Cidadãos de Gaia

Cora Coralina (Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas - 1889-1985).







Senador Eduardo Suplicy


CARTA ABERTA AO SENADOR SUPLICY

Senador, 

Antes de tudo, em nome de milhares de famílias ribeirinhas do arquipélago do Marajó, dentre as quais me encontro desde muitas gerações no passado da Cultura Marajoara milenar e ainda espero vir a ser lembrado pelas futuras gerações como caboco batalhador na defesa do bem-comum e, especialmente, da "Criaturada grande" do escritor marajoara Dalcídio Jurandir (www.dalcidiojurandir.com.br); gostaria de lhe agradecer pelo seu gesto de solidariedade ao se manifestar oficialmente, perante o MEC, em favor da criação da Universidade Federal do Marajó.  Estamos todos seguros de que, cedo ou tarde, esta demanda da comunidade terá êxito em toda linha de aspiração a uma universidade multicampi, inovadora para o Trópico Úmido do novo mundo.

Talvez o senhor não saída que a informalíssima "Academia do Peixe Frito" na feira do Ver O Peso em Belém do Pará, foi entre fins da década de 1920 até a morte de seu fundador, em 1963, o poeta da negritude amazônica Bruno de Menezes; emanação nortista da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Desde então, a confraria praticamente entrou em "recesso". Sobretudo, por motivo da Ditadura de 64, que não poupou intelectuais e artistas nacionais e regionais à esquerda, como todo mundo sabe. 

Após retorno à democracia, a maior parte dos antigos confrades havia falecido ou não tinha mais ânimo para continuar a aventura. Então, as sementes deixadas na memória da geração seguinte rebrotaram no Centenário de nascimento de Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 10/01/1909 - Rio de Janeiro, 16/06/1979): desta maneira, a Academia do Peixe Frito começou sua nova história como "universidade da maré".  Quer dizer, tendo os povos das águas em vista (conforme tema por nós adotado no Fórum Social Mundial, ocorrido em Belém do Pará, em 2009: no mesmo ano do Centenário de Dalcídio Jurandir.

Agora não apenas o costumeiro encontro de contra-cultura reunindo artistas e intelectuais na república popular do Ver O Peso, mas já um movimento pós-colonial da amazonidade. É assim que nós estamos engajados na luta pela criação da Universidade Federal do Marajó, em solidariedade aos parceiros MOVIMENTO MARAJÓ FORTE e GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ. Este último, filho (não reconhecido oficialmente) da Extensão da Universidade Federal do Pará, que vai completar 20 anos de idade no vindouro dia 20 de dezembro de 2014...

Quer dizer, nós lutamos contra vento e maré pelo empoderamento da Criaturada grande (populações tradicionais) na Cidadania brasileira e mundial. Pois, o mesmo Dalcídio Jurandir sentenciou: "o caboclo marajoara é um cidadão do mundo", em correspondência com Maria de Belém Menezes (filha de Bruno de Menezes), a respeito do padre Giovanni Gallo, autor da obra "Marajó, a ditadura da água" e criador do MUSEU DO MARAJÓ (www.museudomarajo.com.br).


Isto posto, vimos deste modo, formular apelo a Vossa Excelência no sentido de proferir uma palavra em favor do potencial de saberes da terceira idade das populações tradicionais, dentro do programa nacional do MEC Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI). Sugestão para homenagem especial à Cora Coralina como símbolo da campanha.

Como sabe, o UATI é oportuno e correto em sua formulação geral. Todavia, através da rede de extensão universitária no interior do País, poderá ainda ter maior impacto caso atividades das universidades da terceira idade forem complementadas por ação específica voltada às comunidades tradicionais -- Criaturada grande das regiões culturais do Brasil -- , na perspectiva da transversalidade do Meio Ambiente integrado à Educação e Cultura. 

Eis que o UATI, com apoio de Vossa Excelência enquanto porta-voz das comunidades tradicionais no Senado da República, a par dos estudos sobre envelhecimento, educação continuada e assistência social a idosos, poderá se constituir numa autêntica revolução socioambiental; se as referidas populações forem contempladas como EDUCADORAS do sistema, considerado o enorme potencial de saber e conhecimentos tradicionais das pessoas idosas inseridas em suas "aldeias" (comunidades locais). 

A Universidade Federal do Tocantins (UFT), com sua extensão "Universidade da Maturidade", é exemplo da boa prática a que nos referimos acima. Nela destacamos o caso do nosso confrade seringueiro Agostinho Batista Quintino, um companheiro de Chico Mendes em priscas datas, nativo de Muaná, na ilha do Marajó; que alfabetizado em idade adulta vem de publicar o interessante livro "História de um Juricaba", tornando-se um brasileiro exemplar e notável cidadão do mundo. Nestes imensos rios e sertões, milhares e milhares de brasileiros e brasileiras, como esse marajoara de coragem, só precisam de oportunidade para seguir as trilhas de Cora Coralina, Bruno de Menezes, Dalcídio Jurandir e outros filhos da Criaturada grande.

Mulheres e homens afincados ao seu chão com amor e orgulho, sem renunciar jamais à condição inata de cidadãos planetários. Filhos de Gaia com amor à natureza da qual dependem diretamente. Longe da caridade publica que parecem pedir, as populações tradicionais, na verdade, são dotadas de maestria na requerida travessia da crise civilizacional em curso para uma nova sociedade solidária e fraterna, que começa dentro da casa de cada um através do diálogo entre diferentes gerações humanas. 

Saudações Marajoaras!
José Varella Pereira

Comentários

Postagens mais visitadas