A história de um ajuricaba do Marajó para o mundo.


lançamento da obra "História de um Juricaba", de Agostinho Batista, na Universidade da Maturidade (Universidade Federal do Tocantins), em Palmas, foto do autor com a diretora da UMA professora doutora Neila Osório.




HOMENAGEM DO CABOCO JOSÉ VARELLA AO CIDADÃO DO MUNDO AGOSTINHO BATISTA, FILHO DE MUANÁ, NA ILHA DO MARAJÓ.

Claro que as raízes bandeirantes do Gigante estremecem só de ouvir conversa como esta. Mas é preciso fazer saber que a era negreira da “plantation” já passou. E que o apartheid entre o morro e o asfalto, o sítio e o edifício de condomínio vai acabar. Doravante só o futuro nos interessa e a agricultura orgânica familiar será a salvação da lavoura. Inclusive em meio urbano e periurbano o verde de hortas e pomares há de ocupar o arranha-céu. Segurança alimentar integrada à saúde preventiva em primeiro lugar na sociedade local autogestionária conectada a um milhão de aldeias do vasto mundo.

Carece chamar atenção da gente, por exemplo, para existência pacata até agora da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), com sua sede na “ilha” de Brasília – ao pé do monumento natural das Águas Emendadas, que poucos sabem onde se acha e que é área-núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado, fonte do São Francisco irrigando o Nordeste, do Paraná rumo ao Prata e do Tocantins para a Amazônia – que precisa apressar seu passo de cágado e trabalhar depressa ao maior sucesso do programa multilateral da UNESCO “O Homem e a Biosfera” (MaB), no âmbito dos países amazônicos, dando efetivo cumprimento da missão desta agência da ONU em relação à aliança estratégica que deve se aperfeiçoar entre Ciência e Conhecimento Tradicional.

Desta maneira resoluta, seja na luta pelo desenvolvimento sustentável a Amazônia brasileira referência mundial junto ao supracitado MaB. Por que não? O que falta é provar, socioambiental e economicamente, que conservação do meio ambiente é bom para as pessoas que vivem em comunidades locais, para as regiões periféricas escapar da ilusão do subdesenvolvimento. Bom para país e para todo mundo esgotado e consumido de tantas guerras de conquista para suportar o insustentável consumo mundial.

Há que se sair do discurso para a prática. Cair fora da pajelança do marquetingue alienante ou da doutrina fossilizada para poder entrar, de fato, no negócio da mudança de vida sem precisar trocar de lugar e migrar a terras distantes. Como outrora nossos antepassados indígenas da mítica Terra sem males ou estrangeiros assombrados pelo mito do El Dorado.

Enfim, o paraíso terreno (terra sem males sonhada por cada um de nós, pela qual matamos e morremos todos os dias) é aqui e agora!... É preciso ver o peso da vida para dar mais valor a nossos dias.

Quero dizer o seguinte, é preciso dar as mãos e metê-las à obra a fim de cultivar nosso jardim e prevenir os males desta vida. Inaugurar o terceiro milênio sem bilhete nem foguete de propaganda. Andar pelas margens da História descolonizando povos mato adentro. Assim, como quem toma mingau quente pelas bordas, a gente ribeirinha da modernidade haverá de empoderar-se da cidade sem, na verdade, precisar deixar o campo ao abandono.

Fazendo o possível, no próprio lugar em que vive, quando menos pensar a velha guarda da academia da maré terá tomado pé da realidade e feito o impossível em rede nacional e internacional da terceira idade. Quem viver verá? Creio que sim.

A Amazônia é nossa riqueza na grandeza dos oito países do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, mais a região francesa da Guiana – , os Países Amazônicos, florão verde e azul da América do Sul e Caribe. Coração pulsante do planeta Água.

Amazonizar é preciso: ocupar regiões amazônicas, de qualquer jeito, não é preciso nem direito. O povo carece saber, perfeitamente, que são sete os estados amazônicos brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. À Amazônia Legal somam-se ainda Mato Grosso (Centro-Oeste) e, parcialmente, o Maranhão (Nordeste). O Plano Amazônia Sustentável (PAS), do governo federal, o qual não se ouviu mais falar considerava o estado do Maranhão parte integral da Amazônia. A ver como, só pela cúpula não se sustentam planos ainda os mais brilhantes que sejam, se a gente não os habitar e pilotar desde as bases.

O conceito de Amazônia Legal decorre da necessidade de planejar o desenvolvimento econômico e socioambiental da região além do bioma de floresta úmida. A Amazônia Legal corresponde a 59% do território brasileiro perfazendo 5 milhões de quilômetros quadrados com 25 milhões de habitantes, residem nela 56% da população indígena do Brasil, fazendo da região o coração da ancestralidade do bravo povo brasileiro. Ou seja, espaço natural e paisagem cultural da amazonidade em causa.


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Dito isto, gostaria de possuir a singeleza e profundidade de sentimento deste cidadão do mundo, brasileiro nato, nativo marajoara descendente dos briosos nheengaíbas de outrora; o caboco Agostinho Quirino Batista, poeta seringueiro e compositor popular de ritmos da tradicional cultura do Pará, para o apresentar a todo Brasil. Um legítimo representante da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir que abrilhanta a universidade da maré, na Academia do Peixe Frito.

Agostinho conquistou lugar ao sol na tradicional escola de Retóricos de vilas e povoados da nossa velha e querida Amazônia. Onde, outrora, a mocidade sossegada aprendia com os mais velhos a história oral com a elegante “arte de vender o peixe” em longas conversas de compadre. Eram rábulas de aldeia sabendo ler e escrever, mestres-escola, que socializavam notícias de jornal, leitura de livros clássicos, comentários da Biblia; propaganda a modo da escola Peripatética de Aristóteles.

A bom circular em meio ao povo pelo mercado, trapiche público, igreja, prefeitura, câmara de vereadores, etc. Causando admiração entre as pessoas e inveja aos iletrados. Ao que falava errado o retórico corrigia na hora (sem sempre com bons modos), o mesmo para quem escrevia mal. Uma pletora de “causos” acerca de problemas que uma simples colocação de vírgula pode causar. E outros. Por exemplo, um compadre que não sabia escrever pede à filha, malmente alfabetizada, que faça bilhete a outro compadre no Alto Amazonas lhe pedindo a graça de mandar pelo próximo navio: 1 o 2 macacos de cheiro. E o espanto do pobre ao receber, sem falta, uma macacada com cento e dois bichos.... Quando, na verdade, ele queria apenas “um ou dois” macaquinhos... Daí o cuidado do retórico em falar e escrever bem. E a importância, acima de tudo, dos velhos retóricos do lugar a fim de ensinar um discurso claro e certo para o melhor entendimento entre as pessoas.

Para mim é uma alegria e grande honra compartilhar estas modestas linhas com Mestre Agostinho. O texto está destinado a se juntar a muitos outros que nestes últimos anos tentam despertar a consciência da sociedade brasileira a respeito do envelhecimento crescente da população nacional e mundial, entretanto contempla o saber dos idosos nas comunidades tradicionais amazônicas: retóricos, também eles, de outros saberes.

Sem deixar de olhar ao fenômeno global que precisa ser encarado com tranquilidade, mas com responsabilidade. A velhice não é um fardo, muito menos o fim da vida. Na verdade precisa ser compreendida como um mérito individual e triunfo da coletividade que, pouco a pouco, vai lutando para transformar o mito da “eterna juventude” em objeto de pesquisa científica e direito humano a uma vida melhor e mais digna.

Os antepassados indígenas fizeram o “tour” do Brasil à procura da Terra sem males. Ou seja, um lugar onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte. Esta busca está na alma de cada ser humano e cada povo de diferentes modos. Muitas vezes uma pessoa precisa só de um motivo para migrar como ave de arribação. Na modernidade o que era apenas um mito torna-se objeto de política, o paraíso terreno não mais procurado no espaço mas no tempo através da Ciência e Tecnologia.

O que é a missão da FAO, por exemplo, sobre a agricultura e segurança alimentar no mundo de sete bilhões de habitantes? Onde, no Brasil, o programa Fome Zero acabou elegendo seu formulador, Dr. José Graziano da Silva, a diretor-geral da agência especializada do sistema ONU. A medicina moderna, notadamente com a pesquisa imunológica e vacinas cada vez mais eficazes vão evitando grande número de doenças. A ciência aplicada a retardar o envelhimento e a educação de terceira idade são responsáveis pelos alentos antigos para enfrentar o medo da velhice e a fatalidade da morte, graças a novas percepções sobre a vida em seus amplos aspectos e a espiritualidade sobre bases religiosas ou filosóficas afinadas à realidade do ser, colocam o Homem num patamar vitorioso. Então, nós podemos dizer com os antigos filosofantes da Maiêutica socrática, que há em cada ser humano as respostas necessárias aos problemas da vida e da morte. E, com os hindus, há auroras que ainda não brilharam.

No entanto, o mundo contemporâneo assiste, apavorado, a um desastre civilizacional. A chamada crise já não se refere apenas a uma economia nacional, a um sistema ou à uma determinada sociedade industrial ou tradicional à beira da extinção como certas espécies da flora e da fauna. Desta vez, o planeta está em risco e mais que o planeta a espécie humana. As soluções, todavia, não parecem tão distantes em dimensões mirabolantes. A perguntas, talvez, até agora não foram corretamente formuladas para dar o parto das ideias libertadoras. Quantas vezes será preciso dizer que, muitas vezes, as soluções mais simples são mais efetivas que coisas faraônicas e mais custosas?

Quanto mais longevas as pessoas forem na sociedade, mais haverá oportunidade de acumular experiência de vida e há de pesar o saber das pessoas idosas nas políticas públicas e nas obrigações dos Direitos Humanos para todas idades. Sobretudo, nos distantes rincões da pátria onde ainda se guardam raízes de nossa ancestralidade multifacetada e dispersa a par do conhecimento prático da Biodiversidade. Esta velha gente, mais que na preservação do passado, deve aplicar-se ao presente na construção de um mundo mais justo, seguro e solidário. Onde novas gerações se reconheçam membros da grande família chamada Humanidade e habitantes de um único planeta. E, todavia, não se deixar enganar por velhas ou novas histórias que perdem a memória dos lugares e dos acontecimentos terminando por desenraizar e desterrar a gente.

Belém do Pará, 3 de dezembro de 2013.
José Varella Pereira
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O ESTADO ANTECEDEU A SOCIEDADE NA AMAZÔNIA: 400 ANOS
APÓS A SOCIEDADE EMPODERA-SE DO ESTADO NA AMAZÔNIA.

O estado colonial português precedeu a sociedade colonial na Amazônia e esta última, depois da revolução de 1930, foi substituída pela sociedade republicana tardia que hoje vai se democratizando sob a Constituição-Cidadã de 1988.

Todavia, é claro que existiram milhares de sociedades indígenas na Amazônia antes da Colonização sob domínio de monaquias europeias. Cada comunidade com sua etnia, língua e cultura diferente das outras conforme usos e costumes particulares, no espaço ocupado, há pelo menos cinco mil anos, de dispersão pelas margens dos rios, lagos e igarapés com as suas várzeas e campos alagados, que se comunicam entre si por furos e varadouros.

A este vasto mundo, mais populoso do que os países de seus colonizadores, o célebre Padre Antônio Vieira chamou de “rio Babel” conforme ensina José Ribamar Bessa Freirei entre outros historiadores da Amazônia. Era também o rio das “Almazonas” como o “payaçu dos índios” queria expressar sua ambição de catequese e conquista das almas indígenas supostamente ingênuas. A evangelização dos índios do Brasil contou cedo com a Companhia de Jesus, desde 1549, com colégio em Salvador. Chefiados por Manuel da Nobrega eram seis jesuítas vindos na armada de Tomé de Sousa. Duzentos anos depois, centenas de jesuítas estavam em confronto direto com o estado colonial português e seus confrades em todo restante da América Latina com os índios das missões formavam um estado teocrático dentro das respectivas monarquias.

Adeptos da escolástica aristotélica, entraram em conflito com a própria direção igreja católica sacudida pela crise da venda das Indulgências e que deu motivo à Reforma protestante. Colocada na vanguarda da Contra-Reforma a Companhia de Jesus, muitas vezes, recebeu oposição de outras ordens religiosas tais como dos dominicanos. Isto se verificou na Amazônia, onde o bispo Dom Miguel de Bulhões, da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) chegado a Belém do Pará em 1749, a começo confia o Seminário de Nossa Senhora das Missões ao jesuíta italiano Gabriel Malagrida e depois se tornou aliado do Marquês de Pombal na expulsão e extinção da Companhia de Jesus.

A execução do Tratado de Madri de 1750 foi o pomo de discórdia entre as monarquias ibéricas e os jesuítas os quais tendo, até então, a tutela legal dos índios foram acusados de se opor e sabotar as demarcações implicando remoção dos Sete Povos das Missões, na fronteira meridional, e na Amazônia negar abastecimento e mão de obra índigena para o serviço demarcatório ao qual o próprio irmão do poderoso Marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, com título de Capitão-Geral, Governador e Dermarcador, fora nomeado. No início, Pombal havia demonstrado hostilidade a Alexandre de Gusmão por considerar que o tratado era desvantajoso às pretensões de Portugal.

Mas, desde que Mendonça Furtado transferiu a capital de São Luís para Belém a fim de ficar menos distante da fronteira, passando o antigo estado a chamar-se do Grão-Pará e Maranhão (1751), o governo português contratou técnicos na Alemanha e Itália e priorizou a demarcação. Mendonça Furtado deixou a capital, em maio de 1753, e subiu o rio Amazonas com a expedição demarcadora indo construir no Rio Negro o Palácio dos Demarcadores. Apesar das visíveis carências da colônia, a ordem de Lisboa era impressionar os demarcadores espanhóis com receio de que estes penetrando a vastidaão da posse portuguesa fossem tentados a invadir a fronteira. Entretanto, debalde Mendonça Furtado esperou pelo demarcador espanhol, que impressionado pela exuberância da Amazônia venezuelana se deixou ficar no caminho a estudar a natureza e reforçar o povoamento, talvez com a mesmas preocupações para evitar a ambição dos português já comprovada diversas vezes.

Com a subida do governador Mendonça Furtado para Barcelos, transformada da aldeia Mariuá, no Rio Negro, o governo de Lisboa manda o bispo Dom Miguel de Bulhões assumir o governo do Estado do Grão-Pará e Maranhão pelo tempo que Mendonça Furtado estiver na fronteira. O terremoto de Lisboa, em 1755, iria ser como a gota d'água para o rompimento entre os Jesuítas e o governo do Marquês de Pombal, Malagrida que já se encontrava em Portugal, diz em sermão que o sismo fora castigo de Deus para os crimes de El-Rei e seu primeiro-ministro contra os Távoras, cristãos-velhos aliados à Companhia de Jesus. Pombal não trepida em mandar prender e torturar o já idoso padre.

O bispo dominicano e vice-governador do Pará, não hesita em se colocar contra os Jesuítas colaborando para a expulsão da Compania dos domínios portugueses. Em 19 de janeiro de 1759 – cem anos após a pacificação dos Nheengaíbas pelo Padre Antônio Vieira – Dom José I decreta o sequestro dos bens da Companhia de Jesus. Em fevereiro do mesmo ano, Dom Miguel de Bulhões tomou posse do cargo de Visitador e Reformador dos Jesuítas (uma função do Santo Ofício): no dia 3 de setembro de 1749, o Jesuítas foram expulsos de Portugal e seus domínios ultramarinos, levando ao encerramento das missões e decadência das aldeias. No dia 12 de setembro de 1760, Dom Frei Miguel de Bulhões e Sousa, eleito bispo de Leiria, deixa o Pará: viaja no mesmo navio onde iam os jesuítas expulsos a ser encarcerados no forte de São Julião da Barra. Entre estes, o padre João Daniel que viria morrer na prisão e burlando pertinaz vigilância de seu carcereiro conseguiu legar à posteridade a obra, toda escrita de memória, o “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas”. Enquanto isto, a Europa iluminista que havia saudado no começo o Diretório de Pombal horrorizava-se com as notícias da perseguição aos jesuítas, notadamente o espetáculo dantesco da execução de Malagrida na fogueira da Inquisição.

Mas, na Amazônia a religião dos Tupinambás viria a sofrer tenaz perseguição com os frades franceses declarando o espírito Jurupari como personificação do próprio Diabo cristão vindo à América arruinar a obra de Cristo, desde que o protestante Daniel de La Touche, senhor de La Ravarière, foi obrigado a trazer ao Maranhão padres católicos para fundar a França Equinocial. No Maranhão viviam os Tupinambás na aldeia de Upaon-Açu em número entre 200 até 600 índios, segundo cronistas franceses, entre estes religiosos frei Claude d'Abbeville. Este capuchinho francês, em 1612, participou da invasão francesa ao Maranhão. Ele ficou apenas quatro meses, mas levantou grande quantidade de informações publicadas na obra: “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas”, publicada em 1614. La Ravardière veio com cerca de 500 homens recrutados nas cidades francesas de Cancale e Saint-Malo em 1612.

Responsável pelos contatos entre índios e o senhor feudal de La Ravardière, o aventureiro Charles des Vaux trouxe o colonizador francês ao Pará e subiu o Tocantins com ele à frente de uma expedição, quando através do Caminho do Maranhão, frequentado pelos índios há muito tempo, entre a costa do Salgado e as margens do rio Guamá, chegou a notícia do ataque dos portugueses a São Luís, prestes acontecer. Partiram os franceses a toda pressa para o Maranhão.

O choque entre franceses e portugueses sucedeu em novembro de 1614, quando os últimos venceram os primeiros na batalha de Guaxenduba, na baía de São José. Em 1615, a tropa de Pernambuco comandada por Alexandre de Moura expulsou os franceses e Jerônimo de Albuquerque foi escolhido para governar. Daniel de La Touche foi feito refém em São Luís e o capitão-mor do Rio Grande do Norte, Francisco Caldeira de Castelo Branco mandado fundar uma fortaleza no Pará com o piloto francês Charles des Vaux, que conhecia a região e falava a língua dos tupinambás, para intermediar o acordo que resultou na fundação de Belém do Pará, em 12 de janeiro de 1616.
Não tardou, todavia, para os portugueses abusar e escravizar índios e o conflito estalar entre os novos ocupantes e os tupinambás do Maranhão e Grão-Pará. No dia 7 de janeiro de 1619, o cacique Guaimiaba (Cabelo de Velha) comandou ataque dos tupinambás ao forte do Presépio e morreu já sobre os muros da fortaleza. Sem comando os índios se dispersaram, foram perseguidos e massacrados pela guarnição portuguesa. No Maranhão, enganados por um certo Simão Estácio da Silveiraii casais dos Açores chegados em São Luís em 1620 para plantação de cana e produção de açúcar e aguardente, por sua vez capturam índios para ser usados mão de obra escrava na lavoura. Contra tal estado de coisas e particularmente para vingar-se de ofensa cometida pelos filhos do capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, que lhe roubaram uma arma de guerra e a mulher mais nova; o cacique e pajé da aldeia de Cumã, Pacamão; liderou um levante onde muitos colonos foram massacrados. A represália dos portugueses foi duríssima. Forças comandadas desde São Luís por Bento Maciel Parente e de Belém do Pará por Pedro Teixeira fecharam os índios no rio Gurupi, divisão do Pará com o Maranhão; onde mataram e capturaram grande número de índios rebeldes.
Nossas sociedades pré-coloniais amazônicas, feitas por povos originais da região, formaram cacicados que – à luz da atualidade – podem ser consideradas como comunidades locais autônomas a partir do neolítico. O relato de frei Gaspar de Carvajal (1542) sobre a jornada de Orellana desmonstra existência de diversos cacicados auto-sustentados ao longo do rio das Amazonas até o arquipélago do Marajó junto a foz. Enquanto a numerosa expedição de Gonzalo Pizarro para conquista do “país da canela” (Amazônia equatoriana) tinha se tornado um pesadelo; vencida pelo desconhecimento do terreno, violência contra os índios e sua consequente fuga para a selva, o desânimo e a fome absoluta levando a muitas mortes dos conquistadores espanhóis do Peru. O assalto a aldeias ao longo do rio para roubar comida dos índios se tornou então, para Orellana e seus companheiros, um caso de vida ou morte: foi assim que os desertores do acampamento real de Gonzalo Pizarro “descobriram” o rio Amazonas e sofreram ataques de represália forjando a estória das mulheres guerreiras (tais quais as amazonas da lenda da Capadócia) para inventar o alibi para escapar da forca por crime de roubo dos dois bergantins e deserção cometido.

Depois destes bárbaros amazônidas ter se cristianizados no grande Cativeiro que a região conquistada se transformou e feito a adesão à independência do império do Brasil, com referência da Vila de Muaná, na ilha do Marajó, em 28 de maio de 1823; resultou a criação de diversos municípios emergentes da histórica conquista do “rio Babel” e da utopia evangelizadora do “payaçu dos índios” (Padre Antônio Vieira), pacificador dos índios (notadamente, os “ferozes” índios guerreilheiros da “Ilha dos Nheengaíbas” [Marajó], em 27 de agosto de 1659, dando termo a 44 anos de guerra desde a tomada do Maranhão).

O primeiro cacicado da Amazônia surgiu cerca do ano 400 da era cristã, nos entornos do lago Arari, na ilha do Marajóiii. O sítio ou teso (aterro) arqueológico Pacoval, no igarapé do Severino, que deságua na “boca do Lago”, é testemunho deste passado milenar ora esquecido ou totalmente desconhecido do povo brasileiro. Hoje quase totalmente saqueado e destruído para extrair peças e coleções que se acham no Museu Nacional, no Rio de Janeiro; e Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém do Pará; assim que museus estrangeiros como o Museu do Quai de Branly, em Paris, por exemplo; foi achado em 20 de novembro de 1756 pelo fundador da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747), Florentino da Silveira Fradeiv.

Com alguns fragmentos de cerâmica pré-colombiana, chamados vulgarmente “cacos de índio”, coletados entre restos do saque do teso Pacoval e outros sítios arqueológicos achados em igual situação, pescadores e vaqueiros ao perambular pelos campos e beiras do rio em busca do peixe ou da caça – mal vistos pelo fazendeiros e geralmente acusados de roubo de gado – deram esplêndida contribuição ao padre da paróquia de Santa Cruz do Arari (antiga fazenda confiscada aos jesuítas pelo Marquês de Pombal) para ser doada aos Contempladosv, Giovanni Gallo, para feitura do Museu do Marajó, em 1972.

Este museu comunitário foi transferido de Santa Cruz do Arari para a cidade de Cachoeira do Arari, em 1981, organizado espontaneamente mas com extraordinária criatividade, pode ser considerado talvez como o primeiro ecomuseu brasileiro. Constitui uma verdadeira odisseia onde um padre visionário acabou sendo intérprete e porta-voz de amnesiados remanescentes da primitiva sociedade marajoara, conforme pode-se ler no livro-reportagem “Marajó, a ditadura da água”, “Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara” e “O homem que implodiu”, de autoria de Giovanni Gallovi.

Muitos destes antigos cacicados, já esboçando sociedade de classes e elementar organização de estado com seus caciques e grupos parentais dominadores da gente em geral, localizados em aldeias sedentárias ou semi-sedentárias dispondo de território tradicional de caça, pesca coleta e roças, tendo sobrevivido à conquista do “rio das Amazonas” e colonização da Tapuirama; acabaram dando lugar a aldeias tuteladas por missão religiosa (governadas por franciscanos, jesuítas, mercedários e carmelitas) que, na segunda metade do século XVIII, foram transformadas em vilas e lugares sob o regime do Diretório dos Índiosvii (1757-1798).

Entretanto, do ponto de vista historiográfico oficial o “jovem país” Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500, faz tabula rasa do longo passado do povo brasileiro desde suas raízes indígenas. E a razão da amazonidade é levantar evidências da ancestralidade brasílica no arquipélago dos Brasis. Onde a Tapuya tetama ou Tapuirama (terra dos Tapuias), pela convergência de antigas migrações de norte a sul e de sul a norte; se tornou com a criação do Estado-colônia do Maranhão e Grão-Pará, em 1621, a Amazônia brasileira, depois da adesão à Independência do Brasil, em 1823.

Então, o estado de que se trata nesta região chegou pré-fabricado na Europa desde as postulações do tratado de Tordesilhas (1494), com as primeiras tentativas de ocupação do território amazônico pelos espanhóis com Francisco Orellana, de volta ao “rio das Amazonas”, em 1544, para fundar a Nova Andaluzia (Amapá e Marajó) quando ele desapareceu no Pará sem conseguir mais achar passagem para dentro do rio Amazonas. Nos fins do século XVII mercadores holandeses em camaradagem com os índios penetraram o Amazonas e o Xingu praticando escambo. A estes, geralmente chamados de Hereges (protestantes) se juntaram ingleses, escocesses e irlandeses apoiados por Companhias comerciais adversárias da União Ibérica (1580-1640). Porém foram expulsos da região pela união de portugueses e tupinambás (1623-1647).

Já o “cunhadismo” pelo enlace do cristão-novo marroquino Martim Soares Moreno e a índia Paraguassu, filha do murubixaba Jacuúna, havia atraído os Tupinambás de Jaguaribe (Ceará) para o lado dos portugueses. Assim, seus parentes maranhenses fizeram corpo mole quanto começou a tomada do Maranhão (1615) aos franceses. Estamos dizendo que sem a nação Tupinambá não poderiam sozinhos os portugueses inferiorizados econômica e politicamente dentro da União Ibérica frente aos espanhóis sempre adversários, conquistar e ocupar o ambicionado rio das Amazonas.

Tampouco sem arcos e temos tupinambás o capitão Pedro Teixeira não teria conseguido realizar a extraordinaria viagem, de Belém a Quito (Equador), entre 1637 e 1639, ida e volta. Precisaria localizar e refazer a Casa das Canoasviii para a sociedade compreender o processo histórico da redução da diversidade cultural do “rio Babel” na conformidade da região Norte atual. E como esta drástica redução deu começo a devastação da Floresta Amazônica que dizimou também sua biodiversidade.

A massagada tapuia, catequizada nas aldeias das Missões, passou pronta para ser o lumpem-proletariado da cabocada saída do Diretório dos Índios. Mas o grande choque, a formidável agitação, com que cada tribo dispersa nos confins – filhos dos nheengaíbas e ajuricabas da pátria grande – concorre para engrossar a corrente humana da emancipação dos povos, cada escravo isolado nas senzalas rompe cadeias para se encontrar com seus semelhantes e até mesmo indesejáveis da civilização, deportados e degredados da Europa se irmanam com massa marginália, aconteceu entre os anos de 1835 a 1840 com a revolução amazônica chamada Cabanagem: seu custo exorbitante de um genocídio feriu a consciência da amazonidade e pesa até hoje na memória do Império brasileiro somente amenizada pelo progresso da Democracia em sua lenta e sofrida evolução. Empoderar-se da História da libertação das Índias e conquistar o mundo: eis o que impele a criaturada ao longo do tempo e do espaço.

E, portanto, com a revolução de 1930, vagamente depois da derrota dos Cabanos, esta gente começou a se reencontrar consigo mesma. E a se identificar por acaso com personagens do romance aquaviário de Dalcídio Jurandir. A contra-cultura lançada por Bruno de Menezes na revista Belém Nova e a Academia do Peixe Frito fazendo bonito, na feira do Ver O Peso, o que era feio, malvisto, mal afamado, fora da etiqueta social... Foi então aí nessa revirada, fazendo eco da Semana de Arte Moderna de 1922 no Norte; que cronista Eneida de Moraes cunhou a frase “Criaturada grande de Dalcídio” para significar o mundão de gente sem eira nem beira vivendo à margem da História.

Até aí, então, a criaturada fez um longo percurso. O estado absolutista ibérico, que gerou o Estado do Maranhão e Grão-Pará, precedeu a sociedade amazônica emergente que, a duras penas, desde os primeiros choques entre índios e colonos eclodiu na Cabanagem e resistiu ao tempo para, desde 1988, retomar a luta já no campo político da Cidadania.

Agora, na antevéspera dos 400 anos de fundação de Belém do Pará, do Norte brasileiro deve-se elevar o grito e partir a marcha da ecocivilização do maior país amazônico da Terra, o Brasil: outrora, país do futuro e agora esperança de um mundo seguro, fraterno, feliz e multicultural. Mas a Amazônia não é nem será jamais “celeiro do mundo” nem “almoxarifado da nação”. Ela é berço da Cultura Marajoara de 1500 anos de idade, a primeira sociedade complexa da Amazônia e matriz da arte primeva do Brasil. A Amazônia somos nós, ela fala por nossa voz. Os que aqui nascemos, vivemos e um dia morreremos nela e por ela se preciso for.

Quem, porém, poderia dar prontamente o amazônico recado ao bravo povo brasileiro para o Brasil vir a ser portador da esperança de um novo mundo ao mundo inteiro, onde o orgânico em grande escala há de prevaler e ter mais valor que tudo mais enquanto artificial e quimérico?

Uma Terra sem males, velha utopia do Bom Selvagem, afinal por necessidade e acaso diretriz ideal do planejamento universal da humanidade moderna, gestada antigamente no Paraguai pré-colombiano e aculturada na Amazônia pré-colonial através da contradição das migrações em busca do paraíso.

Migrações que até hoje continuam, sem se saber por quê exatamente, na perseguição da sorte e maldição dos garimpos, contrabando e outros males infinitos: projeto e construção de um novo mundo sem fome, sem trabalho escravo, sem doenças, sem velhice e sem mortes.

Contra o patrimonialismo ibérico, contra o pragmatismo anglo-saxão, contra o elitismo herdado dos faraós alma mater de todos apartheids. O sonho Tupinambá imortal que, como todo mundo devia saber, visitou o velho mundo levando embaixada lá fora exportando a a sugestão da Revolução Francesa de 1789, segundo Montaigne e Rousseau. Índios da América do Sul ensinando civilizados na Europa a fazer revolução: como se não bastasse o ouro e a prata extraída das minas com trabalho escravo para acumulação primitiva da Revolução Industrial.

E aí?... Quem vai pendurar o guiso no pescoço do gato? Por acaso crianças exploradas em sua inocência e pobreza, atacadas pelas piores explorações do homem pelo homem, poderiam se incubir desta grave missão se elas, muitas vezes, nem tem escola nem o que comer? Jovens desorientados pelo vício das drogas, o consumismo desvairado, a alienação e hipocrisia dos adultos quando são atacados miseravelmente em seus instintos naturais e anseios existenciais, explorados em suas vulnerabilidades sociais e políticas, seriam estes os melhores embaixadores da tal mudança de paradigma?

Ou ainda os jovens serão soldados e guardas da “última fronteira da Terra”? Serão eles suficientes para defender esta Amazônia dos melhores sonhos do mundo enquanto corpos militares recrutados nas mais distantes regiões do País? Recrutas adventícios a ser jogados à selva das fronteiras, tão somente com armas à mão contra a devastação e a cobiça estrangeira ao mesmo tempo?

Eu acredito que sim, é preciso vigilância e defesa das fronteiras no mundo dito “sem fronteiras”. Limites territoriais feitos antes para dividir e separar, agora servem para aproximar e integrar. Todavia, não sejamos ingênuos: a Ciência não tem pátria, mas os cientistas tem...

Do mesmo modo, a Diplomacia em geral luta para evitar as guerras, mas diplomatas e estadistas não arredam pé dos objetivos supremos de seus países, nem sempre coincidentes para o bem de todos.

Portanto, sem querer ser mais realista que o rei; não acredito que se possa abrir mão da soberania nacional enquanto houver no mundo imperialismo sob qualquer forma, inclusive o imperialismo tupiniquim de nossa elite saudosa de velhos tempos do Império do Brazil, Dom Pedro II, com seu manto imperial revestido de plumas de papo de tucano, por exemplo, hoje teria cometido crime ambiental inafiançável. Já imaginaram o que isto significa em termos de mudança de paradigma de consumo?

Apesar da democracia popular ou populista, para alguns; aparecer com vigor aos clarões da América, não acreditamos também que os países-irmãos estejam prontos a deixar usos e costumes de caudilhos das suas classes dirigentes, indecisos ainda em inventar uma nova América feita à imagem e semelhança da velha Europa ou a descobrir a originalidade e antiguidade deste solo para, daí, desenhar um futuro melhor para todos no seio da pátria grande latino-americana como reza nossa Constituição.

Para conservar, então, o patrimônio das regiões amazônicas é indispensável preservar o saber tradicional das comunidades amazônidas: para isto velhos e velhas das localidades devem ser reconhecidos e considerados como esteios das respectivas nacionalidades dos países amazônicos a par da Biodiversidade como direito natural da terra.

Ou, por acaso, não é ou deve ser assim também no resto do mundo? Cá na antiga terra dos Tapuias, a Criaturada grande formada por índios, quilombolas e cabocos deve estar em primeiro lugar no conjunto das políticas públicas de proteção do patrimônio nacional e de desenvolvimento humano sustentável. Em nossa sociedade, facilmente manipulável pela longa dominação colonial de corações e mentes, há muitos que confundem ONU com Ong e que colocam todas organizações não-governamentais sob suspeição.

Mas uma coisa é uma coisa e cada coisa é cada coisa. Para assistir as notícias é preciso saber o enredo da informação. Mesmo a Santa Sé passa hoje por maus pedaços que não são de agora exatamente, mas a transparência dos meios de comunicação está deixando expostos. Já foi dito que a guerra é um assunto sério demais para ficar nas mãos dos generais. Portanto, pode-se dizer também que os interesses nacionais são demais sérios para ficar exclusivamente em mãos dos políticos. Como a reforma da ONU não pode ficar num círculo fechado entre estadistas de primeiro mundo.

E já se deveria saber que a guerra é negócio de homem, logo a paz deve ser assunto de mulher: são elas que sabem quantas mães ficam sem seus filhos, mortos em combates ou bombardeios estúpidos, por engano, em ataques de alta precisão militar ou não. Quantas viúvas choram a perda de seus companheiros que deixam famílias inteiras ao desamparo. Mas há uma outra guerra, não declarada, onde jovens, velhos e crianças perdem a vida no trânsito caótico de cidades desumanas. As vítimas desta guerra invisível somam mais que as de guerras conhecidas. E o número de suicídios é alarmante, sobretudo nas sociedades industriais desenvolvidas e classes abastadas onde o consumo de drogas lícitas e ilícitas faz girar a roda da fortuna ou infortúnio. Em contraste a isto, a violência nas favelas e na zona rural onde pobres lutam pela vida e matam seus semelhantes a troco de “trinta dinheiros”...

Esta é a questão: tupi ou não tupi... Ser ou não ser verdadeiro cidadão brasileiro, lutador de um país mais justo, generoso e seguro para todos. Cá no Norte, não demasiadamente tupi a ponto de perder a noção de tempo e lugar sobre ser esta terra Tapuia antes que tudo. Pois a coisa já foi além do tolerável. Urge amazonizar os brasileiros e naturalizar estrangeiros, a exemplo de Ermano Stradelli, Curt Niemandeju, Koch-Grunberg, Giovanni Gallo e tantos outros gringos que nasceram em diferentes partes do vasto mundo, mas naturalizando-se pela Amazônia escolheram ser mais brasileiros que muitos nacionais de cuíca e tamborim na mão só pra inglês ver.

Digo mais, o Brasil brasileiro que nossa pan-Amazônia encerra na antiga terra dos tapuias; ainda poderá impulsionar mais depressa a integração da Pátria grande latino-americana, do que todas convenções comerciais e normas de mercado regional traçadas pelo alto das nuvens das mais nobres intenções interamericanas. Por que, na verdade, a embalagem atrai a vista nas feiras e supermercados porém é o conteúdo do produto que faz freguês no varejo. Assim também o ajuricabano das comunidades integrando e conservando a amazonidade pelas bases locais.

O cerne desta coisa de eterna juventude no país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza; que nem na velha e admirável Grécia mãe da civilização ocidental, é o savoir faire das sociedades de grande antiguidadeix, no Brasil emergente neste século cheio de contradições; sua gente idosa desafiadora do tempo, zeladora de antigos saberes.

Longe de uma velhice assim ser peso morto da sociedade ela é, em realidade, uma riqueza humana. Uma oportunidade para mais valia do País, cada vez mais velho e mais feliz apesar de tudo. Que poderá revelar todo seu valor humano através do programa federal do MEC Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI), uma boa iniciativa com potencial de vir a alcançar elevado patamar de mobilização da sociedade através da Extensão universitária em educação continuada.

A Extensão universitária é a maneira mais inteligente do ensino público superior devolver à nação os recursos gerais investidos em Educação desde a alfabetização. Sobretudo quando as universidades públicas se tornarem mais ousadas, criativas e vanguardeiras – verdadeiramente abertas à comunidade de cidadãos trabalhadores e pagadores de impostos, não mais apenas usinas de diplomas sem emprego no mercado de trabalho formal e porta de entrada a carreiras de pesquisadores sem compromisso social nem sempre interessados, de verdade, com o Bem Comum – passando assim a competir, estrategicamente, com o setor privado do mercado de Educação à Distância.

Será justo, então, que pessoas de classe média paguem pelos cursos em EaD de universidades públicas da mesmas forma como fazem alunos da rede privada. Todavia, idosos em geral matriculadas em cursos de extensão e alunos de todas idades em cursos de graduação e pós-graduação, compravada nestes últimos casos falta de emprego e renda, devem ser isentos de pagamento de taxas e mensalidades a ser tranferida às instituições prestadoras de serviço conveniadas à universidade pública. A qual ficará sempre encarregada do controle de qualidade, mediante aulas presenciais e exames parciais e final do sistema, com direito a diploma ou certificado, conforme o caso.

Abram os olhos e ouvidos sem preconceito os planejadores da Educação Nacional e do Desenvolvimento Sustentável do país das palmeiras e antiga terra dos tapuias. Não é brincadeira. Cuidado com os velhinhos e velhinhas da nação! Eles ainda podem causar revolução das melhores ou piores, conforme as circuntâncias, ao fazer a cabeça de filhos e netos. Os idosos serão aliados ou adversários do sistema dependendo da maneira como por este forem tratados.

Enquanto país emergente, a sexta economia do mundo em marcha para ocupar o quinto lugar nas próximas décadas, devemos nos perguntar o que é que fica de fato para o povo brasileiro na distribuição do famoso PIB? Qual foi a educação que as velhas gerações transmitiram às novas gerações possibilitando a estas separar, de modo justo e perfeito, o joio do trigo?

Com franqueza, enquanto sociedade precisamos fazer o 'mea culpa' quando se vê o que acontece, em plena democracia; com a maioria de nossas crianças e com a juventude nos dias de hoje não apenas das classes mais pobres, mas também entre ricos e famílias de classe média. Não existem mais “ilhas” de fantasia e bairros ricos como outrora a salvo da vingança das massas marginalizadas e da crise da sociedade de consumo. O racismo e a xenofobia nos países de primeiro mundo, que pareciam banidos com a carta da Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, voltam a decepcionar o mundo com a Civilização de modo geral. E o “ópio do povo” arrebanha fiéis como nunca, mais uma variada gama de drogas naturais e sintéticas giram milhões de usuários e de dólares nas redes de narcotráfico que a criminalização mais parece promover do que combater. A crise já não parece um surto passageiro de natureza financeira ou econômica, mas estes aspectos figuram ser, na verdade, a ponta do icebergue de uma crise civilizacional de longa duração.

As periferias, então, poderiam ser como em um organismo afetado de grave doença infeciosa, capazes de provocar a resiliência necessaria para recuperar a vitalidade e saúde global? Oxalá que sim! Não somos nós, cabocos da Amazônia subdesenvovida – “periferia da Periferia” – , que dizemos isto mas analistas da ONU que os países pobres continuarão a fazer girar a roda da fortuna em favor dos ricos. E, se eles pararem de rodar abruptamente, ninguém sabe o caos que poderia ser...

A qualidade profissional de portadores de diploma de ensino superior, com exceção de cursos mais recomendados, deixa muito a desejar. Os edifícios custam os olhos da cara, porém a cultura geral entrou em baixa e o domínio dos especialistas não compensa totalmente o antigo bacharelismo que não sabia projetar automóveis e aviões, mas possuia um certo sentido de mundo que já não se vê mais se não entre alguns velhos intelectuais insubstituíveis que durante a mocidade liam jornais e livros ou viajavam não só por dinheiro e diversão. As viagens eram a escola de Rousseau e o flaneur de Walter Benjamin havia muitos imitadores, que hoje não seduz o turismo de massa ou as viagens de negócio. Os modernistas queriam conhecer os sertões e visitar o reino das amazonas, enquanto hoje o agronegócio passa o rolo compressor no interior para mandar tudo para o exterior.

A teoria do brasileiro cordial (de Sérgio Buarque de Holanda) foi a nocaute pela violência não apenas que desceu os morros para o asfalto, mas também no campo onde outrora reinava a paz armada de jagunços entre a casa-grande e a senzala. Custa-nos reconhecer, mas é a realidade, e a pergunta que não quer calar: que herança deixaremos a nossos filhos e netos?

basta prestar assistência social aos idosos das classes pobres da sociedade, nem satisfazer as necessidades dos idosos de classe média. A universidade brasileira também precisa refazer a mentalidade iluminista na qual foi forjada para aprender com a vida da maturidade tudo aquilo que ainda falta fazer para descobrir a felicidade em qualquer parte ou situação de vida. Se a infância é a primavera e a idade do paraíso – e por isto velhos e crianças se entendem bem – a velhice é o outono a caminho do inverno com sua introspectiva sabedoria. E o envelhecimento da população também quer dizer alguma novidade à existência humana...

Com certeza, o sangue de Chico Mendes derramando no impossível chão da Floresta Amazônica sangrada e calcinada pelo antigo bandeirantismo na febre de malária e ouro, hoje se faz florada e já começa a dar copiosos frutos. E assim, o ouro ficou verde e a esperança encarnada, no coração pulsante desta brava gente. A utopia duma Terra sem males dos índios acaba sendo o chamado Desenvolvimento Sustentável através do feliz casamento da Ciência com o Conhecimento Tradicional como, por exemplo, aconteceu no Alto Amazonas, lá no lago Mamirauá. Quem ouviu falar?


AJURICABANO:
integração e empoderamento da Criaturada amazônida

Convém explicar ao leitor ou leitora o neologismo “ajuricabano”. A palavra nova no vocabulário histórico brasileiro nos remete ao parto da amazônidade durante as lutas dos povos indígenas e seus descendentes contra a escravidão e dominação estrangeira na Amazônia, notadamente nos séculos XVIII com a federação dos Manaus no Rio Negro, liderados por Ajuricaba; e no XIX na revolução dos Cabanos, iniciada em Belém do Pará, que incendiou também o Amazonas e terminando por engrossar mocambos (quilombos) do Baixo Amazonas desde o Curuá acima, passando ao Cuminá e Trombetas até ultrapassar a fronteira das Guianas para dentro da bacia do rio Maroni, entre o Suriname e Guiana francesa.

Há 400 anos, os Tupinambás, depois de ocupar o litoral do Maranhão e desalojar para o sertão os Timbiras, que moravam ali desde muito tempo; como nos fala a memória de Tapuitapera (“tapera tapuia”), aportuguesada para vila de Alcântara, hoje a base espacial brasileira; convidaram corsário franceses para vir morar com eles e os ajudar a conquistar a terra dos Tapuias que se estendia além do Pará-Uaçu (“grande mar” de água doce, que veio a ser o Grão-Pará dos portugueses). A ambição dos caraíbas ou pajés-açus, como se sabe, era a conquista do paraíso terreno por eles chamado Yby marãey (“terra sem mal”). Até ao Maranhão tinham chegado os antropófagos buscadores da utopia selvagem depois de um enorme percurso através do Sudeste tendo descido o Peabiru (“caminho do Peru”) para Piratininga (São Paulo).

Entre Piratininga e a Guanabara, em luta contra os Tamoios, se destacou o tuxaua Arariboiax. Entretanto, quantos usuários da ponte Rio-Niterói aborrecidos com engarrafamento do trânsito ou quantos passageiros chateados com a deficiência de serviço de travessia da baía Guanabara se perguntam quem, de fato, foi o índio da estátua que se acha na estação das barcas e quanto o Brasil deve a ele e seus descendentes? E, no Norte, quem é que sabe da história do guerrilheiro Ajuricaba? Ou da história do café, furtado em Caiena, pela tropa de guarda-costa mandada prender o cacique bandoleiro da ilha do Marajó metido com tráfico de armas e escravos com contrabandistas franceses? Estamos a falar das conexões de tempo e espaço na história do bravo povo brasileiro.

E, no entanto, carece revitaliza a pax dos Nheengaíbas... Pela qual, através do feliz casamento da necessidade com o acaso, tapuias e tupinambás conseguiram vencer o ódio hereditário que reinava entre si para construir em comum o uti possidetis do território amazônico, tal qual havia sucedido na construção do Forte do Presépio pela união de índios tupinambás e soldados portugueses.

A necessidade da paz e amizade entre cidades amazônicas, hoje, vem ao encontro do diálogo entre as duas maiores cidades amazônicas, a fim de amazonizar o Brasil: Belém, metrópole da Amazônia oriental e Manaus, metrópole da Amazônia ocidental unidas pela memória do poeta da negritude Bento Bruno de Menezes Costa, simplesmente Bruno de Menezes (Belém-PA, 21 de março de 1893 – Manaus-AM, 2 de julho de 1963), precursor do Cooperativismo na Amazônia e intelectual modernista, que iniciou o ajuricabano através da Academia do Peixe Frito, em Belém, e o Clube da Madrugada, em Manaus.

Para desabono da amazonidade, a rivalidade histórica entre amazonenses e paraenses. Ajuricaba, cacique do manaus, morreu lutando contra “tropas de resgate” (caçadores de escravos) enviadas do Pará ao Rio Negro. A serviço de colonizadores portugueses tais tropas eram comandadas muitas vezes por mamelucos (filhos de índias com portuguses), guiadas e guarnecidas de índios tupinambás de arco e remo. Na Amazônia, desde o Maranhão em direção ao norte e do Baixo Tocantins etnias ditas Tapuias (genérico para não-tupis), mais antigas da região resistiam à invasão da poderosa nação índigena Tupinambá.

Como sabemos, a conquista do “rio das Amazonas” pelos portugueses não poderia ter sido realizada sem ajuda de arcos e remos tupinambá. Mas o curioso em nossa história é que a Tapuia tetama ou Tapuirama chamada por estes índios conquistadores, antropófagos e andejos renomados; dispunha duma multidão de etnias e línguas em maior parte de tronco Aruak e Carib também dividas entre si por rivalidades ancestrais.

Em Manaus, a figura emblemática do herói da Pátria Ajuricaba paira sobre corações e mentes amazonenses. Mas, em Belém do Pará, o valente cacique tupinambá Guaimiaba (“Cabelo de Velha”), precursor cabano no ataque suicida ao Forte do Presépio de 7 de Janeiro de 1619, que se renovaria duzentos anos mais tarde no assalto dos cabanos a Belém do Pará a 7 de Janeiro de 1835; resta esquecido e ignorado pela maioria dos paraenses continuando exilado da história do povo paraense.

Na velha língua dos aruaques (“nheengaíba”, a “língua ruim” nas ilhas do Marajó por oposição à “boa língua” nheengatu) a palavra Ajuri corresponte ao tupi Puxirum (aportuguesada em mutirão). O herói manau tomou para si o nome Ajuricaba como declaração de guerra à escravidão na Amazônia, significando “reunião de cabas” (na acepção de mutirão de marimbondos ou vespas). Analogia ao ajuntamento de guerreiros indígenas de etnia aruaque usando zarabatana e dardos envenados de curarexi. Como se deve saber, os povos Aruak ou Arawak tendo origem no Rio Negro e ocupado grande extensão territorial, chamada na antropologia americana circum-Caribe, encontrados desde as ilhas do Caribe até o Pantanal e o Acre sob diversas etnias como os Tainos, Baniwas, Palikur, Aruãs, Terenas e muitos outros povos; foram os primeiros nativos americanos a receber o impacto da Conquista hispânica.

Os Aruak, já acostumados a se defender de ataques do inimigo hereditário Kalina, em caso de guerra de defesa se confederavam elegendo um cacique como comandante militar único. No Haiti, o herói legendário Hatuey levantou o povo Taino contra a opressão dos espanhóis e conduziu uma grande migração para Cuba alertando seus parentes sobre a falsidade da religião dos cristãos, que chegavam falando do grande Espírito dos brancos, chamado Cristo; mas na realidade o deus dos conquistadores era o vil metal ouro... Dizia Hatuey que os índios deviam jogar ao mar seus adereços feitos deste metal dourado, esconder caminhos para jazidas e fugir ao mais longe possível.

O genocídio para obrigar os índios a mostrar onde havia minério e fazê-los escravos é relatado pelo padre dominicano Bartolomeu de Las Casas. Hatuey acabou aprisionado e condenado a ser consumido vivo numa fogueira atado ao poste. Resta dele a história de bravura e uma estátua mandada levantar pelo povo cubano como exemplo de resistência e luta contra o colonialismo: foi sucedido pelo cacique Guamá cujo nome, por coincidência, se acha no rio que banha o campus Guamá, da Universidade Federal do Pará, e a capital do Pará.

Segundo o geógrafo Armando Levy Cardoso, o rio Guamá seria corruptela do nome do cacique Guayamã, dos Aruã e Mexiana, das ilhas do Marajó, o qual incursionava frequentemente ao dito rio. O historiador das fronteira amazônicas, Arthur Cezar Ferreira Reis; revela que o cacique Guaiamã, Guaiamar ou Guayamá foi contemporâneo de Ajuricaba e tal qual este seu parente amazonense, o marajoara lutou contra portugueses aliados ao inimigo hereditário Tupinambá.

No Rio Negro, o heroi manau foi acusado de tráfico com os holandeses da Guiana, mas teve em defesa de sua honra ninguém menos que o grande abolicionista Joaquim Nabuco e depois um senador da República, Arthur Virgílio, atual prefeito de Manaus, para mandar inscrever seu nome no panteão dos heróis da Patria amada Brasil com apoio da senadora Marta Suplicy no papel de relatora do projeto de lei e no momento Ministra da Cultura.

Tal reabilitação histórica ainda não aconteceu com relação ao cacique Guamá ou Guamã dos Aruã, que ficou sendo apenas um vulgar bandoleiro, protótipo de contrabandistas de café e uísque dos anos 60; metido com traficantes franceses em Caiena: dele não se fala e nem dos antecedentes históricos da falsa pax do Marajóxii prometida em lei de abolição dos cativeiros por El-Rei Dom João VI, o Restaurador da independência de Portugal, que, naturalmente, levaria mais depressa essa gente dos confins aos braços de concorrentes estrangerios dos portugueses chamados de cegos no “Sermão aos Peixes”, proferido em São Luis do Maranhão, em 1654, quando o Padre grande dos índios se dirigia a Lisboa, quase clandestino, para arrancar d'El-Rei a famosa Lei de abolição dos cativeiros de 1655.

A História não é para os mortos. E a historiografia se fossiliza como vestígios do passado no presente, tal qual esqueletos de dinossáurios e múmias não param de mostrar novidades na atualidade. O descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, por exemplo, não significa dizer que os portugueses já não soubessem da existência do “novo continente”. Muito menos, que do Oiapoque ao Chuí e da Paraíba até o Acre nosso país-continente não estivesse habitado por milhões de “brasileiros”, chamados “índios”. Como ficaram sendo na Europa os povos americanos, desde o célebre equívoco de Cristóvão Colombo ao chegar na ilha Guaanani (Bahamas), em 1492, pensando ele ter descoberto o caminho ocidental para as Índias.

Aliás, o nome do “novo mundo”, América, vem da palavra em língua maya Americ ou Amerika , significando o “país do vento” referente às montanhas próximas ao lago Nicarágua, na América Central. Não é exatamente, como dizem propagandistas europeus por ignorância ou má-fé, homenagem ao navegador italiano Américo Vespúcio (Amerigo Vespucci).

Na verdade, depois de 1992 com as comemorações dos 500 anos do descobrimento da América; quando na cerimônia em Santo Domingo (capital da República Dominicana) o Papa João Paulo II pediu perdão aos Índios e Negros em nome da igreja católica; acelerou-se o redescobrimento com a revisão histórica que antes já estava em curso. Agora estamos nos 400 anos de invenção da Amazônia, desde a fundação da França Equinocial (Maranhão) em 1613.

Antes disto, porém, no ano de 1498 o cosmógrafo do rei de Portugal (cartógrafo real), Duarte Pacheco Pereira, veio ao Pará em viagem secreta fazer medições astronômicas a respeito da linha de limites entre as duas coroas ibéricas, segundo o Tratado de Tordesilhas (1494), a fim de possibilitar com segurança o descobrimento do Brasil: nasceu desta cartografia secreta a noção de Costa-Fronteira do Pará tendo a margem esquerda do Grão-Pará (Pará-Uaçu, “grande mar” de água doce dos tupinambás) como limite amazônico entre Espanha e Portugal.

Em janeiro de 1500, o navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón havia visitado o Nordeste brasileiro e achado a foz do río Santa María de La Mar Dulce (Amazonas), quando diz ter assistido o fenômeno da pororoca, pela primeira vez descrito na copiosa crônica amazônica; onde fantasia e realidade se misturam. O relato da viagem de Pinzón, guardado a sete chaves durante séculos, conta que na ilha Marinatambalo [Marajó] foi assaltada uma aldeia de índios e capturados os 36 primeiros “negros da terra” (escravos indígenas) da América do Sul, provavelmente aldeia dos Aruã junto a Contracosta, onde hoje é município de Chaves.

Depois, no mesmo ano, finalmente no mês de abril houve o descobrimento oficial do Brasil com todas solenidades descritas na famosa carta do escrivão da frota Pero Vaz de Caminha, aproveitando a passagem de Cabral para as Índias através do caminho oriental marítimo recentemente descoberto por Vasco da Gama. Na historiografia da época, descobrimento significava dar conhecimento público a um achamento de terra supostamente de “ninguém”.

É aí que mora a grande questão do empoderamento territorial e da identidade dos povos indígenas remanescentes da Conquista e populações quilombolas e afrodescendentes implicados com a soberania dos países amazônicos e a cobiça estrangeira do tal “celeiro do mundo” propagandeado na Europa por Humboldt, La Condamine e outros naturalistas famosos das chamadas “viagens filosóficas” de exploração geográfica do mundo, então desconhecido dos europeus.

Claro que que os povos originais do Brasil não se chamavam ainda brasileiros e o Brasil pré-colonial era conhecido geralmente por Pindorama (“terra das palmeiras”), enquanto que a Amazônia para suas mais velhas populações, era apenas o grande rio Guiuene (do aruaco, wene, “água, rio”... donde os derivados Guainia, Guayana, Guyene e Guiana), como se lê no Tratado de Santo Ildefonso de 1777: onde se resolveram embargos hispânicos a tratados anteriores sobre o reconhecimento do uti possidetis português de 1750, defendido por Alexandre de Gusmão.

A nação Tupinambá, que chegou ao Grão-Pará não muito antes do Descobrimento, chamava de Tapuya tetama ou Tapuirama (terra dos Tapuias) a região cobiçada. A utopia selvagem que trouxe este povo guerreiro para o “rio das Amazonas” apresenta evidências de ter sofrido uma mudança dramática à altura da Paraíba (“mar ruim”)... O mito da Terra sem males (sorte de paraíso, no início existente onde nasce o sol, seria um lugar onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte) levou os caraíbas a buscar o oceano Atlântico no litoral do Brasil à frente de grandes migrações.

Objetivamente, supõem-se que a expansão do império Inca da Quatro Partes do Mundo (Tawantinsuyu em quíchua), ao pressionar diversos povos vizinhos a ser súditos do “filho do sol” submetidos à teocracia do mitimac (sistema de servos da gleba) teria motivado surgimento de diversos líderes tupis e guaranis chamados caraíbas (“senhor malvado”) ou pajés-açus (“grande mago”), capazes de causar a morte de algum desafeto com um simples olhar conforme a crença da comunidade... Estes caraíbas medonhos eram temíveis caudilhos.

Mas, se pode adivinhar como eles começaram a perder prestígio no momento que o lugar mágico prometido permanecia distante da costa ao largo: o frenesi, quando os índios viram por primeira vez “deuses” brancos com suas grandes caravelas saindo do Mar-Oceano em direção aos portos costeiros. Porém, quando estes tupis e guaranis experimentaram uma nova opressão do trabalho escravo para extrair pau-brasil e abarrotar navios, pelo ano de 1530 em diante, um novo ciclo do mito terá sido reelaborado a partir das lembranças e história oral dos grandes feitos dos caraíbas. O espírito Jurupari ditou, por certo, uma nova direção da utopia. No Maranhão, notadamente, o lugar de guardar canoas de pesca ficou sendo chamado de “Araquiçaua” [ara, dia; ky, rede; xawa; sítio ou “lugar onde o sol ata rede de dormir”]. Pontos notáveis de por do sol sempre com a ancestral sugestão mítica da Yvy marãey (terra sem mal). A topografia costeira deixou demarcado o sonho do Bom Selvagem em direção ao Norte... Há pelo menos dois lugares com este nome no Baixo Arari, na ilha do Marajó, e no rio Araguari, no Amapá.

Relato de 1538, atribuído ao mameluco Diogo Nunes, conta do encontro deste com alguns parentes, no Peru, em número de 300 tupinambás, aproximadamente. Estavam todos escravos dos espanhóis certamente depois de haver fugido dos portugueses. Faziam parte de uma grande migração que saiu de Pernambuco pelo sertão com 14 mil pessoas incluisive mulheres e crianças. Diz que precisaram de 12 anos para chegar ao rio Solimões. Difícil compreender como puderam fazer isto sem antes chegar às barrancas do rio dos Tocantins (“bico de tucano”) e passar pelos Estreitos de Breves para subir o rio Amazonas...

Se o percurso foi, realmente, este, como parece que não poderia deixar de ser, então é certo que houve guerra sangrenta nesta e outras ocasiões entre Tupinambás e Nheengaíbas. A pergunta, então, é: que afinal de contas poderia mover esta gente para tão longa e difícil migração? A copiosa literatura etnográfica sobre os Tupinambás já respondeu de diferentes modos e reiteradas vezes. Porém, para a história do Brasil é como se não fosse nada. E a descoberta do “rio das Amazonas” por Orellana e Carvajal, em 1542, foi posterior ao relato do mameluco Diogo Nunes. O historiador chileno José Toribio Medina e o governador Oviedo da ilha Hispaniola aventam possibilidade dos dois bergantins de Orellana e Carvajal terem sido atacados pelos índios das ilhas do Marajó, quando da saída ao Mar do Norte (Atlântico), devido a lembrança do sequestro dos 36 escravos capturados por Pinzón quatenta e dois anos antes.

Sem dúvida, tupinambás e tapuiosxiii guardaram “intra muros” suas diferenças, mas de toda maneira não esqueceram as piores lembranças dos ibéricos fossem eles castelhanos ou lusitanos. Ajuricaba era cacique da nação indígena dos Manaus, no início do século XVIII. Quando a historiografia diz “portugueses”, leia-se “paraenses” e pensem na nação indígena dos Tupinambás. Diz a historiografia brasileira que os Manaus se tinham aliado aos holandeses da Guiana (hoje Reopublica Cooperativista da Guiana, com capital em Georgetown, sede da Comunidade das Caraíbas (CARICOM) e país-membro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a conexão para isto seria a bacia do Rio Branco).

Portugueses escravistas, para justificar a “guerra justa”, tal como pretenderam para reduzir os Nheengaíbas das ilhas do Marajó à extinção e cativeiro, em 1656; acusaram Ajuricaba de desafiar à soberania portuguesa ostentando em sua canoa de guerra a bandeira holandesa. Indiferentes ou ignorantes do que se propalava em Belém e Lisboa contra eles, os Manaus bem armados e voluntariosos enfrentavam os portugueses atacando as missões do Rio Negro, resistindo e impedindo a ação das "tropas de resgate" (tropas de caça a escravos indígenas). Os coloniais temiam que o exemplo dos Manaus fosse, assim, abrindo caminho a uma invasão holandesa no Rio Negro. Após negociações de paz, que não duraram, os portugueses começaram a "guerra justa" contra os Manaus em 1727. Então, Ajuricaba foi preso e enviado a Belém. Durante a viagem, preso em ferros como estava sucedeu uma tempestade e os índios foram levados a ajudar a retirar a água que invadia a embarcação. Neste momento, Ajuricaba aproveitou para se atirar ao rio, preferindo morrer afogado que sofrer a escravidão. Morto o herói se tornou mais vivo do que antes. Virou lenda poderosa e terminou tendo seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, a par de Zumbi dos Palmares, Sepé Tiaraju e outros grandes nomes da nacionalidade brasileira.

O heroísmo de Ajuricaba e devoção a sua memória pelos membros de sua etnia e amazonenses em geral, "esperavam por êle, como pela vinda de El Rei D. Sebastião esperam os nossos sebastianistas", reconheceu o historiador colonial Ribeiro Sampaio. A revisão histórica do papel de Ajuricaba na amazonidade completou-se com Arthur Cézar Ferreira Reis na sua História do Amazonas (1931), confirmando que o cacique dos Manaus foi "um guerreiro ilustre, dos primeiros a batalhar pela liberdade na América".

Ajuricaba além de ter sido reabilitado e revalorizado, tornou-se referência para o povo amazônico e, em especial os amazonenses. A Amazônia toda simboliza no herói a resistência da população às forças colonizadoras. Se a etnia manaus é dada como extinta, é certo que ela está eternizada no nome da capital do Estado do Amazonas.

Projeto Nossa Várzea

Quando o falecido Neuton Miranda me convidou a colaborar com a força-tarefa que foi a região das Ilhas começar a executar o Projeto Nossa Várzea de regularização fundiária em terrenos de marinha, aceitei sem hesitar. Na minha modesta opinião isto já deveria ter acontecido há décadas. Pelo menos, desde a Adesão do Pará à Independência, há 190 anos. Podemos crêr que se o Império brasileiro houvesse feito algo semelhante escutando o “maluco” Felipe Patroni e o cônego Batista Campos, muito provavelmente, a história seria diferente. Os horrores da Cabanagem seriam evitados. Pois, exatamente, os cabanos lutaram primeiramente para abolir a escravidão e cada família ribeirinha achar sua beira e eira em paz sob proteção do poder central.

Atualmente a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), depois de um largo período exclusivamente dedicado à administração imobiliária de próprios nacionais; passou a se preocupar também com a responsabilidade socioambiental do patrimônio da União. O Projeto Nossa Várzea: Cidadania e Sustentabilidade na Amazônia Brasileira é um exemplo dessa nova política. Ele que garante às famílias e comunidades ribeirinhas reconhecimento de sua posse tradicional e o papel de agentes promotores de conservação do meio ambiente e da promoção do desenvolvimento sustentável local.

Além da União, como titular dos terrenos de marinha, reconhecer oficialmente a ocupação garante diferentes benefícios à Criaturada, tais como a comprovação de domicílio, atividade agroextrativista ou rural para fins de aposentadoria junto ao INSS; acesso ao crédito e outros programas sociais do Governo Federal dentre outros. Desta maneira, o Projeto faz justiça e previne conflitos fundiários. Ao mesmo tempo fortalece a participação das famílias agroextrativistas, rompendo perversa exploração da mão-de-obra análoga a trabalho escravo.
No Estado do Pará, desde 2005, 60 mil famílias foram atentidas pelo Projeto, equivalente a algo em torno de 240 mil pessoas. Os Estados do Amapá, Acre, Amazonas e Tocantins também estão contemplados pelo Projeto Nossa Várzea. Respeitando características culturais e ecológicas do Acre o projeto recebeu títulos de "Projeto Nossa Floresta" e no Maranhão "Campos Naturais da Baixada Maranhense".
Muitas vezes, agentes do poder público cumprem suas funções de maneira maquinal e desconectada do fato de que o servidor público é ao mesmo tempo um funcionário e cidadão. Daí que o conhecimento histórico das populações atendidas por programas e projetos de desenvolvimento territorial ajuda a mlhorar o serviço público e a facilitar o relacionamento entre o público e o privado. No caso, específico do Projeto Nossa Várzea os esforços da SPU não podem nunca ser um fim em si mesmo. Ele aproxima as comunidades locais a diversos serviços públicos exercidos, por exemplo, pelo INCRA, ICMBio, INSS, Estados e Municípios, garantindo a presenção do Estado Navional nos recantos mais isolados e distantes dos centros urbanos, reduzindo desigualdades sociais e disparidades regionais.
Várzeas federais, acrescidos de margem de rios federais, ilhas federais, acrescidos de marinha ao longo da zona costeira e rios estaduais e sua ilhas fluviais com influência de maré, dentre outras, são áreas da União com forte presença de comunidades tradicionais vivendo da pesca artesanal, do extrativismo de frutos e agricultura de subsistência. Como bens da União, definidos no art. 20 de nossa Constituição Federal, estas áreas serão sempre de domínio público, razão pela qual devido sua importância socioambiental, econômica e geopolítica, a SPU precisa de meios para afastar a insegurança fundiária destas áreas.
A regularização fundiária das comunidades tradicionais é dever prioritário do Estado Democrático, sobretudo na Amazônia Legal, onde a proteção ao patrimônio cultural está aliada ao combate ao desmatamento e mais atividades predatórias do meio ambiente. Na Bacia Amazônica milhões de comunidades ribeirinhas vivem há muitas gerações do manejo dos ricos recursos naturais para sua sobrevivência. A segurança alimentar, socioambientar e fundiária é fundamental para promoção das políticas públicas.


O NOME MARAJÓ E A CRIATURADA GRANDE DE DALCÍDIO

O nome “Marajó” é traduzido, vulgarmente, como “barreira do mar”, do nheengatu “Mbarayó”. Todavia, fontes jesuíticas, mais recuadas, no século XVII, citadas por Serafim Leite S.J. na volumosa e fundamentada obra “História da Companhia de Jesus no Brasil” (1946), com pesquisa no arquivo dos jesuítas no Vaticano; informam que o rio “Marajó-Guassu” [Marajó-Açu], que banha o município de Ponta de Pedras originado da primeira sesmaria que a mesma ordem religiosa teve na ilha do Marajó, em 1686, onde foi fundada a fazenda São Francisco, doada posteriormente ao contemplado sargento-mor Domingos Pereira de Moraes, quando a da expulsão dos jesuítas do Pará, em 1760; dá nome a toda ilha e mais derivados deste topônimo em língua tupi.

Ora, sabemos que os primeiros habitantes da, até então, “ilha dos Nheengaíbas” ou “dos Aruans” [depois, Ilha Grande de Joanes ou Marajó] eram de diversas etnias de tronco linguístico e cultura Aruak, inimigos hereditários dos Tupinambás e o rio Marajó nada, absolutamente, tem a ver com o Mar. A menos que este “mar” seja a baía do Marajó dizendo, então, “baía da ilha” do mesmo nome que vem de ser dito derivada daquele rio, onde os jesuítas tiveram além da fazenda São Francisco e a aldeia das Mangabeiras. Depois freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737) e Lugar de Ponta de Pedras, em 1758; junto com a aldeia do Guaianazes [Guaianá] meia légua abaixo, que foi elevada a Lugar de Vilar, durante à mudança toponínica que se seguiu após a expulsão dos jesuítas.

A questão da tupinização da geografia tapuia acaba sendo quebra cabeças aos pesquisadores da Amazônia, como bem notou entre outros o géografo das demarcações de limites, Armando Levi Cardoso, em sua obra “Toponímia Brasílica”. Nunca antes do final do século XIX se teve notícia de nome que os próprios “marajoaras” davam a sua ilha. Neste caso, segundo Domingos Soares Ferreira Penna, os Aruã a chamavam de Analau Yohankaku.

Começa que o tupi, por influência da catequese, se tornou a principal língua brasílica. Até hoje o português falado no Brasil é carregado da “tupi mania” e de africanismo, através da língua-geral (Nheengatu, a boa língua). E houve a língua-geral do Brasil e a língua-geral da Amazônia... Apesar da redução do rio Babel há diversos falares amazônicos. Em meio à ruína linguística dos velhas idiomas bárbaros amazônicos, topônimos de diferentes origens se confundem, por contato e empréstimos mútuos, na paz e na guera, como em qualquer parte do mundo.

Fica patente que o mesmo Tupinambá indispensável ao colonizador para tomar posse da região, foi guia e protetor dos missionários, sertanistas e soldados portugueses empregados na grande empresa amazônica. Na contraparte se achavam os mais antigos ocupantes da terra conquitada. A antropologia brasileira ensina que os Tupinambás não estavam no Brasil para fazer favor a nenhum estrangeiro, mas que focados em sua própria utopia foram capazes até de vencer os maiores escrúpulos para seguir lado a lado com inimigos, passando por cima da sua própria religião da vingança. Pelo contrário, não pouparam nem mesmo quem nenhuma ofensa lhes fizera, como os holandeses amigos de seu inimigo hereditário, o malvado “Marajóxiv”, falante da língua ruim.

Deste modo, as populações tradicionais (“Criaturada grande de Dalcídio”) vão reconquistando o tempo e o espaço perdidos e habitando o mundo através da Educação e o a luta pela Cidadania.

Notícia antropoética: os Marajó da vida



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Atravessado na boca do maior rio do mundo – ovo primordial da biosfera na goela da cobra grande! – existe um arquipélago do tamanho de Portugal, já dizia o Padre Antônio Vieira em carta a El-Rei, na segunda metade do século XVII... Apenas a ilha grande sozinha já excede em tamanho os Países-Baixos, por exemplo. Esta ilha imensa foi “achada”, entre a Amazônia azul e verde, pelo navegador espanhol Vicente Pinzón, em 1500. Cerca de três meses antes do “descobrimento” do Brasil: conforme o tratado de Tordesilhas (1494) a ilha caía na posse de Espanha (lembrando que a “linha” de divisão, por um meridiano de pólo a pólo a 370 léguas a oeste de Cabo Verde, passaria sobre as futuras cidades de Belém do Pará e Laguna, em Santa Catarina). A gente marajoara sempre quis ligar as ilhas à Terra-Firme (continente), desde as grandes migrações das Antilhas para a costa marítima da Amazônia, em busca do Arapari (país da constelação do Cruzeiro do Sul) enquanto conquistadores brancos, como loucos furiosos, procuravam o El-Dorado e caraíbas selvagens comiam gente em demanda da Terra sem males... Mas, isto não está no Gibi nem na História oficial do Brasil.

2

Começou mal a história do desencontrado encontro de nativos e europeus nestas paragens ilhadas. O relato da viagem de Pinzón dá uma pálida idéia da ilha Marinatambalo donde foram extraídos a ferro e fogo os primeiros 36 “negros da terra” da América do Sul. Seria preciso apelar à arcaica filosofia de Vico cada vez mais pós-moderna, para abordar, sob ponto de vista nativo; a triste inauguração das relações internacionais na Amazônia pré-amazônica... Ironia da história: potências que introduziram trabalho escravo na região se tornaram paladinas dos direitos humanos. Mas porém, para os caboclos, tanto faz! Não importa a cor do gato, contanto que ele mate o rato...

3

Só a poderosa imaginação, segundo a antiga arte dos pajés, poderia talvez romper a dura crosta da historiografia acadêmica carente de interesse a respeito do sentimento desta gente. Que impressão aquelas grandes velas causaram a olhos indígenas assombrados pela indesejável visita? Um dia de chuva, provavelmente. Naus saídas do mar tenebroso como encanto entre as ilhas Caviana e Mexiana adentrando à barra do rio grande... Quem poderá saber, por exemplo, a emoção duma hipotética visita de OVNI num remoto resort, terminando por assalto com armas mortíferas desconhecidas; o seqüestro de trinta e tantas pessoas levadas para além a fim de fazer escravos, sem mais notícias... Pois assim foi, mais ou menos, que aconteceu o parto desta história de 500 e tontos anos...

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O cronista espanhol Oviedo ao comentar o ataque de índios da foz do Amazonas, em 1542, aos dois bergantins de Francisco de Orellana saídos da aventura “das Amazonas”, aventou a possibilidade desta gente, por natureza pacífica no trato com estranhos, estar prevenida contra castelhanos dado o crime cometido pelos homens de Pinzón (noves foras o genocídio caribenho que Castela promovia em nome de Deus e dos Reis Católicos e que chegavam ecos todo dia às Guianas até as ilhas do Marajó)... Por natural grandeza física, biodiversidade e potencial sociocultural poder-se-ia talvez dentro desta ilha grande – dita Marinatambalo, Ilha Grande dos Nheengaíbas, dos Aruans, de Joanes, Marajó, aliás Analau Yohynkaku em língua nativa aruã – fazer mais de uma dezena de cidades-estados semelhantes ao tigre asiático Cingapura, para dar uma idéia disto que resta ao abandono entre chuvas e esquecimento.

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Entre a morte de Orellana, em 1544, na louca tentativa de reencontrar a entrada do rio das Amazonas aonde ele ia fundar a Nueva Andaluzia e as primeiras feitorias holandesas nos começos de 1600; as ilhas foram poupadas da sanha colonial. Continuaram mais cem anos entregues simplesmente a seu modo tradicional de viver de mil anos, entre guerras e pazes locais limitadas aos usos e costumes da região. Podemos admitir que apenas forasteiros àquela altura poderiam desejar algo vagamente compreendido como Civilização. Foram os brancos que forjaram a idéia de que a humanidade precisava tirar “índios” e “negros” da “selvageria” em que eles viviam para (quem dera!) usufruir benesses que o Ocidente lhes prometia.


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Mercadores holandeses fugindo à míngua da Batávia em luta aberta contra o império dos Reis Católicos vieram se avizinhar dos índios para os seduzir mediante cobiça de missangas (contas de vidro, tecidos, espelhos, facas, machados de ferro, anzóis, etc.). Bons calvinistas esses comerciantes de escambo propuseram troca de manufaturas por “drogas do sertão” [cacau, urucu, resinas, tintura vegeral e outros produtos extrativos] e “gados o rio” [peixe-boi, tartaruga, pirarucu e peixes em geral]. Em pouco mais de meio século, que durou o comércio e amizade entre mercadores “hereges” (holandeses, britânicos e franceses prostestantes) e índios do Amapá e Marajó chegaram a aproximadamente 20 navios/ano a exportar carne de peixe-boi em conserva à modo indígena (mixira, cozida e conservada na própria gordura e transportada em tonéis). Como vemos, o insustentável “desenvolvimento” começou logo no primeiro dia de invenção da Amazônia...


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Para explicar o retardo sócio-econômico e o porque do escasso desenvolvimento humano desta ilha grande do Brasil gigante, chave territorial da conquista da Amazônia brasileira; o povo insulano que aí habita à margem da história, há muitos séculos; e que, com certeza, faria a fortuna de um singular país neotropical abençoado por Deus e bonito por natureza; com engenho e arte; rindo-se do próprio infortúnio inventou a fabulosa teoria da “caveira de burro” a rebater sem dó a empáfia acadêmica de anêmica inteligência do trópico úmido.
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A tal caveira fatídica estaria talvez enterrada em algum lugar destas paragens, tiradas do mato pelas aldeias das Missôes e convertidas por decreto no famigerado Diretório dos Índios (padastro das comunas ribeirinhas de ingrata sorte). Para alguns especulativos, tal caveira não é brincadeira: mas feitiçaria da grossa. A “coisa feia” estaria enterrada debaixo de prefeitura... Outros acreditam que a maldição se esconde debaixo do chão de antiga igreja donde o sortilégio se espalha por contágio às demais ilhas e até ao continente, na terra-firme.
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A população das ilhas do golfão marajoara soma algo mais que o número de habitantes do estado do Amapá ao lado. A gente amapaense e das ilhas do Pará juntas com toda Guiana brasileira (Amapá, Marajó, Calha Norte paraense, Calha Norte amazonense e Roraima), noves fora migrantes que vieram se mesclar com os nativos; são como carne e unha no que diz respeito à etnologia e ancestralidade original nascida do homem paleo amazônida de 12 mil anos de idade.


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Alguns marajoaras e outros brasileiros ou estrangeiros movidos por este descobrimento neotropical pelejaram para dar notícia da existência desta gente engenhosa remanescente da primeira cultura complexa da Amazônia (ano 500 dC). As primeiras gerações da ilha grande deixaram por testemunho de sua vivência célebres aterros onde edificaram aldeias peculiares e deixaram cerâmicas muito antigas, dentre as quais as mais elaboradas, de, aproximadamente, 1500 anos de tempo arqueológico. Ora, os sábios do Brasil varonil contam o tempo nacional exclusivamente a partir do fidalgo Pedro Álvares Cabral. E, quando carecem de alguma ancestralidade, a vão emprestar de contemporâneos de lusitano Viriato, na outra margem do Atlântico...


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Ultimamente, na contramão da história oficial, formou-se no extremo-norte brasileiro o denominado grupo GDM / Unilivre-MAM constituído de militantes da causa de revalorização da gente e da cultura marajoaras. Não precisa dizer que se trata de um exército Brancaleone sob bandeira de Dom Quixote. Estes voluntários fazem questão da inclusão social e cidadania do povo marajoara na República Federativa do Brasil a partir de uma nova história mais bonita, todavia jamais escrita. Cujos começos se acham nas raízes humanas dos primeiros grupos que habitaram as ilhas em busca de cardumes e aí – por necessidade e acaso – inauguraram o que veio a ser chamada a cultura “marajoara”, não exatamente por este povo cujo nome original se perdeu, mas pelo próprio conquistador do “rio das Amazonas”. Que foi, como todo mundo sabe, o Bom Selvagem tupinambá. Guia, arqueiro e remador indispensável do colonizador português.


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Militantes do GDM / Unilivre-MAM são signatários da iniciativa de Muaná (2003) – lugar de memória da Adesão do Pará à Independência do Brasil de 28 de Maio de 1823 – , que propõe implantar finalmente a área de proteção ambiental do Arquipélago do Marajó – APA Marajó (Art. 13 da Constituição do Estado do Pará de 1989). Advogam que de conformidade com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) reserva da biosfera é um modelo internacional de conservação compatível com uma APA, exceto pela existência de uma área-núcleo de conservação integral. Que, portanto, a APA-Marajó estadual não conflita com a existência de um mosaico de unidades federais de conservação existente dentro da configuração territorial daquela. Pelo contrário, seria desejável ampla cooperação federativa (governo federal, estados e municípios para na estratégia do ZEE estadual colocar em prática ações visando o reconhecimento da APA como reserva da biosfera. Claro, que estas considerações visam sobretudo demonstrar o interesse da sociedade civil e criticar a inércia dos respectivos serviços governamentais da União, Governo estadual e Municípios. Na missão de esclarecer a comunidade o grupo GDM / Unilivre-MAM informa que a primeira vez que a imprensa mencionou proposta de criação de reserva da biosfera em Marajó, deu como autor do projeto o deputado federal Antônio Feijão (Amapá). Esta noticia não teve boa acolhida no Pará, sobretudo, pela maneira como ela se apresentou ao público, o que pode ser verificado ainda em pesquisa de jornais da época.


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Na ocasião o GDM não existia, seus fundadores atuavam como grupo marajoara da SOPREN: decano do movimento ambientalista amazônico. O trabalho decorria em parceria com a Pro-Reitoria de Extensão da UFPA na ilha do Marajó; então quase por unanimidade criticou-se a abordagem impositiva para propor a reserva da biosfera a partir da Câmara Federal em vez de promover esclarecimento público junto aos municípios e incentivar iniciativa da sociedade civil. Em Muaná, entretanto, deu-se justamente o contrário e Brasília não passou recibo e o Palácio dos Despachos, em Belém, não tomou conhecimento...
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Em 20/12/1994, o grupo marajoara da SOPREN depois de nove encontros de educação ambiental no Marajó, realizados desde 1985, criou o Grupo em Defesa do Marajó (GDM), que agora ao completar 13 anos está sendo formalizado como associação promotora de futura fundação Universidade Livre Marajó-Amazônia (Unilivre-MAM). Entre 28 e 30/04/1995, o GDM em parceria com a UFPA e SECTAM (governo estadual) firmou a carta do Marajó-Açu que inaugurou atividades desse voluntariado.
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O GDM faz parte da demanda popular contra a exclusão social e ausência do poder público nas Ilhas do delta amazõnico, assim apoiou ostensivamente o documento dos Bispos da Diocese de Ponta de Pedras e Prelazia do Marajó, em 1999, assinando texto de apresentação do documento eclesial de denúncia do baixo IDH da população ribeirinha. Em diversas manifestações, o GDM fez opção preferencial pela conservação do Museu do Marajó e desenvolvimento da agricultura familiar sustentável da obra social da Diocese de Ponta de Pedras como uma experiência que deve ser reconhecida, amparada, melhorada e reaplicada a todos municípios da mesorregião, inclusive no que diz respeito ao projeto-piloto Praia Grande, realizado em programa de parceria pela UFPA/ POEMA, e a experiência de Jaguarajó pela EMBRAPA, analisados prós e contras.


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O GDM tomou parte do Colóquio Dalcídio Jurandir (2001), promovido pela UFPA e UNAMA; desde então, o GDM assumiu sua feição cultural e começou a desenhar com parceiros o projeto Unilivre-MAM www.unilivre.org . Instrumento de consolidação da obra iniciada pela SOPREN no Marajó desde fins dos anos 60, junto ao antigo programa universitário CRUTAC. Justo momento para agradecer ao médico e ambientalista Camilo Martins Viana e prestar homenagem póstuma à professora Ana Rosa Bittencourt, iniciadores do processo de resgate da cultura e do meio ambiente do Marajó. Donde, em seguida, viu-se surgir as cooperativas da Diocese de Ponta de Pedras e o Museu do Marajó, a partir de 1972.


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Demonstrando como, poucos voluntários podem tecer a história do movimento marajoara continuado, ao longo do tempo e de gerações, através do coordenador do projeto Unilivre, o GDM tomou parte da fundação do Instituto Dalcídio Jurandir, no Rio de Janeiro; passando a sensibilizar agentes públicos e iniciativa privada na formatação de roteiro para turismo literário com base na restauração da Casa de Dalcídio Jurandir, em Cachoeira do Arari.


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Deste modo, através da Paratur, o grupo GDM / Ulinivre recebeu apoio para promover mudança econômica com base no entendimento e a cooperação para o desenvolvimento sustentável. A Paratur, então, visando a estimular estudos de turismo rural com ênfase ecológica e conservação de sítios arqueológicos. contratou especialista em turismo no Mato Grosso. Com parceria do GDM, a Paratur estabeleceu acordo com a AMAM e FAEPA no sentido de estabelecer no Marajó produtos diferenciados com característica das ilhas, principalmente. Então, fazendeiros coordenados pela AMAM e FAEPA puderam receber daquele especialista informações sobre ecoturismo na ecorregião do Pantanal...
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Começou, assim, no âmbito técnico do Governo estadual, afin com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) a idéia política de uma reserva da biosfera capaz de motivar, finalmente, implantação da APA-Marajó (1989) determinada pela Constituição do Estado do Pará. A iniciativa de Muaná 2003 faz parte desta história, onde se insere o GDM com a militância da ong CAMPA e da cooperativa de mulheres CEMEM fundamentais na convergência de esforços que chegam a 2007, na inclusão da proposta da Reserva da Biosfera do Marajó no Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó.


20

Esta notícia serve, então, de registro do fato da Reserva da Biosfera do Pantanal ter sido espelho para sensibilização do segmento de pecuaristas marajoaras para o diálogo que ainda se precisa intensificar e aprofundar, sem preconceito nem imposição a fim de servir de referência em harmonia com áreas protegidas co-irmãs da rede amazônica de reservas da biosfera. Para que? Para que as comunidades tradicionais possam ser, doravante, reconhecidas e amparadas pela República como verdadeiros esteios da brasilidade a mais profunda no seio mesmo da humanidade inteira.


José Varella /// Belém, 07/10/2007



Flauta e Uirapuru no encanto da Mata Atuá-Anajás

Em memória de Rodolpho Antonio Pereira,
meu pai. Aprendiz de música que se prezava
de ter sangue cabano e descender de índios.

Não direi (dizendo) como Pascal, “creio, porque é Absurdo!”. Mas, tão simplesmente, creio. Porque pelo sentimento do seu coração o plácido caboclo Agostinho Batista achou a paz universal, no umbro das matas do alto Atuá e Anajás. Misterioso cerne da Biodiversidade, que antigamente o profeta Isaias anunciou e o Santo de Assis cantou sem contradição nenhuma com a Ciência pura. Por necessidade e acaso aos centros da Ilha do Marajó, no delta estuarino do “Mar Doce”: o maior rio do Planeta. Enquanto o seringueiro solfejava a flauta doce p’ra matar as suas mágoas ele se viu, face à face, diante da sutil presença da poesia concreta. Viva, alada e sonante. Que só vendo para crer mais do que nunca.
Naturalmente, a maravilha se fez plumas e canto do Uirapuru como a leveza do ar que se respira com aroma de flor silvestre. Naquela hora suspensa dos movimentos aparentes do dia, no sítio mágico não se duvidaria do poder divino da mãe Natureza. Como da aparição da Virgem a qualquer andarilho vagamundo, em busca de salvação da sua vida. Abriu-se na humana consciência da biosfera um espaço que antes jazia oculto desde o descobrimento do Novo Mundo, um portal ao mundo novo.
Na verdade, o paraíso procurado na terra não estava ali nas cabeceiras dos contravertentes do Amazonas e Pará, pelos âmagos preservados da Ilha do Marajó entre árvores de borracha e lagos encantados no esquecimento da devastação amazônica. Coração (quase) imaculado da Ilha Grande. Que, no dizer do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, era a “menina dos olhos” do inspetor Florentino da Silveira Frade (talvez o autor anônimo da primeira Notícia Histórica da Ilha, na metade o século XVIII, donde o sábio da Viagem Filosófica bebeu nas primeiras fontes a fim de escrever também a sua Notícia de 1783, baseada naquela e aumentada de observações e impressões próprias). Tampouco se recuperaria o Jardim do Éden pelo remendo social de Missunga, herdeiro do coronel Coutinho, no rio Paricatuba (na foz do Marajó-Açu), onde meu pai dizia os tangarás-da-mata outrora vinham bailar a horas mortas do dia, constante das páginas do romance Marajó, de seu irmão Dalcídio. Mas, o caminho à primitiva morada sagrada passava perto das cabeceiras do Atuá-Anajás, qualquer um acreditaria ao ouvir o que tem a dizer o seringueiro e folclorista Agostinho Batista, tradicional morador do Muaná. Alarmado com a perspectiva de dragas e tratores entrarem triunfantes como o Dragão da maldade rio acima a profanar o sítio onde o caboclo toca flauta e o Uirapuru canta.
Dirão os coloniais “cegos” do Sermão aos Peixes do padre Vieira, é a Preguiça mãe de todos os vícios. Direi com os sociólogos e economistas humanistas, é o Ócio pai e mãe da filosofia e apanágio de nobres cidadãos, que em exigência crescente não sabem donde vem o que consomem e querem sempre do bom e do melhor... O desequilíbrio ecológico começa no coração do homem consumidor nas cidades: não será levando o alienado “progresso” urbano aos sertões, mas – ao contrário – importando a paz do interior para as ruas, casas e apartamentos de mini-cidades e aldeias sustentáveis que a gente haverá futuro algum dia.
Como se sabe, uirapurus e tangarás são indicadores biológicos da devastação da natureza, pois só sobrevivem na mata virgem. Eis a questão sucinta do caboclo do Muaná, decidido a não trocar a primogenitude da sua gente naquele rio por um “prato de lentilhas” sob forma de cestas básicas ou salário-mínimo. Argumento que na maioria das vezes daria ar de riso a arrogantes devotos do deus Progresso (já se sabe que não de graça), acostumados que estão a passar por cima de tais ponderações “românticas”. E, portanto, estamos todos na cidade ou no interior “no mato sem cachorro” e nos mais diferentes recantos do globo os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres. E como a “coisa” já foi longe demais deliberei por consciência própria e fidelidade da defesa do Povo marajoara, dar eco ao singelo apelo de meu colega caboclo Agostinho Batista.
Mas, do mesmo modo como o milagre se manifestou a ele daquele modo; também no seu vivo argumento dá-se casamento justo e perfeito da fé com a razão. Ou, melhor dizendo o verdadeiro equilíbrio entre a qualidade de vida e o ganha pão dessa gente do fim do mundo. Pelo que valeria a pena assinalar o sítio desse acontecimento extraordinário como algo maior: nunca menos que uma ermida dedicada à Nossa Senhora do Tempo ou do Livramento, conforme a tradição dessa nossa gente católica iberiana. Assim como carece ainda recuperar, no Mapuá, o sítio da Igreja do Santo Cristo que os sete caciques nheengaíbas levantaram e o padre Antônio Vieira consagrou para todos juntos – marajoaras, tupinambás e portugueses – celebrarem a paz do Grão-Pará (Amazônia). Ora, quem conhecer a antropologia americana levantaria as mãos aos céus, ao saber desse acontecimento singular da história da Amazônia brasileira.

O lugar onde todos os lugares se resumem ou a quarta dimensão

Quando Uirapuru canta a mata se encanta. Tudo queda em silêncio e paz, dizem velhos mateiros calejados da “lei da selva”. E, portanto, aquele evento extraordinário seria ponto certo de Mutação para nova ciência do espaço-tempo relativo: na ínfima fração de um décimo de segundo, a eternidade se fazia presente. Pois, enquanto a paz é infinita a vida fica mais bonita no seio da maré. Todos os tempos e lugares se resumiram num único Lugar: que nem o Aleph, do vidente e escritor cego Jorge Luís Borges. 
 
Paresque, o cantador da mata virgem surge do nada e ao nada retorna após o concerto.  Por acaso, o som doce da flauta do seringueiro atraiu o passarinho em necessidade de companhia. Quando um tocava, o outro calava: e tudo era a mesma música. O profano e o sagrado interagiam naquele concerto da mata virgem, que vinha da preteridade do mundo, desde os Princípios.
Pelo fio do tempo se desatava a Corda da romaria tecida de elétrons, íons, prótons, nêutrons e a infinidade de coisas que a gente não sabe e talvez nunca jamais há de saber... (com amável licença do filósofo da Latinidade, Edgar Morin). Aí, o tempo marajoara passava gota a gota. Como o sereno caindo fino das folhas, madrugada adentro, durante a evapotranspiração da floresta. Devagar, devagarzinho, quase parando... Isto o caboclo achava muito bom. Não carecia pressa ou lucro. Mas porém, não há dinheiro nenhum que pague. 
 
Não é curioso, por exemplo, que no Velho Mundo se considera o leão, devido à força, “rei” dos animais. E, na Amazônia, um simples passarinho com sua simplicidade e canto maravilhoso reina e encanta a floresta? Que sentido o mundo poderia tirar desta lição da natureza?  Quando se sabe, ademais, que aqui vieram convergir anseios de conquista incontroláveis, com tribos antropófagas e guerreiros medievais movidos compulsivamente por ambições de diferentes paraísos. Nós não somos ingênuos quando às diversas cobiças de Norte ou Sul, aqui na faixa do Equinócio. Porém temos esperança – pela paz verde do Uirapuru – em conquistar o mundo, convencendo-o primeiramente de que a região equatorial não é “celeiro” nem “almoxarifado” de ninguém. Mas, nada menos que oportunidade única de se criar uma nova civilização. Este é o dilema amazônico, na metáfora da herança primordial e o evasivo prato feito de lentilhas do imediatismo da fome desde as Origens, que as Escrituras falaram. Erro secular do nosso colonialismo congênito.

O empate da hidrovia e a mais valia da biosfera

A Vila de Muaná (1823) já nos deu régua e compasso. O desconhecido rio dos Mapuá (1659) mostrou a autodeterminação das nações indígenas marajoaras a todo mundo – velho ou novo – a caminho da justiça e da paz. Enfim, a Ilha Grande de Joanes ou Marajó (aliás, Analáu Hohynkáku, Marinatambalo, Ilha Grande dos Nheengaíbas, idem dos Aruans) foi vestibular do sábio Alexandre Rodrigues Ferreira (ajudado pelo inspetor Florentino da Silveira Frade e o sargento-mor índio Severino dos Santos), na Viagem Filosófica ao interior da Amazônia, e nos mandou a sua Notícia Histórica (1873). 
 
Aqueles que, num simulacro de democracia, decidem graciosamente sobre o destino da brava gente marajoara sem a escutar e interpretar legítima e verdadeiramente. Ou falam de boca cheia sobre “a maior ilha marítimo-fluvial do mundo” no estuário da maior bacia fluvial do planeta; por acaso, sem jamais saber o que significa sobreviver naquelas condições ilhadas:
Já leram sobre a Carta-Patente do Pe. Antônio Vieira aos Sete Caciques Nheengaíbas? Sabem todas as conseqüências históricas e jurídicas da resposta (sem a qual a viagem de Pedro Teixeira teria sido mera curiosidade geográfica semelhante à “descoberta” das amazonas por Orellana e a revogação da “linha” de Tordesilhas impossível, em 1750) à luz do Direito Internacional moderno e suas possíveis interpretações no campo da democracia contemporânea? Tiveram eles a acima dita Notícia Histórica? Conservam dela o essencial sobre a antiguidade humana e a riqueza biogeográfica da ilha? Que o naturalista diz ter visto nesta Ilha Grande (50 mil km², povoada desde 1000 anos antes da Era Cristã) o potencial de uma província. E, pode-se dizer até, credencial suficiente para as Ilhas ser consideradas os “Países-Baixos” do novo trópico, por exemplo. 
 
Os nobres senhores sabem a história verdadeira da adesão do Pará à independência do Brasil? Os amazônidas não faziam parte do Brasil antes de 1823 (isto é, há apenas 180 anos), nem o Grão-Pará esteve diretamente ligado ao Vice-Reino do Brasil durante a permanência da Família Real no Rio de Janeiro, mas sempre ao Reino de Portugal. Os paraenses deliberaram conquistar a nacionalidade brasileira, a 14 de Abril em Belém; e proclamaram tal decisão, a 28 de Maio em Muaná, pagando o gesto de liberdade com o próprio sangue. Porém, o arreglo neocolonial de 15 de agosto deixou cair a máscara ente 16 e 17 de outubro; perpetuando a humilhação do Povo do Pará até à convulsão popular de 1835 e a repressão genocida de 1836 a 1840: traições e falsificações históricas hereditárias e a previsível ira popular. 
 
Se honestamente os senhores não sabem – pelo amor à República Federativa e à pátria comum latino-americana de seus filhos e netos – voltem depressa aos bancos escolares. E escutem, por favor, o que essa gente cabocla tem a dizer! Pois, a repetência colonial do gigante adormecido Brasil no berço esplêndido da América do Sol ainda não deixou aprender a lição: não há meio que se sustente nem ambiente que preste, onde a gente da terra for excluída dos benefícios da Obra. Os ecos da Cabanagem reboando pelas entranhas da varja nos açaizais povoados de más lembranças, em frente à cidade, não nos deixam dormir sossegados...
Então, vi o velho seringueiro conhecido de Chico Mendes e afeiçoado amigo de Giovanni Gallo (que Deus os tenha). Ele falava a verdade do seu sentimento quando explicava as razões contra a escavação e dragagem do canal da Hidrovia do Marajó nas cabeceiras dos rios Atuá e Anajás. Achou importante que se cogitasse, na hora, implantar na Ilha uma reserva da biosfera. Este assunto ele pouco entende, porém aprovaria qualquer coisa para deixar de lado a destruição de lagos e matas donde extraiu as mais interessantes lendas do seu repertório e as cento e tantas “estradas” de seringa que foram sustento de sua gente.
Dizendo ele que, ao contrário do que se ouve a favor da obra de seus pesadelos, os caboclos ribeirinhos nada têm a ganhar com o projeto adorado por alguns empreiteiros e transportadores de carga. Que a gentinha dos rios apartados tem seus nomes tomados em vão para dourar a pílula da devastação daqueles estirões. Que, na verdade, seria deixada a ver navios. Visto que a hidrovia não mostra nenhuma ação direta de inclusão social se não em tese, com os decantados benefícios indiretos do “progresso”. Mas tão só a redução de alguns quilômetros para economia de fretes e aumento de lucros no transporte de cargas.
Segundo deu a entender, em vez de fixar caboclos nas terras de seus antepassados, a súbita abertura de trechos isolados à concorrência de fora seria mais depressa motivo para os ribeirinhos deixarem os sítios da sua pobreza e ir aumentar invasões da miséria nos subúrbios das cidades, à vizinhança de outros atropelados do Desenvolvimento. Em princípio, o nosso amigo seringueiro não é contra hidrovias. Aliás, o que é um rio navegável? Por que não cuidam antes das “hidrovias” naturais que são rios, furos, lagos e igarapés? Será que só vale a pena meter draga onde seria melhor conservar a natureza? Há – diz ele –, qualquer coisa que não entende nessa discussão. E, portanto, está contra – tão-só – à destruição de recantos remotos da sua estimação, nas funduras da mata entre rios Atuá-Anajás.
Crente do poder divino das coisas naturais e sobrenaturais gravou na memória cenas vividas na solidão dos centros da Ilha Grande. Onde plasmódio e curupiras fazem permanente morada. E onde o comum dos mortais nunca meteu os pés ou jamais colocou as mãos em cima. O atento ouvinte parece ver nas pupilas acendidas daquele um a vidência de tempos pretéritos e futuros, como num filme que o próprio personagem vai narrando com voz firme e serena.

Primeira Conferência de Meio Ambiente do Marajó

O tempo, vários ataques de malária e carências mil da lida botaram marcas inconfundíveis no amável rosto do seringueiro. A gente acabava de ouvir histórico discurso proferido pela senhora prefeita de Muaná, anfitriã do encontro, dona Ortensia Guimarães. Digna matriarca na melhor tradição marajoara do relevante papel da mulher na comunidade. A gestora marajoara declarou abraçar a causa da reserva da biosfera em Marajó, proposta pelo Grupo em Defesa do MarajóGDM, a Cooperativa Ecológica das Mulheres Extrativistas do MarajóCEMEM e a Corporação Associativo-Ambiental PanamazônicaCAMPA; acolhida por unanimidade no encontro de Muaná.
Causou-nos grata surpresa a Conferência preparatória às conferências de Belém e Brasília, donde partiu o apelo democrático do Marajó dirigido à ONU, através da República Federativa do Brasil, que não poderia ter melhor lugar a sua legitimação. Pois se trata do povo e da cidade que afrontou no passado o poder colonial, proclamando com todas as conseqüências a luta popular, resistência armada, prisão, humilhações, deportação e mortes no Tejo ingrato e distante. Padecimentos no cárcere de S. Julião, onde penaram também outros mártires da Amazônia. Tais como o sábio jesuíta João Daniel, primeiro naturalista da região amazônica. 
 
Pois foi em Muaná que ocorreu a gloriosa Adesão da província ultramarina do Grão-Pará (Amazônia portuguesa) à independência do Brasil (28/05/1823). Sem dúvida, o vetusto e singelo monumento da praça 28 de Maio, com a lápide dos heróis de Muaná, embora desconhecido da intelectualidade tupiniquim, representa o melhor testemunho dos justos e originais motivos da Cabanagem.
Daí porque barões assinalados da historiografia oficial desconhecem os feitos da cidade-monumento de Muaná. E relegam a praça da adesão à inclemência do sol e das chuvas para destacar, indevidamente, datas e sítios desfocados da realidade histórica. Compensada apenas pelo aprazível consolo das tardes ao pôr do sol, quando da chegada de bandos ruidosos de japiins que vêm pernoitar na arborizada praça ao lado e entoar o réquiem dos heróis esquecidos da amazonidade brasileira.
Com tais antecedentes, a candidatura do Marajó ao programa “Homem e Biosfera” da UNESCO e à rede mundial de reservas da biosfera (à semelhança do Pantanal, Cerrado, Caatinga e Amazônia Central, no Brasil; e mais de 240 reservas em todo o mundo) tem sabor de um resgate extraordinário. Longe disto representar a temida “internacionalização” da Amazônia, significará ao contrário reconhecimento da autonomia regional democrática assegurada pelas leis do País.
  Ao ouvir as explicações dadas pelos proponentes, o caboclo adverso à construção do canal da hidrovia nos confins das “suas” matas onde canta o uirapuru suspirou pelo sucesso da reserva da biosfera. Acho que ele teme que a construção – ao longo de 32 quilômetros de canal, o dobro em diques de contenção e docas de manobra para balsas de até 8 metros de largura com mais de um metro de calado – venha a perturbar o sossego da mãe do rio (a Cobra grande). Podendo vir daí algo temível também no plano metafísico, além da chamada ecologia... Não é por causa um vago conceito de meio ambiente que ele está contra. Ou por molestar teorias complicadas que não entende nem morto. Mas, sim pelo motivo de que tal escavação seria o túmulo do seringal da sua vida. Cemitério dos derradeiros “mondongos”; fim dos berçários de alevinos e reservatórios da fauna e da flora aquática. Até as onças que ainda restam escondidas por lá e os jacarés e cobras que escaparam da sanha humana, teriam que se defender atacando animais domésticos. A, assim, acabariam os seus dias caçados até a extinção total.
Considero o caboclo de quem falo (como tantos outros da mesma escola) mestre em “desenvolvimento sustentável”. Método supimpa de produção, distribuição e consumo que, talvez, foi vislumbrado desde as entrelinhas da História do Futuro, na utopia barroca de Antônio Vieira. E no fabuloso Tesouro Máximo Encontrado no Amazonas, da escrita arcaizante do padre João Daniel. Este fez observatório no Moju (séc. XVIII) e Vieira (séc. XVII) anteviu a vocação natural hidroviária do planeta amazônico; ao deparar “avenidas, ruas e praças d’água” nos Estreitos de Breves: “clímax igapóreo” da Terra, na expressão de Eidorfe Moreira. O Padre grande esteve a poucas léguas do sítio ecológico que o nosso amigo jurou defender. 
 
E, portanto, cristãos novos e velhos do Grão-Pará careciam de entendimento justo e perfeito da Carta do Apóstolo Tiago às Tribos Perdidas, segundo a Bíblia Sagrada. Nosso personagem tem nome de convertido, talvez por necessidade e acaso da conservação da memória e do meio ambiente de seus antepassados na preocupação de seus netos e da mais descendência que há de vir. Ele se chama, simplesmente, Agostinho Batista. Ademais, folclorista e escritor popular, além de seringueiro, mateiro experiente e flautista encantador de passarinhos da mata. Uma extraordinária atração ecoturística do Marajó a procura de empreendedor que o queira transformar em “produto”, com a nobre finalidade da geração de empregos e renda na comunidade tradicional de Muaná.

Marajó um lugar não como qualquer outro

  Tal qual o convertido Agostinho marajoara, também eu sou caboclo “educado” para matar ou morrer na dura lei da selva, que a sobrevivência nos sítios ensina sem compaixão. Aqui a gente não carecia de cartão de crédito, botijão de gás, vale transporte e cesta básica até há pouco tempo. A gente só precisava da ajuda de Deus primeiramente e, depois, de cachorro farejador, munição, espingarda e pontaria certeira. Fora disso, qualquer um se tornava “panema” e – Deus o livre! – precisava de caridade alheia todos os dias. Se desse, então, p’ra “mexer” na propriedade dos brancos a coisa ficava “peor” e cedo ou tarde, acabava dando com os costados na cadeia de São José...
Assim, a gente se ri do pessoal da cidade. Que, diz-que, quer porque quer o tal “desenvolvimento” a qualquer preço. E, subjugados à lei do Cão, ficamos ilhados e peiados a ver navios levar madeira de lei, minério e peixe ao estrangeiro a troco de um prato-feito de “lentilhas” na figura ridícula do salário mínimo (quando há). Por esta inglezia já fui adepto do Progresso e da Civilização. Por sorte, tive algum curupira por padrinho que me desviou do caminho da devastação. Tal qual, paresque, aconteceu com o parente Agostinho Batista. Eu escrevi loas à criação de um território federal do Marajó (anos 60) e fiz propaganda da hidrovia (anos 80), sem medir as conseqüências da economia de alguns quilômetros a menos entre Macapá e Belém. Continuo eu, sim, favorável à óbvia opção das hidrovias naturais da Amazônia. Que são os rios, com o mínimo de intervenção e o máximo de prudência científica e responsabilidade social e ambiental.
  Já pairava uma dúvida em meu espírito sobre a mais valia para a população tradicional entre uma reserva da biosfera ou a construção de um canal artificial de navegação de 32 quilômetros, rasgando áreas isoladas e quase intocadas. Eu não me impressionava com a conversa fiada do impacto ambiental sobre peixinhos misturados e confundidos – diziam – pelas águas emendadas. Quem conhece nossa hidrografia dava boas risadas dessa estória, com razão. Considero que não existe parto sem dor, assim como não há desenvolvimento econômico com custo ambiental zero. O que faz a diferença é a verdadeira questão do IDH da população local: o resto, conversa mole p’ra boi dormir...
Agora, todavia, percebo que a hidrovia não seria apenas um parto, mas um estupro. Tendo por vítima além da natureza também a gente ribeirinha, ao contrário do que se dizia... Muito me impressiona saber do enorme volume de mais de 13 milhões de metros cúbicos de terra, lama, biomassa e material orgânico a inevitavelmente entrar em decomposição, quando for retirado dos “mondongos” para dar lugar ao canal de navegação. Neste caso, o mínimo que se tem a fazer é ir em expedição tirar as dúvidas in loco, levando gregos e troianos ao terreno.
Onde será depositado o material extraído do “valão”, sem enterrar e entulhar o entorno? Aí mora o perigo. Para depositar mais longe, implicaria custos mais elevados que talvez justificassem alternativas que não a construção do canal. Dentre as quais, melhor aproveitamento dos cursos naturais com inovação tecnológica em equipamentos de transporte e navegação. Na verdade, a maioria dos membros do GDM não está convencida da necessidade do “furo” artificial, numa região que, por natureza, já se chama Furos de Breves.
Talvez os pesquisadores não soubessem, exatamente, e só ouviram falar do ecossistema a ser atravessado e alterado pela hidrovia. Nossas canoas motorizadas cruzam os centros da Ilha em diversas direções, ao tempo das cheias. A alegada abertura do canal para socorro de caboclos ilhados lembraria que a dragagem do Canal Tartarugas em meios a debates pela imprensa, depois de feita caiu em silêncio e não teve estudo a posteriori. De modo a prever as conseqüências possíveis sobre escavação de novo canal, este com maiores impactos para passagem de balsas e barateamento de fretes entre Macapá e Belém. Significativamente, uma região de extraordinária vocação hidroviária e de recursos aquáticos não tem centro de pesquisa e formação técnica especializada à altura do potencial.
Penso que uma alternativa à Hidrovia do Marajó se oferecerá a partir da Alça Viária, que ainda não havia nos anos 80; quando se aventou a idéia dessa ligação transmarajora em Macapá. Franklin Rebelo e eu (em artigo publicado em “O Liberal”) fizemos eco na imprensa em Belém sobre o assunto. Com o distrito industrial e portuário de Vila do Conde, entretanto, mudou-se o eixo viário do Pará em direção à bacia do Tocantins. Assim, em vez de abrir os centros da ilha do Marajó sem estudos ecológicos completos melhor será investir na perenização do lago Arari e na infra-estrutura portuária de Abaetetuba (centro tradicional de intercâmbio com as Guianas). Que, não só melhor atenderia o transporte hidroviário para as microrregiões de Portel e Furos de Breves, no Marajó, como também faria a ligação com a Zona Franca Santana-Macapá e a área metropolitana de Belém com transporte modal mais moderno e mais rápido, implicando, portanto em melhor produtividade. É claro que esta opção não existia ao começo dos estudos para o projeto em questão.
Tendo em vista a construção das eclusas de Tucuruí para aproveitamento da Hidrovia Araguaia-Tocantins, eventual operação de carga em Abaetetuba com destino ao Amapá e as Guianas poderá ser feita sem prejuízos com o cancelamento final do projeto da hidrovia do Marajó. Pois a ligação portuária Abaetetuba-Santana substituirá com vantagem a inicialmente prevista com projeção rodoviária para o Oiapoque em direção a Caiena e Puerto Ordaz (Venezuela) em face de Trinidad e Tobago e o rosário ilhéu do Caribe, via a hidrovia natural do Tajapuru. 
 
Deste modo, entre mortos e feridos, escaparemos todos e o seringueiro Agostinho Batista agradecerá com o dueto com o Uirapuru da sua estimação, assistido alguma vez por ecoturistas maravilhados. Não antes que meu fraterno camarada Franklin Rebelo haja vencido o cruel isolamento da Contracosta. Com a inclusão da sua sonhada “Rodoleste” (rodovia do leste marajoara) ao projeto governamental Costa do Sol. Pelo qual, a ligação em ferry-boat Barcarena – Ponta de Pedras se estenderá por estrada pelos campos de Ponta de Pedras aos campos de Cachoeira, continuando por Santa Cruz do Arari até às margens da Contracosta, em face da Ilha Mexiana.
A exemplo do Pantanal, o Marajó deve fazer opção preferencial pelo seu potencial ecológico com inovação tecnológica compatível, de modo a se tornar referência ecoturística do Pará. Muito melhor para todos e não apenas para alguns.

José Varella, do GDM.
Belém do Pará, 12/10/2003.

manifesto pessoal do marajoara Zé Varela:
O Nosso Museu do homem marajoara, promotor de inclusão socioambiental da criaturada de Dalcídio no território da Cidadania brasileira e da humanidade







Proposição para criação do Banco do Povo Marajoara (Fundo Amazônia) mediante compromisso da Agenda 21 / Metas do Milênio para estabelecimento da meta regional Marajó IDH 0,80 (2020) e amparo público-privado ao tombamento e extensão do Museu do Marajó conjunto à casa de Dalcídio Jurandir como instrumento-piloto de promoção do desenvolvimento sustentável da região de integração Marajó, do Estado do Pará: do chalé confronte à árvore de Folha-Miúda na beira do rio e fazendola vizinha do bairro do Choque, em Cachoeira do Arari, à passagem da criaturada grande de Dalcídio ao primeiro plano da paisagem cultural Belém-Marajó e suas curiosas travessias ao Rio de Janeiro e outros Brasis no mundo de fora e adentro de florestas e sertões.




Para muitos, o casamento da necessidade com o acaso não é santo mas, às vezes, faz milagre na vida e ressureição da antiguidade da história natural do homem na Terra, em qualquer parte do mundo: o caso do Museu do Marajó, por exemplo... A maioria da gente, entretanto, acredita que nada acontece por acaso (segundo folclore muito recente, Giovanni Gallo foi “reencarnação” de um grande cacique marajoara). Carece saber a arte das palavras para entender quantas vidas teve ou terá o rei dom Sebastião morto em batalha entre mouros e cristãos, no Marrocos. Já Jorge Amado, que não pode ser chamado de místico, mas como todo bom bahiano reverenciava o Candomblé era obá. Uma dignidade de Xangô, uma espécie de ministro do terreiro. Como tal reconheceu seu camarada Dalcídio Jurandir na qualidade de “índio sutil”...

Embora a necessidade, solteira ou casada, ela existe de qualquer maneira. Seja lá como for, em realidade, o descobrimento científico tardio da Cultura Marajoara prova que do encontro da fome com a vontade de comer peixe do mato sem cachorro; noves fora cachorrinho-do-padre ou anujá (Parauchenipterus galeatus), nasceu, por acaso, o primeiro teso (aterro). Ou seja, sítio arquelógico da primeira cultura complexa da Amazônia, “lá pelo ano 500 depois de Cristo” (cf. Origem e Significados da Cultura Marajoara, Denise Shaan in Giovanni Gallo, Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara: modelos para o artesanato de hoje, Cachoeira do Arari: 3ª ed., Museu do Marajó, 2005).

Por acaso ou destino, um menino daltônico nascido na Itália fascista (Turim, 1927) veio ser brasileiro de adoção (1982) e morrer na Amazônia (Belém, 2003) em luta contra a ditadura da água na ilha do Marajó. Isto não teria sentido se ele não tivesse em companhia de pescadores despossuídos do patrimônio ancestral de seus antepassados, no lago Arari, criado um museu no fim do mundo aonde seu superior jesuíta havia mandado fundar uma cooperativa...

Pior do que o padre desobedecer ao bispo e desviar a doação da igreja de imigrantes na Suiça para o projeto da cooperativa dos pescadores do Jenipapo e, por decisão pessoal; investir o dinheiro estrangeiro na prefeitura de Santa Cruz do Arari para esta construir um posto de saúde pública; foi pisar nos calos dos políticos locais sem consideração às implicações da complicada teia de interesses que margeiam as relações entre os diferentes estamentos da mesma oligarquia regional e suas diversas ramificações locais, do que é notória a literatura de um certo “índio sutil” conhecido nacionalmente com Dalcídio Jurandir.

Ora, sem a gente ler (e não porque não queira, mas porque não sabe ler e escrever, conforme o ditado “manda quem pode e obedece quem tem juízo”) as cartas e sermões do Padre Antônio Vieira, a “Viagem Philosophica” inclusive a “Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó”, do sábio Alexandre Rodrigues Ferreira e “As Regiões Amazônicas” do Barão de Marajó, pelo menos, não se conhece não a Amazônia profunda. Ainda que todos os satélites espiões da Terra apontem seus olhos eletrônicos sobre ela os analistas verão apenas a cara, mas não o coração da devastação da Floresta Amazônica.

Logo, muito chefe de gabinete e assessor de governo ou kingOng não entende porque projetos braçais tipo força-tarefa do Nossa Várzea de regularização fundiária são cruciais para o êxito final e total do plano Amazônia Sustentável (PAS), nem sabem eles (como dizia mestre Lucindo no carimbó tradicional do Salgado) a razão porque no rio não dá tubarão e no mar não tem jacaré: a gente da Cidade grande precisa saber porque é que o Plano Marajó é piloto para a paz social regional e o PAS chegar a bom destino, diferentemente dos predecessores planos de valorização ou de desenvolvimento regional que deram com os burros n'água, como a gente sabe mas não fala.

O Museu do Marajó nasceu do inesperado encontro da resistência da brava gente marajoara e da infinita teimosia de um padre que remava contra maré e vento enchergado a paisagem com outras cores diversas do normal. Ele mudou-se rio abaixo debaixo de incompreensão e pressão política, como outrora o payaçu dos índios (Vieira) saiu corrido pelos colonos do Grão Pará... Entre 1661, em Belém do Pará, e 1981, em Santa Cruz do Arari, repetiram-se mutatis mutantis ("mudado o que deve ser mudado", ressalvadas as diferenças) 320 anos de história de exclusão e falta de verdadeira saída para construção de um sistema produtivo com justiça e paz para todos.

Gallo queria ser santo, mas confessa que “pifou” no fim duma história local conturbada (ver O homem que implodiu). O “imperador da língua portuguesa” (Vieira, segundo Fernando Pessoa) defensor dos índios e dos judeus perseguidos pela intolerância cristã, optou pela escravidão dos negros e não repugnou castigos físicos aplicados a catecúmenos contumazes na costumeira poligamia. Nem mesmo o caudilho cabano Eduardo Angelim vacilou em mandar fuzilar camaradas negros fugidos da escravidão, por lamentáveis razões politicas. Por isto perdeu ele a guerra-civil contra o genocida general Andrea e o povo paraense unido a chance de derrotar o neocolonialismo do Império do Brazil. Eis uma das razões pelas quais a História padece nesta província sacrificada a versões historiográficas gregas e troianoas fadadas a repetir o insucesso crônico da utopia evangelizadora ou da busca do Paraíso na terra dos tapuias.

O analfabetismo funcional se alia ao analfabetismo político com grande desvantagem para a segurança pública e a soberania do Brasil. Portanto, não basta devolver a terra tirada aos índios a seus descendentes cabocos ribeirinhos. Carece imediatamente erradicar o analfabetismo e promover o desenvolvimento cultural como estratégia central para a economia solidária de combate à pobreza e conservação do meio ambiente.

Se o diabo são os outros (Sartre); nós que nos consideramos abençoados filhos de Deus e afilhados de todos os santos, não ganharemos jamais a guerra pela guerra, mas pela paz. Com que nas regiões amazônicas o desejável sucesso tem o novo nome e sigla do PAS. Ora, o problema da maioria de filhos de Deus é que eles acreditam mais nas maldades de seus irmãos do que em suas próprias bondades... Daí a paralisia ética e moral geral. A cabo e a rabo todos concordam que uma vez chegando ao poder o que alguém a fazer é “se dar bem” (fazer mão de gato e cuidar do pé meia). Qualquer um que tenha passado pelo governo e saiu de mãos limpas é um otário e um besta. Certo é o esperto que rouba, mas faz e deixou cair algumas migalhas aos amigos do peito.

O defeito, então, é a tal avis rara em extinção, a senhora dona honestidade. Quando alguém grita na rua “pega ladrão”!... já vem prontos ao pensamento os três “p's” (pobre, preto, puta) de costume. Mas, quando colarinho branco cai na rede de combate à Corrupção fazem-se caras e bocas do mais fingido espanto da paróquia.

Não há uma mísera idéia ou um único projetinho pé de chinelo que não tenha “dono” e marca registrada: a fulanização é ampla e total. Em princípio, tudo é lindo e maravilhoso... todavia, teum um porém: isto é do ministro “a”, do secretário “b”; do partido “y”... vai servir para elejer o político “x”. Mesmo uma ação de terceiro ou quarto escalão pode ser brecada, pelo simples fato de que quem decide não vai com a cara do executor. Ah, o que seria escândalo no Japão aqui, não! Rende uma boa piada nas colunas de fofoca dos jornais impressos ou eletrônicos.

Toda crítica soa como declaração de guerra e ofensa pessoal, enquanto a inteligente palavra autocrítica foi riscada do dicionário. Então, como retirar vendas e tapagens de diante dos olhos para enxergar a saída? Caímos num paradoxo terrível de uma ilha de pobreza cercada por um mar de riquezas por todos os lados, cujos vários benfeitores brigam entre si a ver quem mais ajuda sem os pobres, entretanto, jamais conseguir levantar a cabeça.

A idéia que fica é que a pobreza de muitos é lucrativa para uns poucos. Estes últimos, logicamente, tudo farão para parecer a favor das mudanças mas, de fato, ocupar o lugar e não deixar mudar coisa nenhuma. Senão estraga o bem bom.

Os índios foram todos exterminados e reduzidos a cativeiro. Todavia, os caciques deixaram de lado penas e cocares para se enfeitar de paletó e gravata; abandonaram a maloca pelo apartamento e automóvel com ar refrigerado, lutam para ser eleitos prefeitos e deputados. Nas horas vagas posam de empresários, sem deixar de ser marreteiros de costume. Não há um só caboco que queira se lembrar que seus avoengos foram indígenas e escravos e se acaso lhe aparece pela frente alguém para lhe refrescar a memória o tomam por inimigo. É cada um por si e Deus por todos...

Uns não sabem, porque não se lhes ensinam. Outros porque não querem saber de nada, já desenganados da História. Mesmo assim uns e outros querem dar remédio a uma antiga doença que não conhecem: a cegueira congênita que faz de orgulhosos colonizadores iguais a burros olhando porta de palácio.

Decorre daí que devolver as ilhas aos herdeiros e descendentes ribeirinhos dos Nheengaíbas (no espírito da pax de Mapuá, que completa 350 anos em 27 de agosto deste ano de 2009, juntamente com o aniversário de fundação das aldeias Aricará (Melgaço) e Arucaru Portel), embora indispensavel para romper o círculo vicioso da Pobreza; resultaria semelhante a encher água com paneiro, se não houver imediata organização social de mais de 500 comunidades locais do territorio da Cidadania e geração de renda na produção familiar.

Carece uma revolução mental para abrir os olhos e ver quantos empregos e renda a economia da cultura pode fomentar aliada à prestação de serviços ambientais. Para isto o Museu do Marajó existe para dizer que a “Cultura Marajoara” de 1500 anos de idade, é insumo econômico renovável de primeira ordem: mãe de todos os planos de desenvolvimento sustentável que se possam imaginar nestas paragens.

Parceria entre a mãe Natureza e seu filho Homem cujo teste de resiliência – por necessidade e acaso – deu-se com a criação informal de O Nosso Museu do Marajó, ano de 1972, em Santa Cruz do Arari, há mais de 1400 dos primeiros sitíos arquelógicos da ilha grande dos Nheengaíbas [Marinatambalo de Vicente Pinzón, Marãyu ou Mbarayo dos tupinambás, Marajó dos jesuítas, ilha grande de Joanes dos portugueses, aliás Analau Yohynkaku dos aruãs], “falantes da língua ruim”, a babel Nuaruaque.


Nada a mais e nada a menos, senhores meus manos!


o financiamento para o progresso do IDH local


A Constituição do Estado do Pará vai compeltar vinte anos, no seu artigo 13, VI, § 2º, está escrito: “O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vistas ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara.
Nenhuma outra das 12 regiões de integração do Estado do Pará recebeu da Constituinte paraense destaque especial e enfático como este. Nem outra também já ofereceu tantos governadores, autoridades, artistas e intelectuais quanto o Marajó e nem o seu tesouro cultural autóctone se compara a nenhum outro do Brasil.
Por que, então o arquipélago do Marajó ostenta um IDH tão baixo em comparação ao conjunto do Estado do Pará e do País? Se não for por castigo dos deuses antigos ofendidos em sua dignidade pela invasão estrangeira, terá que se encontrar uma razão inteligível.
Esta será talvez pelo desencontro entre o que a gente quer e o que o Pais e o mundo oferece. Não será, por acaso, um erro formidável da Civilização impor aos “bárbaros” um padrão que eles rejeitam com quantas forças podem resistir? Claro, há costumes bárbaros intoleráveis, como, por exemplo, comer carne humana e caçar cabeças de inimigos para colecionar. Não foi o caso dos marajoaras. Pelo contrário, se não fossem os caribes canibais nas Antilhas e Guianas empurrar os aruaque para as bocas do Amazonas, e por outro lado antropófagos tupinambás acossar as ilhas, os marajoaras talvez não tivessem cristalizado tão radicalmente sua identidade e apego ao seu território ancestral.
Também os marajoaras não foram caçadores de cabeça, como os temidos Jivaros, no alto Amazonas. Porém, quando na guerra-civil de 1835-1940, muitos combatentes vindos da ilha e tombados sobre campo inimigo diante de mercenários recrutados às pressas nas cadeias do Nordeste tiveram o soldo pago contra rosários de orelhas secas arrancadas de cadáveres de cabanos. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira informa que na primeira remessa de peças para estudo em Coimbra mandou logo a cabeça degolada de um tapuia.


  1. O Marajó, contudo tem lá suas especificidades, que será pena ser extirpadas em nome da sagrada civilização e do deus progresso. O Museu do Marajó poderá, mais uma vez, ser observatório e laboratório de ensaio para uma educação patrimonial comme il faut no Território da Cidadania. Aqui se carece de abordagem antropológica inovadora. Não só a iniciação científica precisa contemplar a geografia e ecossistema local. Mas, sobretudo. a história étnica dos marajoaras deve ser incluída do curriculum-vitae do gigante adormecido Brasil...

              1. Se povo sem passado é povo sem futuro, entende-se a razão pela qual um município que perdeu a noção da própria origem, tal qual Melgaço, por exemplo; não parece se interessar na re-fazenda de uma aldeia-memorial de Aricará (três séculos e meio de história esquecida). Mas, conforma-se a um IDH ínfimo e aceita enclave da Floresta Nacional de Caxiuanã (Flona Caxiunã) e Estação Científica Ferreira Penna (ECFP), em cooperação internacional, sem que sua população tradicional perceba o que isto significa e receba os benefícios correspondentes que deveria ter.
        1. Existe um abismo, salvo exceções de praxe, entre intelectuais e gerentes empregados em governos e empresas na Amazônia insustentável: este divórcio induz àqueles a perder tempo e a estes a se tornar cúmplices e/ou escravos da tecnoburocracia. Em Marajó, os índios perderam com a expulsão dos padres (não que estivessem felizes da vida com a santa missa e a redução cultural das aldeias, mas a Missão era para eles refúgio e um mal menor).

    1. Na semana da Pátria de 2003, diversos marajoaras e amigos do Museu do Marajó mandaram pedido de socorro ao Presidente Lula (“S.O.S lago Arari”, 07/9/2003): não tardou resposta através do IPHAN. Foi o começo do fim da indiferença e isolamento de Giovanni Gallo, Dalcídio Jurandir, João Viana e outros falaram.

O governador do Pará, José Coelho da Gama e Abreu, Barão de Marajó, em seu estudo clássico “As Regiões Amazônicas” praticamente repetiu o aviso do autor da Viagem Filosófica quando na “Notícia Histórica” considerando a grande ilha do delta Pará-Amazonas com potencial de uma província. Antes de todos estudiosos de temas amazônicos Vieira havia informado a Lisboa que a nação que tivesse os marajoaras por amigos e aliados teria, por consequência, o controle de todo o vale do Amazonas.

Disse o Barão : “A ilha de Marajó é uma das gemmas mais preciosas do Estado do Pará sob todos os pontos de vista em que a olharmos. Pela sua vantajosa posição no centro da immensa bocca do Amazonas, ella facilita sua defeza, podendo talvez mesmo impossibilitar a entrada de navios invasôres que queiram forçar a entrada, pois com as outras e numerosas ilhas e canaes que se acham dispersas ou pelo lado N. ou pelo lado S. será facil nullificar os esforços dos adversários” (página 308, obra citada; 2ª ed. Belém: Secult, 1992).

“Sob melhoramentos materiaes da ilha, os governos dp tempo da monarchia contentaram-se com a nomeação de commissões e receber relatórios; é de esperar que o govero republicano, cujos orçamentos de receita publica tem quasi duplicado, alguma cousa faça em favor da grande ilha... (idem, p. 314).

“Não é sómente pelo lado agricola que tem valor esta ilha; também pelo lado scientifico offerece ella aos estudiosos de antiguidade e história dos nossos aborigenes um vastíssimo e interessante campo, e creio que em parte do territorio brazileiro se encontram tantos e tão variados monumentos (grifei) servindo ao estudo ethnologico e archeologico do passado das raças indias que dominavam aquelles logares antes da descoberta”.(idem, p. 315).

Gama e Abreu fez o elogio do fundador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Domingos Soares Ferreira Penna, pioneiro dos estudos sobre Marajó. E o juízo de ambos foi retomado, em 1937, pela diretora do Museu Nacional, Heloisa Alberto Torres. Abreu informa (p. 316), como comissário do Brasil que foi à exposição pan-americana de Chicago, sobre as escavações feitas no sítio “Pacoval no rio Arary” nos anos de 1870, para Frederick Hartt; em 1871 para Derby; no ano seguinte para estudo de Ferreira Pena; e mais duas, sendo a primeira para o Museu Nacional sob Ladislau Netto e a segunda pelo próprio Barão de Marajó para mandar à exposição de Chicago.

Assim, o livro “As Regiões Amazonica” é uma das fontes sobre a extração e remessa de coleções de cerâmica marajoara. Já o Barão lastimava as duas pragas do contínuo empobrecimento da ilha: o roubo de gado e o saque estúpido dos sítios arquelógicos. O Museu do Marajó, como esclareceu Giovvani Gallo, nasceu no meio destes dois problemas, além da devastação ambiental, intrigas políticas locais, confronto entre fazendeiros e pescadores e fiascos tecnológicos memoráveis, tais como o projeto Marajó de saneamento.

Os governos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da Governadora Ana Júlia de Vasconcelos Carepa, se distinguem dos precedentes na Amazônia, desde a lei régia colonial delegada aos Jesuítas, de 9 de abril de 1655, abolindo a escravidão dos índios; por ambos terem sido os mandatários que não apenas responderam aos apelos dos marajoaras, mas principalmente por possibilitar a estes de praticar a democracia partipativa e realizar deste modo um feito histórico; talvez a chamar atenção do mundo inteiro em favor dos povos e populações tradicionais, notadamente com o reconhecimento pela UNESCO da reserva da biosfera do Marajó.

        1. Mas, o Plano Marajó e programa Terrtório da Cidadania somente terão atingido suas finalidades quando a intelligenstia brasileira estiver à altura de compreender e defender a Amazônia brasileira. Para isto será preciso resgatar as raízes da mestiçagem de corpos e almas das regióes culturais dos Brasis. Fenômeno de cultura “antropofágica” por excelência, que fez de mais de um estrangeiro, brasileiríssimo da gema.

No Marajó, muita coisa aconteceu depois que o padre Gallo “implodiu” e se foi. Nisto ele foi profeta, quando disse que depois de morrer se tornaria “um grande homem”. Conforme meu mestre em lingua e cultura caribe, o índio Estevam Maiongong, da aldeia Auaris, na fronteira Brasil-Venezuela; com acordo tácito de Guimarães Rosa; sem dúvida o criador do museu do homem marajoara subiu ao céu onde virou estrela daquelas que aparecem logo que a tarde cai.

Aliás, Giovanni não se foi para muito longe, pois o corpo – como os dois vagalumes dos olhos do morto, Eutanazio; no chalé de Dalcídio – ficou na terra fria enterrado no teso à ilharga do museu antes saído de “cacos de índio”, depois da massa falida da “fábrica Oleica”: pardieiro que hospedou o sonho do resgate cultural depois de servir de curral das éguas [triste memória da velha Sudam, querendo extrair azeite de andiroba numa fábrica de ficção].

Como se sabe, o padre dos pescadores do Arari era dado a valorizar “coisas que não prestam”. Um alquimista talvez capaz de transformar fragmentos de cerâmica quebrada por piratas e saqueadores de sítios arquelógicos em manual de artesanato. E dum galpão de fábrica abandonada na falência programada do desenvolvimento econômico da Amazônia, numa usina de sonhos produtivos capaz de investir no capital humano.

O Museu do Marajó, para combater a pobreza material e imaterial da gente marajoara pode ser considerado quase tudo, inclusive um museu propriamente dito e um banco de fantasia. Desta pajelança extraordinária pode sair programa do Plano Marajó a ser denominado “Banco do Povo Marajoara”.

Um banco popular sob chancela superior do Presidente Lula. Para o qual o Museu do Marajó não passe de avalista moral junto à secretaria executiva de Coordenação Integrada do Marajó, no colegiado federativo do Plano Marajó, programa Territórios da Cidadania e Região de Integração Marajó. Uma vertente dentre outras tantas do Fundo Amazônia para as regiões amazônicas.

O importante é que as doações e gestão do BNDES não cheguem nas 500 e tantas comunidades da região Marajó como um pauzinho de sorvete que derreteo sob o sol no trajeto entre Brasília e a periferia da periferia. Aqui os projetos devem ser demandados desde a elaboração de projetos, mas todos de execução descentralizada pela própria comunidade local, já que o Fundo Amazônia é destinado a financiamentos não-reembolsáveis de ações para prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento da floresta, além da conservação e uso sustentável de florestas no bioma amazônico, os projetos encaminhados ao Banco do Povo Marajoara terão necessariamente estes objetivos condicionados a gerar renda na comunidade demandante.

O BNDES, que coordena captações de doações para o Fundo Amazônia, deverá apoiar a restruturação do Museu do Marajó a fim de dotá-lo de meios gerenciais de controle operacional de financiamento de projetos comunitários de execução descentralizada em conjunto com os parceiros públicos e privados da supracitada Coordenação Integrada do Marajó. De modo a cumprir os objetivos do Fundo Amazônia no território marajoara, em apoio a projetos que visem a gestão de florestas públicas e áreas de conservação ambiental; controle, monitoramento e fiscalização ambiental; manejo florestal sustentável; atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da floresta; zoneamento ecológico e econômico, ordenamento e regularização fundiária; conservação e uso sustentável da biodiversidade; e recuperação de áreas desmatadas.
Buscando reduzir desigualdades e disparidades entre os municípios do Marajó, o destaque financeiro do Fundo Amazônia ficaria à disposição de populações locais para financiamento de projetos em economia solidária e apoio a arranjos produtivos locais, uma enorme diferença em relação a tudo quanto foi tentado antes na região. O programa auxiliar deveria ser indutor e acelerador do PAS na área piloto de cobertura do Plano Marajó. Seria também experiência demonstrativa aos mais Territórios da Cidadania nas regiões amazônicas.
________________
José Varella Pereira, da Academia do Peixe Frito (Ver O Peso / Belém-PA), ex-assessor de relações institucionais do Museu do Marajó.



iJosé Ribamar Bessa Freire – ver a história das línguas na Amazônia, “Rio Babel”, tese de doutorado deste autor fundamental para compreensão da amazonidade.
iiSimão Estácio da Silveira – armador de navio, concebeu plano de colonização do rio Amazonas escrevendo panfleto dedicado aos pobres de Portugal lhes prometendo o paraíso no Maranhão (nome geral na época para toda Amazônia). Na verdade, casais das ilhas dos Açores atraídos pela falsa propaganda viram-se iludidos e forçados a escravizar índios para fazer roças de cana-de-açúcar provocando a vingança dos mesmos índios que mataram centenas de colonos e receberam em represália uma matança seguida de largo cativeiro dos sobreviventes, na qual se destacaram o genocída Bento Maciel Parente e Pedro Teixeira, famoso mais tarde pela viagem a Quito (Equador).
iiiCultura Marajoara – ver Denise Schaan, obra “Cultura Marajoara”, editora SENAC, Rio de Janeiro / São Paulo, 2010. O trabalho desta arqueóloga brasileira, professora na UFPA; é indispensável para compreensão histórica da formação da Amazônia brasileira a partir de suas raízes indígenas, sua arte e sua cultura que precisam ser mais estudadas e protegidas. Inclusive para repatriamento de acervos de cerâmica marajoara que se encontram no exterior e muito poderão auxiliar a educação e identidade das novas gerações amazônicas, constituindo atrativo para turismo diferenciado na ilha do Marajó.
ivFlorentino da Silveira Frade – foi guia de viagem do naturalista da Universidade de Coimbra (Portugal), Alexandre Rodrigues Ferreira, célebre autor da “Viagem Filosófica” (1783-1792), em sua excursão à ilha do Marajó, donde se tem relato em a “Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó” (Lisboa, 1783).
vContemplados – nome do grupo de homens-bons que foram aquinhoados pela coroa de Portugal com as fazendas dos Jesuitas na ilha do Marajó em reconhecimento por serviços prestados. A relação completa desses contemplados se acha na “Notícia Histórica” de Alexandre Rodrigues Ferreira.
viGiovanni Gallo – criador do Museu do Marajó, deu importante contribuição ao resgate da Cultura Marajoara e antropologia do caboco marajoara. Pode-se considerá-lo junto com o romancista Dalcídio Jurandir, como grande promotor dos Direitos Humanos das populações tradicionais amazônicas.
viiDiretório dos Índios – Portugal houve duas colônias nas Américas: o Estado do Brasil com sede em Salvador, Bahia; e Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em São Luís. Durante o reinado de Dom José I de Portugal (1750-1777) Portugal e suas colônias experimentaram profunda reforma sob impacto das ideias modernas do Iluminismo e o nome que ficou para a história destes 27 anos não foi do rei exatamente, mas de seu primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o famoso “déspota esclarecido” Marquês de Pombal. Marcaram o chamado período Pombalino a tentativa de assassinado do rei namorador, a primeira tentativa de demarcação de limites entre as colônias de Portugal e Espanha com a revogação do Tratado de Tordesilhas (1494) pelo Tratado de Madrí (1750), o terremoto de Lisboa (1755) e o Diretório dos Índios (1757-1798) seguido da expulsão dos Jesuítas (1760). O modelo de governo das aldeias indígenas transformadas em vilas e lugares (substituindo nomes indígenas por nomes portugueses de vilas e lugares) veio a ser a base histórica dos munícipios da Amazônia. O índio catequisado pelos padres viria a ser considerado por lei, “civilizado”; súdito da coroa de Portugal. Por fim, o “caboco” ou “caboclo” tirado da selva para as luzes da civilização. Na verdade, a Criaturada em sua lenta marcha para a cidadania brasileira, desde a Adesão à Independência (1823), até os dias de hoje.
viiiCasa das Canoas – arsenal na cidade de Belém onde se registravam saídas e entradas de embarcações das “drogas do sertão” (produtos da floresta, cacau, urucu, ipecacuonha, cipós, banha de tartaruga, carne de peixe-boi, etc) e “tropas de resgate” (caça aos índios para serviço escravo). Belém do Pará foi um enorme cativeiro de tapuias, principalmente; tendo nos mamelucos (mestiços de português e índias tupi) como pilotos e nos tupinambás como arqueiros e remadores a base do sistema. Inicialmente, a ilha do Marajó e por fim o Rio Negro foram dois dos principais celeiros da força de trabalho escravo no Pará. Encontrando-se em tais origens remotas a animosidade acentuada mais tarde entre amazonenses e paraenses. Por outra parte, Abaetetuba, Muaná (Marajó em geral), Acará, Barcarena e Vigia onde o trabalho escravo existiu com maior intensidade vieram a relevar grande mobilização de rebeldes durante a Cabanagem (1835-1840).
ixMaiêutica Socrática - significa "dar a luz (parto)" intelectual, à procura da verdade no interior do ser humano. Sócrates conduzia tal parto em dois momentos críticos: primeiro, levava os discípulos ou interlocutores a duvidar do próprio conhecimento sobre o assunto; no segundo, os levava a conceber de si mesmos uma ideia nova, uma nova opinião sobre a questão. Por meio de questões simples dentro de contexto determinado, a Maiêutica dá à luz ideias complexas. O método se baseia na hipótese de que o conhecimento é latente na mente do ser humano e pode ser encontrado pela interação entre perguntas e respostas propostas de forma perspicaz. A auto-reflexão, expressa no nosce te ipsum - "conhece-te a ti mesmo" - põe o Homem na procura de verdades universais, que são caminho para prática do bem e da virtude. A Maiêutica, criada por Sócrates no século IV a.C., tem seu nome na profissão de sua mãe, chamada Fanerete, que era parteira. Entretanto, há controvérsias a respeito do método de Sócrates. Alguns historiadores afirmam que a denominação e o método em tela vem da narração, não exatamente exata, da vida de Sócrates contada por Platão.
xArariboia - nome tupi, "cobra ararinha”, cobra d'água. Cacique dos Temiminós, grupo Tupi. Nos meados do século XVI Arariboi teve domínio da ilha de Paranapuã (Ilha do Governador), na baía da Guanabara, Rio de Janeiro. Ele era filho do cacique Maracajá-Guaçu, no seu tempo franceses em aliança com os Tamoios tomaram a Guanabara, então Capitania do Rio de Janeiro fundada pelos portugueses, em 1555. Os Temiminós sairam derrotados pelos Tamoios (tapuias) e retiraram-se para a Capitania do Espírito Santo, onde reorgnizaram sua aldeia e foram catequizados pelos jesuítas ajudando os portugueses a expulsar invasores holandeses. Enquanto isto, Portugal enviou ao Brasil seu terceiro governador-geral, Mem de Sá; com um contingente para retomar a Guanabara, que estabeleceu aliança com Arariboia conseguindo, desse modo, reforçar os efetivos em cerca de 8 000 indígenas conhecedores do território e inimigos hereditários dos Tamoios. Naquele tempo, potências europeias colonizadoras estudavam as línguas indígenas e costumes dos índios para tirar vantagem deles, ora pela paz catequizando-os e oras pela guerra para os escravizar e dominar ou tê-los como aliados contra concorrentes coloniais. Os franceses criaram a França Antártica na Guanabara, em 1556, e ocuparam a ilha de Serigipe com o Forte Coligny, sob comando de Nicolas Durand de Villegagnon. Este aliou-se aos Tamoios, estimativamente com cerca de 70 000 guerreiros no litoral. Com apoio dos Tamoios, a força remetida da Bahia por Mem de Sá não conseguiu expulsar os franceses. Então, o Governador-Geral pediu reforço de Portugal chamando o seu sobrinho Estácio de Sá e o incumbiu de adotar a estratégia dos franceses arregimentando ajuda indígena em acordo com Arariboia. O combate mais violento aconteceu em Uruçumirim (Praia do Flamengo), onde franceses e tamoios estavam concentrados. Escalando penhascos, Arariboia foi o primeiro a entrar no terreno inimigo, com uma tocha acesa ele fez explodir o paiol de pólvora e abriu caminho para ataque surpresa. Durante a luta, uma flecha feriu de raspão o rosto de Estácio de Sá levando-o a morrer de infecção. Seguiu-se então uma matança noturna, com as forças portuguesas e temiminós vitoriosas. O episódio histórico recebeu, como sempre, contornos de lenda. Para uns Arariboia teria atravessado a baía a nado a fim de comandar o assalto aos inimigos. E a vitória de Estácio de Sá, apesar da sua morte, foi vista pelos portugueses como milagre de São Sebastião em favor das armas de Portugal. A partir daí, a cidade do Rio de Janeiro, fundada por Estácio de Sá, em 1565, no sopé do Morro Cara de Cão, teve o santo como padroeiro. Com a derrota da confederação dos Tamoios, Arariboia recebeu como recompensa o terreno do atual bairro carioca de São Cristóvão, próximo à Ilha do Governador. Posteriormente, em 1573, recebeu outro terreno no outro lado da baía, com a missão de vigiar e proteger a entrada da Guanabara. Esta sesmaria teve nome de São Lourenço dos Índios, início da cidade de Niterói (topônimo tupi, traduzido como "água escondida"). Como os índios chamavam à entrada da baía onde as águas do mar parecem se "esconder" na Guanabara. Porfim, Arariboia converteu-se ao catolicismo e adotou nome de Martim Afonso de Sousa, em homenagem ao navegador português.

xiCurare – uma diversidade de venenos utilizados por povos Aruak na caça e na guerra, era usado em dardos atirados por zarabatana. O conhecimento e manipulação de matérias-primas vegetal, animal ou ambas na fabricação do curare – aurelado de magia - era atributo exclusivo de algumas mulheres entre as mais velhas da aldeia. Este saber valioso como a ciência moderna era exclusividade feminina entre os índios antigos, fazendo das mulheres aruaques objeto de cobiça dos guerreiros Kalina (Karib), com que houve muitas guerras entre grupos destas duas civilizações pré-coloniais, donde a antropofagia ritual foi praticada pela parte dos Kalina, mais conhecidos na crônica colonial como Galibis, deixando rivalidades até aos dias de hoje. Do primitivo curare inventado pelos índios a cirurgia moderna aperfeiçoou a anestesia.
xiiPacificação da Ilha dos Nheengaíbas, ou Marajó – A Câmara de Belém denunciou os índios do Marajó ao Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, André Vidal de Negreiros, com base na Lei de Abolição dos Cativeiros de 1655; acusando-os de praticar pirataria, rebeldia à fé católica e colaborar com os Hereges (protestantes) inimigos dos portugueses. Esta lei arranjada, com muita dificuldade, pelo Padre Antônio Vieira havia duas exceções para adoção da escravidão dos índios (recusa ao batismo católico e amizade com inimigos de Portugal). Evidentemente, o que movia os colonizadores era o trabalho escravo dos índios e para isto pediam ao Governador a “guerra justa” (eufemismo para cativeiro e extermínio de “tribos” rebeldes). Os Jesuítas eram, então, odiados pelos coloniais por levar os índios a aldeamentos missionários onde a Lei de 1655 poderia ser aplicada sem contestação dos escravagistas. Foi com base nesta legislação que, por intermédio de dois índios “nheengaíbas” (marajoaras) cativos do Seminário de Santo Alexandre em Belém, o Padre Antônio Vieira mandou oferecer a paz a fim de evitar a “guerra justa” requerida. A qual, dizia o Padre grande, seria uma guerra impossível de vencer com os esgotados “índios cristão” (tupinambás cristianizados) que eram pau para toda obra e já não podiam mais arcar com tanta correria. Viviam livres os nheengaíbas na fortaleza do labirinto das ilhas, estimados em número superior a cem mil... O cacique Pié dos Mapuá aparece na história à frente de uma federação de sete cacicados. Diz o “payaçu” dos índios que a pacificação foi celebrada no “rio dos mapuaises” [Rio Mapuá, município de Breves], no dia 27/08/1659. O evento deu termo a 44 anos de guerra geral desde a tomada do Maranhão aos francesses, em 1615. Entretanto, tão logo os colonos viram que os padres se tornaram amigos e defensores dos índios do Marajó fundando as novas aldeias de Aricará (Melgaço) e Aracaru (Portel) com os outrora rebeldes Nheengaíbas; cuidaram logo de expulsar Vieira e seus confrades (1661). Enquanto o sucessor de Dom João IV, o mentecapto Afonso VI, fazia doação da Ilha dos Nheengaíbas a seu secretário de estado, Antônio de Sousa de Macedo como capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665). E os tais “nheengaíbas” como reagiram ao esbulho? Não sabemos exatamente. Mas, pode-se imaginar e é certo que cinquenta anos depois, aproximadamente, passadas umas duas gerações mais ou menos; netos de Piié e de seus contemporâneos estavam, sob comando de Guamã, assaltando aldeias (ou seriam “cabanas” sobre palafitas?) de “índios mansos” (escravos) para os traficar a troco de armas e munições em Caiena. Para interromper o tráfico na fronteira do Oiapoque foi despachado, em 1723, o capitão João Paes do Amaral com tropa de guarda-costa (e já se sabe que sem indios Tupinambá de arco e remo ninguém iria a lugar nenhum) a fim de capturar Guamã vivo ou morto. Foi Paes do Amaral até o Mont d'Argent na baia do Oiapoque e voltou sem o cacique bandoleiro morto ou vivo... Mandaram, então, o capitão reforçar a tropa de guerra contra a guerrilha de Ajuricaba, no Rio Negro. E uma nova expedição contra Guamã, desta vez comandada pelo sargento-mor Francisco de Mello Palheta. Nunca mais se ouviu falar em Guiamã, Guaiamar ou Guamã. Em compensação, começava a história do furto do café de Caiena que acabou em São Paulo. Virou contrabando das Guianas muitos anos depois e quem passar agora pelos aeroportos do Brasil poderá tomar cafezinho de franquia Palheta e lembrar como esta história começou.
xiiiTapuias e Tapuios – Tapuia é o índio bárbaro tamu (avô), genérico para etnias não-tupi ou guarani. O tapuio é este mesmo índio já tornado “manso” e cristianizado em vias de se tornar “civilizado” ou seja “caboclo” (prefiro a grafia “caboco”, “tirado do mato”, extraído da barbaridade).
xivMarajó – nossa hipótese é que os jesuítas que primeiro percorreram as cercanias da ilha grande dos Nheengaídas ou dos Aruan, como o padre Luiz Figueira (1645) e João de Souto Maior (1656), ambos mortos na missão. O primeiro massacrado supostamente pelos Aruãs e o segundo falecido com outros companheiros da “jornada do ouro” no rio dos Pacajás, devido a febres e fadiga; poderiam ser dos primeiros a ouvir de seus guias e remadores as piores referências ao inimigos odiado, habitante daquela ilha cobiçada. O “marajó”, no caso, pejorativo, é o “homem malvado” [do tupi/guarani “marãyu”/marajó], falante da “língua ruim” (nheengaíba). À época a famosa ilha era dos “Nheengaíbas”, dos temidos “Aruans”... Estes últimos, em destaque, dentre todos os nheengaíbas, com seus parentes Anajás, os piores: o marajó malvado... Um nome que no século XVII era raro. Somente os missionários mais arrojados para manifestar vontade de se meter com tais feras humanas (vide carta de Vieira 11/02/1660 repetindo todas as calúnias que os tupinambás costumavam assacar contra seus inimigos) teriam escutado aquele nome, misto de rancor e temor. E já se sabe o fascínio que os bravos causavam sobre a mentalidade dos antropófagos. Relatam as fontes da época que os marajós causavam morte aos invadores das ilhas praticando a guerra de guerrilhas e emboscadas pelas matas, armados de zarabatana feita de braço de paxiúba e setas de talo da palmeita patauá embebidas de veneno. Produzindo a morte quase instantânea pode-se imaginar o terros que o “malvado” causava ao bravo guerreiro tupi.












Comentários

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