ALDEIAS URBANAS OU ECOS DO DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS (1757-1798) NO SÉCULO 21


Ajuricaba, Cacique dos Manaus, Herói da Pátria Amada Brasil,
 guia libertário e protetor do desenvolvimento humano da Amazônia.


O Homem, "animal político" segundo Aristóteles, ser social por excelência (portanto, vivendo em comunidade ou na Pólis) saiu da história natural a cabo de milhões de anos desde a primeira célula orgânica no berço da Biosfera - lendária primeira noite do mundo na mitologia amazônica - para habitar a História da humanidade filha da animalidade, no dizer translúcido de Edgar Morin ao vencer a barreira escura da ignorância e da complexidade. 

Ao contrário de Nietzsche, para Morin Deus não está morto, muito pelo contrário: porém, no fim da história moderna o vencedor é o deus de Espinoza. Este judeu panteista excomungado de Jeová, para ser fiel à verdade, abraçou o velho Oriente e o moderno Ocidente construindo o primeiro pilar da ponte entre estes dois mundos diferentes. Desta maneira, antecipou o acordo da neurociência e o fim da guerra metafísica entre o Coração e a Cabeça. 

Isto é, Emoção e Razão habitantes dos respectivos hemisférios do mundo que se chama cérebro. O troféu da disputa poderá ser a Ecocivilização paratodos, a partir da Amazônia, segundo profecia racional do ecossocioeconomista Ignacy Sachs.

Segundo Sachs, "o desenvolvimento ambiental não pode ser dissociado das questões sociais e econômicas. Mas para haver uma relação de equilíbrio entre essas vertentes, é preciso intervenção do Estado para conter o mercado, que de forma geral não se preocupa com os custos sociais e ambientais" (entrevista à Agência Brasil, em 2012). Esta é a visão defendida por ele aos 85 anos de idade, há mais de 40 anos, considerado o criador do termo "desenvolvimento sustentável".
 
Por conseguinte, com exemplo do pragmático capitalismo de estado made in China ("não importa a cor do gato..." segundo o evangelho de Deng Xiaoping), a História mais que estudo do passado é consCiência (conhecimento compartilhado) do presente: compreende o passado e prognostica o avenir da humanidade, no curso dialético do espaço-tempo, a bordo do planeta Terra.

Todos estamos de acordo com o "desenvolvimento sustentável" da Amazônia. Desde o Papa Francisco até o pajé Chico, por suposto, na aldeia dos Tembé, no Alto Guamá, próxima à divisa do Maranhão e Pará. Porém, a porca torce o rabo quando se trata de saber de que "Amazônia" estamos falando.

Há várias Amazônias. Da pan-Amazônia até cada uma de tantas regiões amazônicas, como demonstrou o Barão de Marajó em sua obra clássica em fins do século XIX. Na minha humilde aldeia na Marambaia ou na antiga aldeia de minha avó na Mangabeira, até os peixinhos da beira do igapó sabem que a parte que me cabe neste latifúndio é a "Criaturada grande de Dalcídio" (populações tradicionais) que mora á margem da história da agora chamada Amazônia Marajoara.

Existe a Amazônia dos pobres cabocos ribeirinhos, dos povos da floresta, das Minas e Energia, do agronegócio, das empresas multinacionais... A Amazônia das Ong's, a Amazônia dos políticos de Brasília e dos empresários de São Paulo. A Amazônia planetária e a Amazônia batendo lata nas periferias da Periferia. E muito mais outras Amazônias reais ou imaginárias como o mito das amazonas.

Temos a Amazônia rural e do pessoal no mato sem cachorro. A Amazônia urbana, onde o asfalto e a selva de pedra vão alienando e a Amazônia suburbana, sem água e esgoto, onde caboco se acaba das "zonas" metropolitanas. Tais quais da Guerra de Iranduba (cf. José Ribamar Bessa Freire, no blogue Taqui pra ti). Na Amazônia, todos ou, pelo menos, a grande maioria de 25 milhões de habitantes, somos cabocos ("saídos do mato", caa bok), filhos de índio. Todavia, filho de peixe é peixinho... Logo, somos "índios" com muito orgulho.

Espera lá, menos verdade: com muito orgulho não! Aí é que mora o verdadeiro problema da Amazônia. Por que a Amazônia somos nós: além da grande floresta chuvosa, do boto cor de rosa, dos grandes rios, da formidável biodiversidade, das riquezas minerais, do "pulmão do mundo", etecetera e tal. 

Como então, na zona metropolitana dos Manaus, onde os filhos de Ajuricaba (outrora idolatrado pelo senado Artur Virgílho e agora esquecido pelo prefeito Artur Virgílio) foram despossuídos de suas terras, língua e cultura? Na zona metropolitana de Belém, também, descendentes dos tuxauas Cabelo de Velha e Guamã tiveram suas aldeias canibalizadas pela tal de civilização Pombalina (lembrai-vos do famigerado Diretório dos Índios!) e agora caras-pálida cariuás têm audácia de considerar esta gente como invasora de baixada, que antes não valia nada para os brancos. 

Com a lição de Eidorfe Moreira, em "Os igapós e seu apoveitamento", igapó morto vira baixada sob pressão demográfica. Invasão ocupada de palafitas por gente aflita pela falta de moradia na várzea onde vivia e donde foi expulsa pela mão pesada da grilagem e do latifúndio. 

Quando, na cidade humana, os igapós de Belém deveriam ser áreas verdes urbanas. Elemento natural da paisagem amazônica em equilíbrio com antigas aldeias preservadas, como seria o caso da Campina, tombada pelo IPHAN. Onde os índios tupinambá que ali viviam conheciam o valor que tinham os igapós como viveiro de peixes, aves, abelhas silvestres e muitos outros recursos da natureza. E hoje, 400 anos depois da conquista colonial, se tornaram problemas de saneamento e casos de polícia.

Enquanto a tragédia fundiária se agigante, juízes de primeira instância, o Judiciário inteiro a passos de cágado, a grande Imprensa puta da vida com embargos infringentes no mensalão, não se toca com a execução sumária de reintegração de posse contra o domínio do fato que está na cara de índio do povo das "invasões" e das "baixadas". A PM cara de índio dando porrada em gente cara de índio, povo invasor de cidades invasoras da Floresta... Fiquem com esta.







As chamadas "aldeias urbanas" ou índios na cidade

Stephen G. Baines (Depto. de Antropologia, UnB; pesquisador CNPq).

É muito comum ouvir a pergunta: "As aldeias urbanas são positivas ou negativas?" Parece-me uma pergunta mal-formulada, pois a questão das chamadas aldeias urbanas e índios citadinos abrange uma multiplicidade de situações diferentes, com histórias diversas de contato interétnico com as populações regionais, desde situações em que índios foram expulsos das suas terras até outras situações em que índios optaram pela vida na cidade em decorrência da falta de oportunidades de educação e atendimento adequado de saúde nas suas aldeias. A migração indígena para os centros urbanos ocorre de maneiras muito diversas, desde o traslado de grupos familiares para bairros onde já há um contingente grande de índios organizados politicamente até casos de migração de indivíduos para a cidade em busca de empregos, tratamento de saúde, educação ou um novo estilo de vida. Em outras situações a própria organização social indígena se configurou para formar grandes aldeias urbanas, como é o caso de alguns grupos Tikuna, no Alto Solimões, no estado do Amazonas. Também a pergunta popular quanto a "Se se consegue preservar a comunidade indígena no contexto da cidade ou se a comunidade é engolida no meio urbano" é, em grande parte, enganadora, baseada no preconceito humilhante de que o índio pertence à mata e deve permanecer na sua aldeia na mata. A situação dos povos indígenas no Brasil é marcada por preconceitos historicamente enraizados e situações de relações sociais de dominação-sujeição altamente assimétricas entre "índios" e "brancos".

Tentativas populares de argumentar que o índio na cidade "deixa de ser índio" são fruto de um preconceito altamente pejorativo quanto ao índio, que o congela no tempo e no espaço, colocando-o em oposição à vida urbana e relegando-o ao atraso, à pobreza e à ignorância. Preconceito que muitos índios têm internalizado em relação a si mesmos, como revela, por exemplo, o fenômeno do caboclismo na Amazônia (Cardoso de Oliveira 1964) e as três dissertações de Mestrado orientadas pelo Professor Roberto Cardoso de Oliveira, sobre índios na cidade, escritas dentro do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UnB, em 1982, sobre Índios do Alto Rio Negro em Manaus (Figolí), Apurinã na cidade de Manacapuru (Lazarin), e Sataré-Maué em Manaus (Romero). Atualmente os Sateré-Maué, em Manaus, são bem organizados e um grupo, que mora na área verde do Conjunto Santos Dumont, está reivindicando uma escola indígena diferenciada. O livro do Professor Roberto Cardoso, Urbanização e Tribalismo (1968), sobre os Terêna de MS, aponta para a complexidade da situação do índio na cidade, onde hoje há grandes comunidades indígenas em Campo Grande e Dourados.

De fato, muito pouco se sabe sobre os índios citadinos no Brasil e falta realizar mais pesquisas etnológicas de longa duração sobre as múltiplas facetas desta questão. Nem se dispõe de dados confiáveis sobre o número de índios na cidade. Estimativas da população indígena nas cidades do Brasil variam muito. Estatísticas recentes do Instituto Socioambiental estimam que haja cerca de 350 mil índios (Ricardo 2000:15) no Brasil e, segundo Márcio Santilli, "Talvez sejam uns 50 mil os índios urbanos, ou mais..." (2000:15-16). A dificuldade de estimar a população indígena nas cidades está diretamente relacionada aos critérios usados. O Artigo 3 do Estatuto do Índio (Lei No. 6.001, de 19 de dezembro de 1973) define o índio como "todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional", e a Constituição de 1988 reconhece as "sociedades indígenas" como coletividades situadas entre os índios, enquanto indivíduos e cidadãos brasileiros, e o Estado. Contudo, apesar do índio ser uma identidade legal acionada para obter reconhecimento de direitos específicos, a identidade nas cidades é freqüentemente escamoteada como estratégia adotada para escapar dos preconceitos e estigmas. A identidade indígena nos centros urbanos configura-se nitidamente como uma identidade social contextual. A mesma pessoa pode se considerar indígena em alguns contextos, e não em outros, ou apelar a outras identidades genéricas geradas historicamente em situações de contato interétnico, como caboclo, índio civilizado, descendente de índio, remanescente, índio misturado etc.

Acelerou-se, nas últimas duas décadas, o processo de emergência de novas identidades e a reinvenção de etnias já reconhecidas, sobretudo no Nordeste do Brasil, mas também em outras regiões. Embora a maioria destas populações habitem áreas rurais, outras, como os Tapeba de Caucaia, um bairro de Fortaleza, são citadinos. Com um processo de reidentificação indígena de populações urbanas, a população total de indígenas citadinas está crescendo muito rapidamente. Na cidade de São Paulo, estima-se que haja mais de 1.000 Pankararu, do estado de Pernambuco que vivem em favelas como a Real Parque e Paraisópolis, no bairro de Morumbi. Os Pankaruru iniciaram sua migração de cerca de 2.200 km para a cidade de São Paulo depois que populações rurais não indígenas invadiram suas terras, no município de Tacaratu, interior de Pernambuco. Conforme um líder urbano, apesar de haver migração Pankararu para a cidade de São Paulo desde as décadas de 1950 e 1960, em 1990 eram apenas 150, com o número crescendo rapidamente em conseqüência da expulsão de suas terras. E, assim, como muitos nordestinos pobres que buscavam vida melhor na cidade, viram-se obrigados a juntar-se à massa de subempregados das favelas, a maioria dos homens vivendo da renda obtida na construção civil, as mulheres como empregadas domésticas. Uma Associação SOS Pankararu foi criada em São Paulo em 1994.
A própria política indigenista tem contribuido à migração para as cidades. A ideologia do SPI visava a uma pressuposta integração rápida dos índios à sociedade nacional, o que favorecia o estabelecimento de áreas reduzidas para os índios e a liberação das demais terras para ocupação pelos brancos. Afirma João Pacheco de Oliveira que em muitas regiões do Sul do país, como em Mato Grosso do Sul, "as áreas estabelecidas pelo SPI são muito menos uma reserva territorial do que uma reserva de mão-de-obra, passando a ser uma característica dessas regiões formas temporárias de trabalho assalariado..." (1998:34). A falta de terras adequadas para sua sobrevivência é um dos fatores que leva à migração indígena e à busca de trabalho assalariado em fazendas e cidades.

Em 1981, o líder Tukano Álvaro Sampaio denunciou os salesianos no Alto Rio Negro por estimularem a migração para as cidades da Colômbia, por falta de oportunidades de trabalho na região e por não aceitarem a dominação salesiana (1981:25). Além disso, Sampaio denunciou o envio de meninas indígenas, pelas freiras, para trabalhar no colégio de freiras em Manaus e como empregadas domésticas nas casas dos oficiais da FAB, algumas das quais se envolviam em prostituição (1981:38-41).

No estado de Roraima, que tem 42% de seu território habitado por populações indígenas, que somam cerca de 35 mil pessoas ou 16% da população total, estas enfrentam problemas que se agravaram nos últimos anos, com a política de incentivo à migração desenfreada desenvolvida pelos governos federal e estadual, de colonos não-indígenas. Segundo o líder Makuxi Euclídes Pereira, "A intensidade das migrações pode ser sentida através do número da população que quintuplicou em 20 anos, passando de 40.885, em 1970, para 215.950, em 1991 (IBGE, 1993)" (1996:166), chegando a números que variam entre 250 e 300 mil em 2001. Em 1994, estimou-se a população indígena em Boa Vista em cerca de 12 mil (Namem et.al., 1999), embora o número certo seja desconhecido, e abrange um contingente grande de índios que migrou da República da Guyana. Namem et. al. afirmam que "a grande maioria dos entrevistados disse que os deslocamentos e a migração para Boa Vista se devem à busca de trabalho e estudo (...) uma vez que as condições de vida nas áreas indígenas são precárias e que não existem escolas de 2o grau, (...) Essa busca de trabalho e estudo vem acompanhada por um sentimento de que a vida tende a melhorar a partir da experiência na cidade" (Ibid). Acrescentam que as posturas diferenciadas entre a Igreja católica e as Igrejas protestantes "estariam gerando muitas desavenças entre os indígenas, e levando vários deles à cidade", e que o governo do estado, "em 'troca' de projetos agrícolas (...) estaria logrando cooptar índios em certas áreas indígenas, gerando desentendimentos e provocando deslocamentos e migração para Boa Vista" (Ibid). Além destes fatores, afirmam que "Alguns dos índios entrevistados alegaram que o conflito em torno dos processos de demarcação das áreas indígenas é um fator que influencia no deslocamento e na migração para Boa Vista" (Ibid), além de motivos pessoais, e a vinda para a cidade para participar no movimento indígena. Dados coletados na University of Guyana revelam que "as mulheres que vêm ao Brasil trabalham sobretudo como empregadas domésticas, cozinheiras, garçonetes e babás, (...) quase sempre informalmente" (Ibid), e que aceitam baixos salários, "além de desconhecerem os direitos trabalhistas" e serem estigmatizadas como índias.

Em pesquisa recente iniciada na fronteira do Brasil e a Guyana, e na cidade de Boa Vista, depoimentos de Makuxi, Wapixana, Patamona/Ingarikó e Taurepang revelam que até a independência da Guiana Inglesa havia um processo de migração indígena de Roraima para a Guiana. Após a independência da Guiana em 1966, conflitos políticos naquele país que atingiram a região fronteiriça com Roraima em 1967 e uma deterioração crescente nas condições de trabalho, que coincide com o crescimento rápido da cidade de Boa Vista, a migração se inverteu, com migrações de indígenas, sobretudo da região fronteiriça da Guiana para as cidades de Boa Vista e Manaus. Estimativas mais recentes sugerem que a população indígena em Boa Vista pode ser de 15 ou 20 mil, e a COIAB estima entre 15 e 20 mil índios em Manaus, havendo casos de pessoas de vários grupos étnicos na mesma família e pessoas que se dizem índios mas não sabem dizer de qual etnia. Muitos índios de origem guianesa estabeleceram-se nos bairros mais pobres e periféricos de Boa Vista como Pintolândia e Raiar do Sol, além de uma comunidade sobreviver na lixeira da cidade. Eneida Assis constatou que na cidade de Altamira há cerca de 1.800 índios, de 9 grupos étnicos. Peter Schroeder afirma que na cidade de Lábrea, no rio Purus, a população indígena pode chegar a 25% dos 16 mil habitantes.

A Constituição de 1988, ao reconhecer o direito dos índios de se representarem juridicamente, resultou na criação de dezenas de organizações indígenas e numa mobilização política indígena sem precedentes. Como conseqüência da sua própria mobilização política, um número crescente de líderes indígenas está migrando para as cidades para participar do movimento indígena, e muitos jovens indígenas estão migrando para estudarem e se prepararem para enfrentar a sociedade nacional. Apesar de algumas conquistas em nível local para aliviar as condições difíceis que a maioria das populações indígenas enfrenta e tentativas por parte de muitas sociedades indígenas de se organizarem dentro das suas terras, as tendência atuais de governo impor políticas neoliberais apontam para um crescente desafio para as sociedades indígenas frente ao agravamento das desigualdades econômicas e sociais.

Revista Brasil Indígena - Ano I - Nº 7 Brasília/DF - Nov-Dez/2001

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