do Rego, Raquel de Queiroz e outros grandes romancistas tinham sido nos anos 30, para os Estados do Nordeste brasileiro.
Dalcídio Jurandir que esqueceu a singular natureza da sua terra, mas ocupa-se principalmente dos habitantes."
Será o 'carma' que os hindus ensinam algo semelhante ao fado, que as fadas fadam sobre as coisas e pessoas? E para se quebrar a sina carece saber toda história e estória do encanto tendo coragem no coração para enfrentar a Esfinge? Esse encontro mágico que o fado tropical vai nos atormentando a navegar os mares do Sul por onde vão à deriva a jangada de pedra e o navio encantado; pode ser talvez o destino do Édipo ocidental querendo matar o Laio asiático, morrendo de desejos pela mãe África em imagem de Jocasta.
"É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto".
Fado, sina, destino, sorte, vaticínio, profecia, oráculo. Canção marejada de saudades, música e dança, energia misteriosa que afeta o destino e a sorte humana desde priscas eras quando as fadas tinham poder de fadar. De lançar fado, sina no destino das coisas e das pessoas. Uma crença de grande antiguidade na história da humanidade que atravessa tempos modernos sob diferentes roupagens, tais como fenômenos de clarividência, paranormais e parapsicológicos, que atestariam a realidade do "mundo invisível" onde vivem fadas e outros seres mágicos da Natureza sutil. No romance Marajó, de Dalcídio Jurandir, acha-se presente o tema do incesto do velho romance ibérico e direito feudal do morgadio português. A obra literária de Dalcídio Jurandir indaga: Quando Marajó desencanta?
Melhor será talvez nunca desencantar da magia ingênua das crianças marajoaras. Mas, despertar os adultos do transe que já se substitui pelo alcoolismo, as drogas, o vício do consumismo, o ópio das crenças alienantes. A velha Lusitânia prenhe de mitos e lendas maravilhosas, arrematou o imaginário céltico, anglo-saxão, nórdico mas não curou para evitar ser colonizada pelo império greco-romano; conquistado pelos Mouros; reconquistado pela cristandade; para cumprir o fado tropical em Áfricas, Américas, Ásia e Oceania. Se mais mares e oceanos houvesse na Terra-Pátria o nauta português chegaria lá com sua sina. 
Fado Tropical

Chico Buarque e Ruy Guerra

Oh, musa do meu fado Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata Não esquece quem te amou
E em tua densa mata Se perdeu e se encontrou

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo
(além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar,
trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

Com avencas na caatinga Alecrins no canavial
Licores na moringa Um vinho tropical
E a linda mulata Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata Arrebato um beijo

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadura à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa"

Guitarras e sanfonas, Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca 
Num suave azulejo
E o rio Amazonas Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca Deságua no Tejo

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial  

https://www.youtube.com/watch?v=NfjaFMah7sE
















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