Porto Caribe: escala para o futuro das relações Norte-Sul.


             O poeta Ruy Guilherme Paranatinga Barata


"Eu sou de um país que se chama Pará
Que tem no Caribe o seu porto de mar
E sei pelos discos do velho Cugat
Que yo, ay yo no puedo vivir sin bailar".
(Ruy Barata)



"A poesia não se faz com idéias, mas com palavras".
Ruy Barata


Poetas e profetas, a mesma subversão dos espíritos mediante a aguda arma das palavras contra a ditadura das ideias preconcebidas e impostas por externas circunstâncias. Existe no extremo norte do Brasil uma geografia clandestina, além Cabo Norte e Oiapoque, feito de contrabandos, transumância e empréstimos culturais que o povo brasileiro só conhece por ouvir falar e cantar. 

A rebeldia ameríndia teve berço no Hayti, com o cacique Hatuey Taino passando à ilha de Cuba com seus guerreiros para prevenir o povo contra os conquistadores. Vencido nos primeiros combates o Primeiro Rebelde das Américas resta de pé em monumento levantado à sua memória, depois de torturado e queimado vivo... Sucedeu-lhe o cacique Guamá deixando descendentes e cacicados do mesmo nome, como prova o Rio de Guamá que forma a península de Belém com a baía do Guajará.

O Hayti é aqui às ilhargas do Guamá não por acaso. Mas, segundo a história do império Mandinga em África, foi ao Hayti que o rei Abubakari foi parar com sua corte, depois da travessia do Atlântico desde o rio Gâmbia passando pelas bocas do Amazonas e Orenoco, 181 anos antes de Colombo. E quanto este último chegou com a Pinta, a Nina e a Santa Maria, disse ele ter visto estranhos "índios pretos" cujas lanças possuíam ponta de cobre.

E a revolução Haitiana continua enquanto houver trabalho escravo em solo americano. Pelos vóduns sagrados de Toussaint L'Orverture! Não foi sem assim, que a revolução do Hayti contagiou o Pará velho de guerra através de Caiena ocupada por forças cabocas sob comando anglo-português (1809-1817). Das agitações liberais de Felipe Patroni à invasão de Belém pelos cabanos, em 7 de janeiro de 1835, ficaram pra trás várias cabanagens, desde 7 de janeiro de 1619, com o cacique tupinambá Guamiaba assaltando o Forte do Presépio...

Que não haja engano no percurso: a saga dos Tupinambás é a demanda a Terra sem males (utopia onde o mito se transforma em revolução para concretude de um futuro para todos, onde não há fome, trabalho escravo, doença, velhice e morte).

através do Cabo do Norte a gente buscava o Arapari (país do Cruzeiro do Sul, Brasil) para o lado da terra firme. 

Os discos do velho Cugat chegavam em barcos de contrabando. Automóveis, uísque, sandália japonesa e a primeira Coca-Cola que chegou em horas mortas pelas matas do 40 Horas. Por exemplo, o tal carnaval fora de época chamado "micareta": metade da Quaresma, "micarème" em crioulo antilhano, morava perto mas acabou dando a volta da Bahia para vir com trio elétrico em desfile triunfal em Belém do Pará. 

Você sabia que na outra margem da fronteira norte nossa extrema cidade Oiapoque, na vizinha Saint-Georges de l'Oyapoc é chamada de "Martinique"? Por que? A corrida do ouro na fronteira começou com garimpeiros vindos da ilha da Martinica. 

um certo Alfredo marajoara (pra não dizer o índio sutil Dalcídio) podia dialogar com o guianense Alfred Parepou.

Dos garimpos de ouro da Martinica brasileira e de Saint-Georges de l'Oyapoc (Oiapoque) saiu o primeiro romance escrito em crioulo guianense, em 1885 (Coleção UNESCO de obras representativas "Creole Edition") de Alfred Parepou (pseudônimo de autor anônimo), "Atipa", apelido do protagonista um suposto garimpeiro da Guiana francesa, nome que corresponde ao conhecido peixe cascudo chamado Tamuatá no lado brasileiro. "Parepou" é como se conhece a pupunha consumida pelas ruas de Belém do Pará.

O romanceiro de Dalcídio Jurandir perpetua a canhapira de Cachoeira do Arari como incomparável iguaria dos deuses pagãos. Além disto, o caroço de tucumã é talismã como jogo de búzios nas mãos de Alfredo... E na terra de Alfredo Parepou, Caiena, o tucumã se chama por seu nome original em língua galibi (caribe) "awara". O tucumã na Guiana é o prato nacional "bouillon d'Awara" (mais ou menos, como "cozidão de tucumã"). Nomes diferentes para a mesma coisa ou quase, numa fronteira antiga dividia pelo tempo e o espaço. 

A canção "Porto Caribe" de Ruy Barata e Paulo André Barata, além duma provocação musical é convite à cooperação cultural entre regiões amazônicas e caribenhas, no chamado quadro de relações internacionais descentralizadas. Uma novidade que precedeu o MERCOSUL lá pelas fronteiras do Rio Grande do Sul, com o Uruguai e Argentina. Pegou força com o Rio de Janeiro e regiões da Europa, para se destacar com o Amapá e Guiana francesa, na contramão da centralização da política externa.

pra não dizer que não de falou de Aimé Cesaire e da negritude de Bruno de Menezes na Academia do Peixe Frito.

Volta e meia políticos e empresários estão em pé de guerra, que nem durante a guerra das tribos desde a pré-história até a construção do faraônico Museu do Quai Branly, em Paris, onde jaze amostra malmente conhecida da antiga cerâmica Marajoara dentre outras vetustas coleções de arte primeva do mundo inteiro. 

A cooperação em relações internacionais descentralizadas não inventa nada. Mas, pode e deve ser criativa na ocupação de rotinas desprezadas por leniência ou desconhecimento. O repatriamento de bens patrimoniais, por exemplo, pode passar preliminarmente por um diálogo de reconhecimento mútuo. Seguido de parceria para desenvolvimento de novos paradigmas de ajuda e cooperação externa. O Museu do Marajó, por exemplo, tal como é não suportaria sem infra-estrutura e revitalização a hipotética repatriação de coleções de cerâmica marajoara que se acham em museus no estrangeiro. Mas, uma vez que se estabelecesse o diálogo com vistas ao futuro, acreditamos que isto se tornaria possível sem traumas.

Assim, chegaríamos um dia no extremo Ocidente superando o imperialismo econômico e cultural avassalador. Portanto, sem mais necessidade de exasperação nas declarações à beira da "Alca, Al carajo!" (Hugo Chávez). Pelo meio do jogo pesado Norte-Sul a Comunidade das Caraíbas (CARICOM) sobrevivendo como pode e a emergente Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) se impondo. O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e União Europeia (UE) conversam sobre acordo de livre comércio... A contemplação do futuro é uma arte de muito antiguidade, com testemunho da Bíblia sagrada resumindo histórias profanas, evangelhos apócrifos, mitos e lendas da Mesopotâmia.

Todavia, pelas margens da História a história e outra: mais antiga e mais complicada. O velho mundo fez a América no novo continente: depois de 500 anos, falta agora os americanos fazer Novo Mundo sobre ruínas do velho continente.

São espaços e tempos tão antigos onde a velha amazonidade enterrou o umbigo de sua antiguidade. Possuído pelos ritmos quentes do merengue, cumbia, salsa, mambo, calypso e outros bailados da pirapuraceia ("dança do peixe") original; o poeta mocorongo Paranatinga cantou o país invisível que se chama Pará - este mar brasileiro tão antigo - que tem porto no Caribe.

Como diria o canibal Oswald de Andrade, fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará. Masporém, antes da deglutição do primeiro bispo do Brasil, Dom Sardinha, pelos bravos Caetés - do Oiapoque ao Chuí - já havíamos comido muito mais heróis do que sonha nossa vã filosofia ocidental cristã. 

Por isto, os velhos tapuias e as chamadas cabildas aruaques, cansados de guerra antropofágica, estavam prontas a adotar o manjar celestial no banquete santo e comer o divino Corpo de Deus poupando carne e sangue dos guerreiros desde a primeira missa.

Eis que o missionário canário José de Anchieta, insuflado pelo santo Espírito que nem pajé-açu por Jurupari na cerimônia de caapinage; provocou onda de entusiasmo em Piratininga levando a indiada canibalesca a trocar rapidamente a bárbara comunhão dos caraíbas pela manducação do sagrado Coração de Jesus na Eucaristia. 

Estava inaugurado o catolicismo popular latino-americano, mestiçagem dos espíritos do Novo Mundo "avant la letre" da grande mestiçagem americana: era o progresso da revolução Caraíba, "pas de tout" uma rendição... 

Presta atenção, cara pálida! Depois deste peculiar casamento entre o acaso e a necessidade veio o Candomblé e a Umbanda na carona da heresia dos índios e do astuto sincretismo dos negros africanos, muito antes do psicodrama e da Psicanálise.

Antes de Cabral chegar em Porto Seguro. Antes de Colombo pisar nas Bahamas, aliás Guaanani. Antes do rei mandinga Abubakari atravessar o mar Salgado com seus 1200 canoeiros e passar pelas bocas do Amazonas para ir sossegar no Hayti, no País do Vento, Amerika, 181 anos antes do descobrimento do Novo Mundo. 

Antes dos caraíbas dobrarem a Paraíba e Rio Grande do Norte para converter, por acaso, a utopia do Bom Selvagem em busca da Terra sem Mal no pouso do Sol rumo ao Araquiçau. O mar das Caraíbas nos chama a desenhar o amanhã.


Biografia (Wikipedia).

Filho único de Maria José (Dona Noca) Paranatinga Barata e do advogado Alarico de Barros Barata. Recebeu o nome Rui em virtude da admiração paterna por Rui Barbosa. O indígena Paranatinga vem do lado materno, que significa rio (paraná) branco (tinga).3
Foi alfabetizado pelo pai. Aos dez anos vem para Belém para continuar os estudos. Primeiro, no internato do Colégio Moderno; depois, no Colégio Nossa Senhora de Nazaré, dirigido pelos Irmãos Maristas. Faz o pré-jurídico no Colégio Estadual Paes de Carvalho, onde tem como professor o intelectual Francisco Paulo do Nascimento Mendes, de quem se torna amigo para a vida inteira, e se inicia na poesia escrevendo na revista Terra Imatura. Em 1938, entra para a Faculdade de Direito do Pará.
Em meio aos estudos jurídicos sente aumentar a paixão pela poesia. Mergulha fundo nos poemas de Maiakovski, Garcia Lorca, T.S. Elliot, Mallarmé, Rilke, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Jorge de Lima, entre outros. Abre-se ao pensamento de esquerda através da leitura do Manifesto Comunista de Marx e Engels.
Em 1941, casa-se com Norma Soares Barata, com quem teve sete filhos: Maria Diva, Rui Antônio, Paulo André Barata (parceiro constante em várias canções, entre elas, as mais famosas, Foi assim e Pauapixuna4 ), Maria Helena, Maria de Nazaré, Maria Inez e Cristóvão Jaques.
Em 1943, forma-se em direito e, como orador da turma, em plena ditadura do Estado Novo, faz um discurso em que pede a volta do país ao Estado de Direito e defende teses avançadas no campo da justiça social. Nessa fase, prefere trocar o exercício da advocacia pela presença na redação do jornal Folha do Norte, de Paulo Maranhão.
Passa a freqüentar a roda de papo do Central Café, no centro de Belém, liderada pelo professor Francisco Paulo do Nascimento Mendes, onde convive e integra a mais brilhante geração de intelectuais paraenses republicanos, que gravitou em torno de Chico Mendes. Entre eles, Mário Faustino, Paulo Plínio Abreu, Benedito Nunes, Haroldo Maranhão, Waldemar Henrique, Machado Coelho, Nunes Pereira, Cauby Cruz, Napoleão Figueiredo e Raimundo Moura.
Ainda em 1943, publica seu primeiro livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir.
Nessa época, o pai de Ruy, Alarico Barata, exercia forte liderança política na região do baixo amazonas contra a violência do chamado Baratismo, liderado pelo caudilho Joaquim Magalhães de Cardoso Barata.
Em decorrência dessa luta contra o autoritarismo de Magalhães Barata, Rui Guilherme Paranatinga Barata entra na política partidária e, aos 26 anos, em 1946, é eleito deputado para a Assembléia Constituinte do Pará, pelo Partido Social Progressista (PSP). Embalado pelo clima de explosão democrática que sucedeu a vitória dos aliados contra o nazifascismo na Europa, nenhum tema relevante aos direitos humanos escapou da percepção do jovem deputado naquela legislatura. A luta pela paz num mundo traumatizado pela morte de milhões de seres humanos nos campos de batalha, o horror da ameaça atômica que exterminara as populações de Hiroshima e Nagasaki, o respeito à autodeterminação dos povos, o Estado de Direito no Brasil, a defesa da soberania da Amazônia e a luta contra a pobreza foram temas caros a Ruy Barata.
Foi reeleito em 1950. Em 1951, publica os poemas de A Linha Imaginária (Edições Norte, Belém). A partir daí e depois, como deputado federal (1957 a 1959), se afirma como a voz progressista no Pará em defesa do monopólio estatal do petróleo, das grandes causas nacionais e da paz mundial, nos momentos cruciais da chamada guerra fria.
Em 1959, saúda a revolução cubana com o poema Me trae una Cuba Libre/Porque Cuba libre está. Nesse mesmo ano, entra para a militância clandestina do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. A filiação ao PCB tem reflexo na própria criação poética, que opta por evidenciar, nessa fase, um tom político. Sua poesia busca o caminho das palavras acessíveis à compreensão popular. Denuncia claramente a miséria e a injustiça social.
Nessa época, provavelmente, dá início à construção de O Nativo de Câncer, poema inacabado com força épica a contar a história de uma cultura em face da invasão de culturas estranhas, um impressionante inventário das coisas e do homem amazônico, incluindo aí o inventário do próprio poeta, um nativo de câncer. O primeiro canto do poema foi publicado em fevereiro de 1960 no jornal Folha do Norte.
Em 1964, com o golpe militar, foi preso, demitido de seu cartório (então 4º Ofício do Cível e Comércio da Comarca de Belém) e aposentado compulsoriamente do cargo de professor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará2 , com menos de 10% de seus proventos. Para sobreviver passa a exercer a advocacia no escritório de seu pai, Alarico Barata, e escreve artigos e reportagens com pseudônimos, como Valério Ventura, para os jornais Folha do Norte e Flash.
A partir de 1967, Ruy Barata, que tinha, desde a juventude, uma estreita ligação com a música, passa a compor em parceria com seu filho, o então jovem músico e instrumentista Paulo André Barata.4 3
Ruy mostra-se um exímio letrista para as melodias do filho. Compõem dezenas de músicas, de cunho rural e urbano, que se tornaram sucessos nacionais e internacionais.
Em 1978, lança mais um capítulo do estudo sobre a Cabanagem, a revolução paraense de 1835, cuja publicação iniciara no ano anterior pela revista do Instituto Professor Sousa Marques (Rio de Janeiro): O Cacau de Sua Majestade, O Arroz do Marquês, A Subversão do Cacau e do Algodão, A Economia Paraense às Vésperas da Tormenta.
Em 1979, com a promulgação da Lei da Anistia, Ruy Barata é reintegrado ao quadro de professores da Universidade Federal do Pará, e volta a ensinar Literatura Brasileira. Em 1984, é publicada a primeira edição do livro Paranatinga, um estudo biográfico do poeta escrito por Alfredo Oliveira.
Ruy Barata morreu em 23 de abril de 1990, durante uma cirurgia, em São Paulo, para onde viajara a fim de coletar dados sobre a passagem de Mário de Andrade pela Amazônia.
Pouco depois de sua morte foi lançada a segunda edição, revista e ampliada, do livro Paranatinga. Sua estátua está nos jardins do Parque da Residência, antiga casa dos governadores do Pará, que hoje abriga a Secretaria de Cultura do Estado. Empresta seu nome a uma avenida, ainda em construção, que vai margear as águas da baía do Guajará em Belém.
Em 2000, foi lançado o livro Antilogia, uma coletânea de poemas organizada e revisada pelo próprio Rui entre janeiro e fevereiro de 1990, pouco antes de sua morte, cuja edição reúne catorze poemas e uma das correspondências que lhe foram enviadas pelo poeta Mário Faustino.
O trabalho de Ruy Barata continua a inspirar músicas, poesias, vídeos, cinema, trabalhos escolares, teses, documentários, dança, artes plásticas e dezenas de outras manifestações culturais em todo o Pará, para reverenciar a memória do poeta que disse em uma canção: Tudo que eu amei estava aqui".
A poesia não se faz com idéias, mas com palavras
Ruy Barata

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