AMAZONIDADE DAS NOSSAS GUIANAS (3)


porto de Paramaribo, capital do Suriname.



tributo a Robert Marigard

rota das "tapouilles" (1) além do Cabo Norte: 
reino do contrabando, cabotagem da morte.

Cronológica ou alternativamente espanhóis, portugueses, holandeses, franceses e ingleses foram destruidores e exterminadores das Índias ocidentais e orientais. História universal da infâmia, da qual estes tímidos bits querem imitar a fim de transmitir uma pálida ideia da metáfora no cinema em "Os deuses devem estar loucos", por escarmento do tempo: lembrar, de raspão, que Sua Santidade, naquele tempo no papel solitário da assembleia geral da ONU hoje - quando Alexandre VI celebrou o "testamento de Adão" (homologação vaticana do tratado de Tordesilhas de 1494) -, deveria o Papa estar embriagado se não do sangue de Cristo pelo menos do poder apostólico romano ligar e desligar nos céus o que a Cúria ligasse na terra. Do mesmo modo como o que o Filho do Homem liga ou desliga no céu, na terra será ligado ou desligado por intermédio do Espírito Santo à força de direito canônico sancionado pelos sucessores de Pedro. Pura alquimia eclesiástica que faria inveja ao Egito no tempo dos faraós, diga-se de passagem. Por acaso, depois de cinco séculos de martírios americanos, daquelas terras ensanguentadas floresceria a teologia da libertação, inspiradora indireta da famosa encíclica "Popularum Progressio" saudada por Wall Street como marxismo requentado.

Foi coisa assim que o inca Atahualpa protestou face ao bispo Valverde ao ser informado do infame proclama do imperador Carlos V, dizendo que o trono de Castela havia sido contemplado pela Santa Sé com a doação do Peru. Caro custou a rebeldia pagã do inca das Quatro partes do Mundo: foi ele atado a quatro fogosos cavalos puxados em direções contrárias, Atahualpa teve o corpo desfigurado e dilacerado. Mas, depois da morte, teve direito a missa solene celebrada pelo bispo com presença do conquistador Francisco Pizarro, conforme rito latino da santa religião. Aos olhos dos nativos peruanos Cristo e Athaulpa se confundiram na cruz do Calvário como a arte popular peruana mostra. Não é certo que a voz do povo é voz de Deus?
 
Todavia, o povoamento americano segundo arqueólogos informam, teve início há vinte mil ou, pelo menos, dez mil anos passados a partir da Ásia. O novo mundo ostenta velhas civilizações tais como Mayas, Astecas, Incas e outras culturas pré-colombianas mais. Árabes e judeus contribuíram de diferentes maneiras para a história da conquista e colonização, onde africanos foram escravizados ou trazidos como livres após cativeiro. Assim que chineses e hindus, mais recentemente imigrantes de toda Europa, Japão e China vieram se juntar aos primeiros povoadores.

Antigos navegadores do Mar-Oceano sabiam da existência da Corrente Equatorial Marítima, que atravessa o Atlântico de leste a oeste. Graças a ela um antigo relato vindo do Cairo através de Paris após a expedição de Napoleão Bonaparte, conta como cem anos antes de Colombo, o imperador do Mali chegou a remo até a foz do Amazonas e costeou as Guianas até o delta do Orinoco com uma flotilha de caiaques, sem jamais voltar a África. 

Por acaso, quando da descoberta da América, em 1492, Colombo teria visto estranhos "índios pretos" no Haiti usando flechas e lanças com ponta de cobre. Como o descobridor também disse que viu o jardim do Éden adentro do Orinoco, fica difícil acreditar. Relatos da época fazem monumento à imaginação das Américas por olhos da velha Europa recém saída da idade média. Todavia, é certo que com a chegada dos primeiros escravos africanos (importados por ingleses para a ilha de Barbados, entre 1673 e 1723) e a marronagem (fuga de escravos para mocambos ou quilombos) índios e negros misturaram seus genes e criaram a "raça" afro-americana dos "índios-pretos" (no Brasil, cafusos). Significa dizer, que durante 181, de 1492 até 1673 pelo menos; a escravidão americana foi sustentada exclusivamente por "negros da terra" (indígenas).

Os Reis Católicos e Sua Majestade Fidelíssima, mal saídos de 500 anos de guerra de Reconquista para expulsar os Mouros da Ibéria, a fim de evitar uma guerra fraticida entre os súditos por causa dos descobrimentos marítimos, de consequências imprevisíveis àquela hora; acordaram com dificuldade em Tordesilhas (Espanha) uma linha imaginária, dividindo a Terra mediante convenção de um meridiano calculado a 370 léguas a oeste de Cabo Verde. No começo de suas desavenças marítimas, Portugal e Espanha haviam disputado o arquipélago da Madeira, conhecido de cartógrafos italianos e depois povoado com portugueses, assim que as ilhas Canárias por espanhóis, e saíram pela tangente diplomática que deu base às rudes negociações de Tordesilhas, sempre em vantagem do conhecimento cartográfico dos lusitanos em barreira às imoderadas ambições territoriais de Espanha da velha herança conquistadora adquirida dos povos germânicos.

Mas a Reconquista, guerra de cinco séculos entre a Cristandade e o Islã na Península Ibérica ainda não estava terminada e dela, entre outros resultados, deu-se a invenção de Portugal. Porém, o estado e a nacionalidade portuguesa se consolidaram durante o reinado de Dom Dinis (1279), sexto rei, que traça o futuro do país entrelaçado pelo comércio exterior a Inglaterra, Itália e Bélgica (através desta a Holanda) criando vínculos permanentes da lusofonia. 

Vê-se que o comércio marítimo no Mediterrâneo e no Atlântico seriam, desde então, o traço permanente daquela esquina geográfica transformada em nação que viria descobrir o Brasil como futuro país da língua neolatina ("última flor do Lácio inculta e bela", no dizer de Olavo Bilac). Da emancipação do pequeno Condado Portucalense diante da imperiosa Espanha o novo reino ibérico forjava a si mesmo como nação aberta de navegadores e descobridores do mundo vindos de povos ibéricos e de diferentes nações. Pátria predestinada por suas próprias forças e fraquezas, em sucessivas contradições; a promover a mestiçagem do catolicismo sob o sol dos trópicos, no amplo sentido da universalidade e diversidade de culturas da Terra. Que é a coisa mais moderna do mundo onde o Brasil desponta como porta-estandarte, cujo manifesto, primeiramente nas trovas de um sapateiro cristão-novo chamado Bandarra; e depois na utopia evangelizadora do Padre Antonio Vieira; seria sublimada na arte poética de Fernando Pessoa e filosofia sebastiana de Agostinho da Silva. 

É claro que Portugal se fez mundo! Mas, claro é também que o Brasil brasileiro é mais que um abençoado herdeiro do avô português e da avó africana. Na verdade, o maior país de língua portuguesa também é o maior país amazônico do mundo, ostentando uma antiga civilização de mil e quinhentos anos de idade - a Cultura Marajoara. Cujo apogeu foi contemporâneo ao reinado de Dom Dinis, em Portugal, e sua cerâmica artística e aldeias suspensas sobre campos inundáveis já estavam desenvolvidas, quando ainda nem existiam sementes para os viveiros de pinho da floresta de Leiria, mandada plantar pelo rei Lavrador, com destino à construção naval, que mudaria o destino de Portugal.


dos guetos da Dispersão ao país do Futuro

A fim de habitar o tempo do circum Caribe como se deve, carece navegar pelas margens da história a bordo de barcos de contrabando seguindo ao acaso, no mar das calmarias, a espiral evolutiva dos acontecimentos do passado distante e praticando a arriscada arte de adivinhação de futuros horizontes.  A rota do açúcar a partir da China e da Índia chegaria à ilha da Madeira, ao Caribe e Guianas para deitar raízes mais profundas em Pernambuco, sem deixar de experimentar o Pará com algumas feitorias holandesas a partir do final do século 16 até o século 18 e definhar com a abolição da escravatura. 

O mesmo enredo cabeludo do café que um dia saiu da Etiópia, Deus sabe como, e entrou ao Suriname trazido por alguma urca cargueira holandesa donde foi roubado para plantação em Caiena e desta última saiu furtado para dar roças e exportação do Pará para a metrópole.  Antes de ir gerar os famosos cafezais de São Paulo. Mas, o café agora de São Paulo faria caminho inverso do contrabando tendo como destino, principalmente, o porto de Paramaribo onde esta história começo e saiu na volta para consumo das famílias mais ricas das Antilhas e do povo, inclusive na revolucionária Cuba segundo dizem notáveis comerciantes libaneses da praça de Caiena; que outrora numa cadeia de comércio, mais ou menos legal; controlavam o fluxo de mercadorias de sul a norte e de norte ao sul do continente. Como se sabe, durante o período colonial o comércio triangular - Europa (manufaturados), África (escravos), América do Sul e Caribe (açúcar e rum) - deu margem a muitas safadezas, além da pirataria. O nome "brasileiro" era sinônimo de contrabandista.

Resulta agora o curso de tal pajelança algo bastante confuso, como sempre foi e serão as mais curiosas navegações desta vida ribeirinha da ocidental civilização. A ubá indígena que por necessidade e acaso criou asas ao vento geral se transforma em canoa. Logo, por imitação barata da imponente igara (caravela) estrangeira, já é igarité no Pará ou bastarda, no Maranhão. A vela dependente de ventos e marés ganha reforço tão logo a revolução industrial ofereceu, primeiro o navio-vapor e depois o motor marítimo; que mudaram o tempo das viagens e encurtaram a distância entre as ilhas e a terra firme: eis a invenção do barco-motor amazônico (chamado "tapouille" ou tapuia, nas Guianas).

Por aí, entre portos do Pará e das Guianas, dentre avultados contrabandos e tráficos mais pesados embarcaram e desembarcaram cargas de lendas, mitos e ritmos que, afinal de contas, fazem história. Contudo, esta última carece que o comércio lhe transporte e a economia a carregue sobre os ombros. Não foi, por acaso, sobre lombo de camelos, que são navios do deserto, que a notícia das especiarias da Índia chegou a Europa? Pois, na América, as naus trouxeram além da Bíblia e notícias picantes das cortes novas pragas mortais como a gripe, o sarampo e a varíola; e pior que tudo a dependência econômica pelo fomento de novas necessidades de consumo. 

Para evitar concorrências desleais e guerras de comércio que, não raro; levam a contenda a vias de fato; inventaram a Organização Mundial do Comércio (OMC). Afinal, o que é contrabando? Um prática comercial externa que sonega impostos ou faz contravenção de medida protecionista. Para alguns o livre comércio é uma panaceia que sana tudo isto, mas na verdade semelhante liberdade é meio caminho para monopólios odiosos...

Por isto, sob a louvável intenção de levar a Fé cristã a corações e mentes sarracenos quando, por mal dos pecados de Portugal, a religiosa Espanha exultou com a morte do rei português Dom Sebastião e, sob o trono de São Pedro, se fez senhora de todos mares sendo dona absoluta do império onde o sol nunca se punha. Mercadores judeus estabelecidos na Itália e na Holanda, mais que antes, cuidaram de aliaram-se aos Hereges (protestantes cristãos) e animaram a ralé judia par da massagada árabe cristianizada a invadir e ocupar colônias de Espanha e Portugal.


ecos da colonização das Antilhas e Guianas. 
"Bom é Jesus Cristo, Melhor é o Comércio!"

[Eleazar Cordoba-Bello, in "Compañias holandesas de navigación, agentes de la colonizacion neerlandesa", Sevilla, Escuela de Estudios Hispano-Americanos, 1964, p. 122; apud Anderson Leon Almeida de Araújo, em "Os flamengos, os holandeses, a América - contribuições neerlandesas no novo mundo", copilado da internet].

A área geográfica das Antilhas-Guianas, apresenta a curiosidade de ter sido palco inaugural das destruição das Índias ocidentais. Para o século 21 estas regiões são importante laboratório de análise econômica. A colonização holandesa no Suriname e nas Antilhas holandesas apresenta diversas curiosidades dignas de nota. Uma língua crioula diferente de tudo mais no mundo ultramarino, o Papiamento; quebra-cabeças linguístico. Para uns, dialeto oriundo de um "português corrompido" através de escravos africanos vindos de antigas feitorias portuguesas. 

Aqui o leitor deve ser lembrado de que, desde muito cedo na Holanda existiram núcleos de judeus portugueses exilados voluntariamente ou expulsos de Portugal por motivo religioso. Na Bélgica os flamengos igualmente conviviam com judeus portugueses já cristianizados e negociavam com holandeses que conservavam a religião de seus antepassados e a língua e cultura portuguesa. Estes elementos, sefarditas em maior parte, foram colonizadores nas colônias holandesas: são estas as feitorias "portuguesas", principalmente, de que se está falando. Outros estudiosos do Papiamento dizem que se trata de uma mistura de espanhol, holandês e algumas línguas africanas. Para uns e outros, o Papiamento é um exemplo do segrecionismo da colonização holandesa que, na África do Sul, culminou no regime do Apartheid. De fato, os colonos holandeses não haviam interesse em compartilhar a sua língua com os colonizados: foi uma colonização especial, fechada, em torno da família. Certamente, o colono holandês aprendendo o crioulo podia se comunicar para efeito das trocas comerciais, porém os índios, negros ou estrangeiros não poderiam compreender facilmente o que se passava entre os donos da feitoria. De todo modo, a colonização holandesa poderia ter maior sucesso na Amazônia dado que também os índios não queriam se deixar assimilar, tampouco os africanos a ferrados aos costumes de suas respectiva nações. 

Se não fosse o caso dos colonos portugueses vir solteiros face à fraca demografia de Portugal, em geral degredados por perseguição religiosa ou cumprindo pena por crime comum; as possibilidades da Holanda dominar toda a Amazônia teria sido superior a qualquer outra potência europeia. O português sem escrúpulos para deitar com mulher indígena ou africana e ter filhos com quantas mais pudesse, era relativamente orgulhoso da sua prole mestiça a querendo "branquizar" a todo custo, mas o colono português apesar de maltratar escravos e dizimar índios sempre acabava se "abrasileirando" da cabeça aos pés.

O holandês típico revelando certo complexo de inferioridade com relação aos vizinhos alemães, como o português em comparação à arrogância aristocrática da elite espanhola; parece ter assimilado dos judeus e calvinistas que recebeu durante as guerras entre a Reforma e a Contra-Reforma um traço para o isolamento: assim como a língua, não fizeram proselitismo de sua religião, permitindo o comércio como fim utilitário em si mesmo. Uma pequena amostra do Papiamento, colhido da internet.


“Kantika de pleizir:
Ta Kasá, bo kier kasa
Mata kamarón lo bo kome
tur hende ta bin bisá-mi
kusimi kasa, ma ta
kumarón lo mi kome

(tradução livre baseada em versão em espanhol)

Cantiga de prazer:
Casar, queres casar
Mas comerás camarões
Todos vem me dizer
Que se me caso
Camarões comerei”

Costa Brava das Guianas: república de Cunani, cemitério de barcos e de imigrantes clandestinos


Atraídos pela lenda do El-Dorado, aventureiros espanhóis seguindo a rota de Colombo, acabaram por descobrir a ‘costa brava’ em 1593. Francisco de Orellana escapando da malograda expedição de Gonzalo Pizarro ao país da canela, chegou a Espanha, onde era aguardado sob acusação de deserção e roubo com a sombra da forca sobre si; dizendo ter descoberto em 1542 o fabuloso rio das mulheres guerreiras, chamadas amazonas na Capadócia. Em vez de prisão ele obteve, com ajuda de um tio, título de Adelantado del Rio, donatário de Nueva Andalucía (Amapá, depois capitania do Cabo do Norte doada por Felipe II ao português Bento Maciel Parente), caravela armada e a mão da bela prima Margarita com quem casou e, precipitadamente, fez velas para Cabo Verde onde fez os últimos arranjos para, em 1544, se perder e morrer nas águas do Pará sem deixar notícias. A bela Margarita, que esperava a bordo da caravela com damas de companhia, retornou pelas Antilhas chorando a viuvez.

Quase cinquenta anos depois do desaparecimento do descobridor do rio Amazonas, outro espanhol, Domingo de Vera; tomava posse das Guianas em nome da coroa espanhola. Porém a partir dali até 1683, a chamada costa brava permaneceu selvagem como sempre esteve desde o começo do mundo. A dita costa brava se estendia do interfluxo Rio Negro-Orinoco a oeste até o delta-estuário do Amazonas, ao norte tendo a leste o oceano Atlântico. Baixa, monôtona, coberta de aluvião que o Amazonas despeja ao mar formando bancos de vaza que se deslocam lentamente próximo aos infinitos manguezais, os colonizadores a consideraram insalubre,
impossibilitando a colonização no litoral. Este fato fez com que índios, escravos refugiados e desertores encontrassem abrigo seguro ao longo da Costa Brava guianense, que sempre foi um paraíso para as mais antigas populações costeiras, como a Paricuria, por exemplo. 

Ali também, em 1885, o aventureiro francês Jules Gross viria agitar a questão de limites entre o Brasil e a França, propondo criação da República do Cunani, com uma pequena população quilombola liderada pelo crioulo paraense Trajano Benitz a ser um protetorado francês. A grande inconsistência da proposta fez o plano cair por terra diante do desinteresse do governo francês. Contudo, nos começos de 1893 Cunani que está em paz e quase esquecido da tal república com sua população de cabocos brasileiros vivendo da pesca nos lagos e extração de grude de peixe. Quando de repente, a notícia de descoberta de ouro pelos garimpeiros de Curuçá, Germano e Firmino Ribeiro, em Lourenço, agitou a população. Em poucos meses, de 600 habitantes Cunani chegou a 5 mil almas. 

O acontecimento provocou inúmeros incidentes locais, como o conflito de 15 de maio de 1895, que terminou em vitória dos brasileiros e forçou a solução da questão do Contestado franco-brasileiro que se arrastava da época colonial, através do laudo arbitral de Berna, de 1º de dezembro de 1900. Assim, a região entre o Oiapoque e o rio Araguari foi incorporada ao território do Estado do Pará com nome de Araguari. 

Todavia, o descuido e abandono da região pelo governo brasileiro permitiu que outro aventureiro, desta vez o francês naturalizado brasileiro Adolph Brezet, ressuscitasse a república de Cunani, em 1902, instalado em Paris ele passou a nomear funcionários, agitar os espíritos e vender títulos a incautos. Uma representação do governo brasileiro fez com que governo francês acabasse com a vigarice de Brezet e também a segunda república de Cunani foi rapidamente dissolvida. Com a II Guerra Mundial, tendo em vista a defesa da fronteira, o Amapá foi desmembrado do Pará para constituir o Território Federal do Amapá, em 1943, sendo transformado em Estado do Amapá pela constituição federal de 1988.

Durante a ocupação da França pelos nazistas sob o governo de Vichy, as Antilhas e Guiana francesa ficaram isoladas da Europa. Foi um tempo duro para os guianenses, com crise de abastecimento e muitos jovens recrutados para lutar ao lado da France Libre sob comando general Charles De Gaulle, tinham que esperar raros navios vindos da África do Norte com alguma mercadoria ou as "tapouilles" do Amapá e Pará. O cônsul honorário do Brasil em Caiena, dentista Dr. Pacheco casado com francesa; passou a ter um papel de grande importância para receber e distribuir mercadorias da praça de Belém do Pará. Nessa ocasião, os Estados Unidos começaram a construir rede de bases aéreas ao longo da costa a fim de operar a travessia do Atlântico entre Natal, no Rio Grande do Norte, e Dakar, no Senegal. Submarinos alemães passaram a atacar e afundar navios junto a costa brasileira e das Guianas, suspeitos de carregar cimento, ferro e mercadorias para construção de bases aéreas aliadas. Foi assim, que o navio "Antonico" da praça de Belém; corregando cimento para a base do Suriname e abastecimento de Paramaribo foi atacado na foz do rio Maroni, na fronteira com a Guiana francesa. Tendo o submarino emergido a fim de observar as avarias da embarcação torpedeada, a tripulação e alguns passageiros foram metralhados por atiradores da ponte do submarino. Uns poucos sobreviventes resgatados com vida foram levados, segundo consta, para hospital francês em Saint Laurent du Maroni.

Durante a colonização da Costa Brava, algumas povoações foram fundadas como Berbice, em 1627, e Essequibo, em 1632, todas nas margens de rios longe do litoral. Em 1615, os primeiros holandeses desembarcam perto da foz do rio Suriname e fizeram uma pequena feitoria, que logo abandonam e o mesmo aconteceu com os ingleses em 1630 e 1650. Idem com os franceses em 1640, e com os Judeus portugueses, que chegam em 1666 trazendo o cultivo do tabaco e do açúcar. As tentativas holandesas e depois inglesas, desde 1599, no Xingu com os fortins de Orange e Nassau, em Gurupatuba (Monte Alegre, no Baixo Amazonas), Mariocai (Gurupá, Marajó), Cumaú (Amapá) falharam diante do arrojo de arqueiros Tupinambás aliados aos portugueses do Pará: levando a cabo, entre 1623 a 1647, a guerra de expulsão aos estrangeiros, começada com a tomada de São Luís do Maranhão, em 1615, que só chegaria ao fim com a paz dos Nheengaíbas (1659), no rio Mapuá (Breves, Marajó) sob iniciativa do Padre Antônio Vieira, em missão da tutela dos índios do Maranhão e Grão-Pará nos termos da lei portuguesa de abolição dos cativeiros indígenas na Amazônia, de 1655.
Após a segunda guerra anglo-holandesa, iniciada em 1665, e da Paz de Breda em 1667, foi acordado que toda Costa Brava passaria a ser posse das Províncias Unidas, mais particularmente da
província holandesa da Zelândia, enquanto a Nova Amsterdã (depois Nova Iorque) na foz do rio Hudson se tornaria colônia britânica. Então, naquele ano o capitão holandês Abraham
Crijnssen conduziu sua frota pelo rio Suriname. A segunda Companhia das Índias Ocidentais comprou a Costa Brava dos zelandeses em 1682, e cedeu a terça parte do direito de colonização à cidade de Amsterdã e uma terça parte à família Van Aerssen. Em 1683, embarcaóu rumo a Guiana o futuro governador Aerssen Van Sommeldjik. Até sua morte, em 1698, a Costa Brava foi deveras colonizada. 

Quando ele chegou se deparou com uma colônia com apenas 27 casas sendo mais da metade bares e o forte Zelândia ocupado por marinheiros e soldados sem as trepidações da guerra. O governador da Guiana holandesa, então, começou sua revolução: organizou expedições fazendo com que a Companhia se instalasse de fato nas quatro principais regiões da colônia: Suriname, Essequibo, Demerara e Berbice; venceu as guerras contra os índios, expandiu a colonização, fundou povoados e fomentou a imigração. Mas, na década de 1680 teve início uma relação peculiar de guerra e paz entre holandeses e índios Galibis, os colonos realizavam ataques contra embarcações com bandeiras espanhola
ou portuguesa para capturar os indígenas. E estes vendiam aos holandeses escravos capturados em guerras entre nações indígenas (tal qual os Tupinambás em parceria com portugueses contra Nheengaíbas e mais Tapuias da bacia amazônica),
principalmente contra os Poytos. Evidentemente, se reproduzia nas Guianas a velha guerra das Antilhas entre Kalinas e Arawaks. Isto gerou um clima de rivalidade entre colonos e indígenas. Por muito tempo holandeses e galibis foram aliados na escravização de
indígenas Arawaks. Os galibis passaram a morar nas periferias das plantações holandesas, capturando escravos que tentassem fugir do cativeiro. 

A sede de lucro e ganância dos holandeses fez com que o estoque de escravos fosse contrabandeado ao Brasil. Desta maneira, com a escassêz de mão de obra começou então a escravidão dos antigos aliados Galibis. Esta atitude gerou grande descontentamento e teve por consequência diversos ataques contra os holandeses. Um processo semelhante ao que aconteceu na relação entre portugueses e tupinambás. Por fim, uma guerra civil que termina com
a morte do governador Sommeldjik em 1698 e o decréscimo da
população indígena levando ao aumento da população escrava  vinda de Angola, Congo e Senegal quando, então, se implanta o cultivo de algodão no Suriname.

Em 1712, Paramaribo foi tomada pelos franceses comandados pelo capitão Jacques Cassard. Pelo lado português, no Rio Negro e no Rio Branco até o Essequibo o cacique Ajuricaba dos Manaus estava em guerra contra as "tropas de resgate" (caçadores de escravos guiados pelos tupinambás) e a tropa de guarda costa perseguia Guamã, cacique dos Aruãs e Mexianas da ilha do Marajó, até a fronteira do Oiapoque. No Suriname, o estado geral de conflito foi oportunidade para fuga em massa e revolta escrava, juntando indígenas e africanos contra os colonos holandeses. Estes também se revoltam contra altos impostos cobrados, fatores que contribuíram para abandono da colônia. 

No mesmo ano foi pago resgate, em mercadorias e escravos, avaliado em 747.350 florins. Mas, cada vez mais insatisfeitos, os "bush negroes" (escravos fugidos) a partir de 1730 começaram, a partir de 1730, a intensificar as insurreições contra os
colonos. Estes em inferioridade numérica acumularam derrotas humilhantes. Em 1749 assinaram a paz com os Saramakas, quilombolas assentados às margens do rio Saramaca. Em 1760, tiveram que se fugiar no forte Zelândia e assinaram a paz prometendo pagar tributos aos Aukaners, estes em troca deveriam prometer lealdade e devolução de novos fugitivos, formando patrulhas e prestando serviços contra novas insurreições.
Contra mal das patrulhas de ex-escravos em papel de capitães do mato, um exército mercenário foi contratado: a Brigada Escocesa. Mas, com as guerras napoleônicas, no fim do século XVIII, a derrota da primeira coligação fez com que as Províncias Unidas formassem a República da Batávia e, consequentemente,
uma posse francesa.

Durante grande parte do processo histórico holandês sua economia estava baseada no mar, inicialmente a pesca e depois o comércio que ia do Mar Báltico ao Cabo Verde, entrando pelo mediterrâneo até as costas da Turquia e Palestina. Muitas viagens eram organizadas por mercadores neerlandeses das cidades de Amberres e de Amsterdã. Noutros casos, seus barcos eram contratados por mercadores de várias nacionalidades e desta maneira, alugando embarcações para transporte de cargas a serviço de portugueses
e espanhóis; navegadores holandeses chegavam a terras além dos mares europeus.
Conhecendo rotas distantes, sistemas de vento e navegação e territórios, os holandeses preparados com a construção naval mais adiantada para necessidades mercantis e apoiados em companhias comerciais do próprio país lançam-se ao mar em busca de um objetivo único: o comércio marítimo. O mar de arenques, por exemplo, enquanto a agricultura era atrasada e o inverno secava a terra foi a grande escola de formação econômica da Holanda. O arenque se tornou um símbolo holandês e sua produção e conservação dependiam de sal extraído das salinas de
Setúbal (Portugal) criando complementaridade entranhada entre os dois povos marinheiros e pescadores. Tal pesca exigia grande conhecimento visto que o Mar do Norte impunha difícil
navegação durante o inverno e desta forma a navegação neerlandesa se tornou especializada e respeitada.

com quantos paus se faz uma canoa?

Guillerme de Uselinx era um militante calvinista com ideias muito avançadas para sua época. Ele propunha tomada de possessões espanholas e portuguesas dando o exemplo da tomada da Guiana com objetivo de povoá-la com famílias emigrantes alemãs e dos
Países Bálticos. Todavia, sua sugestão não foi aprovada pelo Estado Holandês que na época desejava manter a trégua dos doze anos. Para Uselinx “a nova colônia estava destinada a ser um bem para os perseguidos, um refúgio para a honra das mulheres e filhas dos expulsos de seus países pela guerra e pelo fantasma religioso, e uma benção para o homem do povo e para todo o mundo protestante”. Pode-se apostar que o pensamento de Uselinx era quase geral em meios de judeus pobres e cristãos-novos perseguidos pelo Santo Ofício. As ideias milenaristas de Joaquim de Fiore haviam contaminado os guetos e se filtravam para criar a teoria de que os índios do Novo Mundo descendiam dos judeus do cativeiro da Babilônia...

Muitos desses sonhadores quebravam cabeça para inventar algo diferente do que fora a longa experiência de exclusão e perseguição. Sobre o trabalho a ser empregado nessas colônias a serem confiscadas aos espanhóis e portugueses, Uselinx pensava num sistema em que os índios seriam trabalhadores assalariados. Na sua análise sobre a colonização na América percebeu que “nas Índias se executam a maior parte do trabalho por meio de escravos que custam muito, trabalham com resistência e morrem logo que sofrem maus tratos de seus amos, estava seguro de que seria muito proveitoso o uso de um povo livre. Além do mais, o escravo não deixa outro proveito que seu trabalho, porque sendo desnudo, nada adquire e nem necessita das industrias.”

Guillerme de Uselinx tinha por objetivo uma colonização holandesa nas Américas donde, de certo modo, a Companhia das Índias saiu a 3 de Julho de 1621 (ano da criação do Estado-Colônia português do Maranhão e Grão-Pará), porém no geral seus ideais não foram colocá-los em prática. Ao contrário, desde o século 16, feitorias neerlandesas e comércio de escravos na África e Américas primam por um pragmatismo absoluto. No início do
século XVII, a Holanda toma posse dum pedaço da Guiné onde construíram o forte Nassau e a partir daí holandeses passaram a ocupar diversos locais no litoral da África. Durante a ocupação do Brasil, na década de 1630, conquistaram importantes territórios como São Jorge de Mina, ilha de São Tomé e Angola aproveitando a experiência da antiga parceria com os portugueses.
É importante perceber que a partir daí, a Holanda passa a ser um
importante distribuidor de escravos africanos no Novo Mundo praticando o comércio de escravos. Principal motos da colonização da América. Existiam três rotas principais do tráfico holandês: uma  que seguia para Curaçau e dali se repartiam escravos para a Guiana, Venezuela, Colômbia, Costa Rica e Caribe, o trato negreiro nesta área aumenta depois da retirada dos holandeses do Brasil. Uma outra rota ia para o Brasil e permaneceu ativa até 1654, ano da expulsão dos holandeses de Pernambuco. A terceira era
vista na Nova Amsterdã (Nova Iorque) que servia de entreposto comercial a colonos ingleses da Virgínia.
Esses escravos foram usados nas colônias holandesas, principalmente no Brasil açucareiro, quando em meados de 1630, colonos naturais da Holanda conservavam aversão
escravidão influenciados pelos ideais liberais do comércio, assim como o pensamento de Guillerme de Uselinx e seus ideais calvinistas. Porém, com o passar do tempo, a escravidão em território holandês era vista como característica comum àquela sociedade, os exemplos estão na quantidade de escravos no Suriname e em Curaçau.

o Quinto império ou o desenvolvimento sustentável

António Gonçalves Annes Bandarra (1500 - 1556), conhecido por Bandarra, foi um profeta popular, natural de Trancoso, Portugal. É uma figura histórica, sapateiro de profissão e dedicou-se a fazer trovas messiânicas de matriz no milenarismo Joaquimita. Tinha ele conhecimento do Antigo Testamento do qual fazia livre interpretações. Por causa disso, foi réu da Inquisição sob acusação de judaísmo e suas trovas foram parar no catálogo de Livros Proíbidos, já que suscitaram interesse entre cristãos-novos. 

Bandarra foi inquirido no este tribunal do Santo Ofício, achado sem intenção de ofender a Cristantade, mas ainda assim obrigado a ir em procissão do auto-da-fé, de 1541. E nunca mais se meter a interpretar a Bíblia ou a escrever sobre assuntos de teologia.
Sua obra chamou-se "Paráfrase e Concordância de Algumas Profecias de Bandarra" editado por D. João de Castro. A obra foi mostrada como profecia do regresso do Rei D. Sebastião, após seu desaparecimento na batalha de Alcácer-Quibir, em agosto de 1578. As Trovas do Bandarra influenciaram o pensamento sebastianista e messiânico do Padre António Vieira e a poesia de Fernando Pessoa. São três pontos da obra profética de Bandarra: o Quinto Império, a ida e regresso de el-rei D. Sebastião e os destinos de Portugal. Após ser pelo Santo Ofício, em 1541, ele recebeu pena de silêncio e retornou retornou a vila de Trancoso onde faleceu em 1556. Depois de morto, incendiou o povo português com o sebastianismo encarnado na pessoa do conde de Braga, coroado rei Dom João IV, o Restaurador da independência de Portugal, em 1º de dezembro de 1640.

Com a morte de Dom João IV, em 1656, o Padre Antônio Vieira, no Pará, retoma o movimento profético de Bandarra anunciando o Quinto império, em carta secreta chamada As esperanças de Portugal, na qual se cruzam a ideologia sebastinista e a teoria do rabino português de Amesterdã, Menassé ben Israel, no livro As esperanças de Israel, dizendo este que os índios americanos são descendentes das tribo perdidas do Cativeiro da Babilônia. Na verdade, a prodigiosa imaginação barroca do "paiaçu dos índios" encobria reais preocupações econômicas que não estão longe das ideias humanitárias do calvinista Guillerme de Uselinx; a fim de remediar as combalidas finanças de Portugal e garantir a independência da monarquia lusa.

Na Amazônia portuguesa, romper a linha de Tordesilhas e conquistar o Rio Babel das "almazonas" era necessidade vital de afastar da grande artéria entre o Peru e o Atlântico o concorrente Herege (numa palavra, holandês). Além do mais, a vinda do missionária fora uma espécie de penitência por causa do "papel forte" (conselho ao rei para entregar Pernambuco a Holanda em troca do reconhecimento da independência de Portugal). 

Mas, Tordesilhas pesava nas relações entre Lisboa e Madri. Era uma espécie de espada de Dâmocles sobre o trono português. Uma linha imaginária passando sobre Laguna, em Santa Catarina, ao sul e Belém do Pará ao norte, tangente à ilha do Marajó: daqui a oeste deixaria toda Amazônia no domínio espanhol. Por isto, em 1498, o rei de Portugal, Dom Manuel I, mandou o cosmógrafo Duarte Pacheco Pereira que fora conselheiro dos negociadores portugueses em Tordesilhas (1494) vir realizar observações "in loco" a fim de descobrir o Brasil - que estava achado e guardado em segredo -, para efeito da navegação do caminho oriental das Índias.

O cosmógrafo português fez um manuscrito reivindicando recompensa por serviços prestados à Coroa, com título de Esmeraldo Situ Orbis, no qual relata lugares por ele visitados durante a missão de observação astronômica e mapeamento para fins de segurança dos achados lusitanos ultramarinos. Sobre a parte que viria a ser o "descobrimento" (no sentido de revelar o que antes fora achado) do Brasil ele escreveu, no segundo capítulo da primeira parte da obra, trecho indicativo da região que hoje corresponderia ao norte brasileiro, nos confins entre o quinhão de Portugal e o de Castela, segundo o tratado:
"Como no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde nos vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é achada e navegada uma tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada. Tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura, que de uma arte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela. É achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os navios nestes Reinos vem grandemente povoados."
 Aí também o piloto e sócio de Colombo, Vicente Yañez Pinzón, chegou em janeiro de 1500 quando Pedro Álvares Cabral ainda não havia feito o descobrimento e marcado a terra com o padrão de Portugal em sua viagem a Índia. Cumpre observar que o interesse do Brasil era só a faixa costeira como escala da chamada "carreira da Índia" e o potencial de pau-de-tinta vermelha, semelhante ao cobiçado mineral brazyl antes extraído pelos irlandeses e comercializado na Europa por mercadores fenícios. 

Os confins amazônicos, então, nasceram sob signo de uma ultraperiferização: periferia da periferia tordesilhana, que era o nordeste brasileiro costeiro. Antes, para vir finalmente ao periclitante comércio das Guianas até nossos dias, convém reter na memória as causas econômicas e políticas que levaram a República Marítima de Veneza a investir na chamada escola de Sagres em busca da rota marítima para as Índias e, posteriormente, o nascimento do fenômeno cristão-novo decorrente da Reconquista e do descobrimento da América. 

A queda de Constantinopla para os turcos, em 1453, fez com que mercadores de Veneza se voltassem para Portugal devido sua situação geográfica e seus marinheiros afeitos à pesca de alto mar até terras distantes do bacalhau. Os capitais que floresceram em Veneza se deslocaram a outras praças assim que o comércio do Atlântico, com os descobrimentos marítimos, entrou em cena e o comércio do Mediterrâneo em decadência.
O acordo luso-castelhano, homologado pela igreja romana, desagradou a todos mais reinos da Europa, principalmente a França, cujo rei Francisco I, protestou contra o que ele chamou de "testamento de Adão". E, inclusive, a própria corte portuguesa sentiu-se esbulhada diante do poderio de Castela beneficiada do golpe de Colombo, que aparentemente sabedor da espionagem recíproca entre Lisboa e Madri e das explorações náuticas baseadas antes na ilha da Madeira do que da famosa Sagres; pretendeu passar à frente de todos navegando para ocidente: ora, os cartógrafos de Dom Manuel estavam avisados do sucesso da viagem de Vasco da Gama... Todavia, mesmo assim, a "linha" de Tordesilhas perdurou de 1494 até 1759, sem jamais ter sido determinada no terreno nem sendo respeitada pelo inferiorizado Portugal, sobretudo após a morte de Dom Sebastião em sua aventura suicida no Marrocos, que levou ao domínio da Espanha durante a União Ibérica (1580-1640).

Apesar de tudo, à sombra de Tordesilhas Portugal conheceu o apogeu comercial do chamado período Manuelino contando inclusive com o concurso italiano próximo da elite de Lisboa e a França contestatória da hegemonia ibérica passaria a favorecer corsários e flibusteiros sempre dispostos a saquear e pilhar, como os piratas do Caribe amparados pela Inglaterra.

Nada disto, todavia, é comparável ao monstruoso genocídio ameríndio e cativeiro africano nas Américas que viria a seguir ao Descobrimento. A história da infâmia foi escrita com sangue, suor e lágrimas dos bárbaros vencidos pela santa aliança entre o Trono e o Altar. Quando as caravelas de Colombo fundearam no Caribe já de muito tempo a canuá com vela de jupati (fibra de palmeira Rhapis excelsa) singrava o mar das Caraíbas e vagarosas ubás circulavam pelos rios do Novo Mundo que era velho e povoado há uns dez mil anos. Do choque cultural da colonização a caravela (igara), ela mesma uma poderosa inovação da velha vela mediterrânea quadrada para a vela latina triangular;

A Corrente Equatorial Marítima é resultado físico do movimento de rotação da Terra, fazendo com que as bacias marítimas dos dois hemisférios do oceano Atlântico girem em sentido horário no Norte e em sentido anti-horário no Sul. Na zona intermediária, sob o equador, as chamadas "calmarias" dos nautas lusitanos ou "zona tórrida" das Antípodas; conforme as variações do eixo terrestre nas quatro estações do ano; oscila vasta massa de águas superficiais vindas do norte através das Canárias e do sul, em sentido contrário, pela contracosta da África ocidental até cerca do Cabo Verde donde se forma a dita corrente equatorial. 

Diante da costa norte brasileira, pela altura da região do Salgado Paraense; a corrente equatorial se divide na Corrente Brasileira até o extremo-sul retornando para o nascente. Este fenômeno geográfico teve enorme efeito histórico para descobrimento do Caminho Marítimo das Índias permitindo dobrar o Cabo das Tormentas, depois da Boa Esperança (África do Sul) para penetrar o oceano Índico.

Para o norte a repartição do movimento das águas - rio salgado correndo dentro do Mar - cria a Corrente das Guianas, irmã siamesa da Corrente Brasileira. Fontes generosas de cardumes, mangues, dunas, mariscos e aves aquáticas: mas, principalmente, de alimentos de populações tradicionais que vêm de um passado remoto de pelos menos cinco mil anos de nomadismo em busca da pesca e coleta de mariscos.

A magnífica Corrente das Guianas se caracteriza ademais por incorporar o gigantesco mar de água doce da bacia amazônica que sai mar afora pelo golfão marajoara empurrando o oceano a milhas distante da costa na Amazônia Azul. A riqueza pesqueira destas águas barrentas constitui na vida destes povos das águas um atrativo extraordinário. Para o Salgado Paraense, aquém da ponta da Tijioca ou Tijoca (ilha dos Guará, Curuçá) o Cabo do Norte tem fascínio particular nas comunidades de pescadores. Como se sabe, a Tijioca é o extremo sul da foz do Rio Pará oposto à ponta do Maguari, na margem ocidental da foz, na ilha do Marajó. 

O Rio Pará, entretanto, é o braço sul do rio Amazonas. Ou, para alguns geógrafos, estuário do rio Tocantins. De todo modo, a bacia amazônica tem um extraordinário valor para a biosfera e seu bioma, no que já se convenciona chamar a Amazônia Marajoara; corresponde a um complexo delta-estuário que deu nascimento à primeira cultura complexa (cacicado) da Amazônia. Aqui, a Floresta Amazônica e o Mar Territorial se confundem, sobretudo, na faixa de transição de várzeas, campos alagados e mangais por forças da maré. O Cabo do Norte (Amapá), Marajó e Baixo Amazonas formam a Guiana Paraense para a qual a Corrente das Guianas tem função essencial desde sempre. A largura total da boca do Amazonas vai da dita ponta de Tijioca até o Cabo do Norte, rumo à costa brava.

O descobrimento da América, como se sabe, estremeceu toda Europa: a velha cristandade na Península Ibérica vinha de expulsar os árabes e os judeus com o fim da Reconquista a cabo de quinhentos anos de guerra. Inimizado com os mulçumanos e endividado com o judaísmo; o cristianismo viu no comércio das Índias a tábua de salvação. Eis o contexto histórico do "testamento de Adão" (tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 e revogado em 1750) sob bênção do papa espanhol Alexandre VI.

Por aí navegaram lendas gregas e fenícias, assim que a história do imperador negro Abu Bakari II e sua flotilha de caiaques no ciclo da teoria do segredo dos descobrimentos marítimos. Nossas Guianas tem história o que lhes falta é memória.

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(1) nome que, na Guiana francesa, é dada a embarcações regionais em madeira procedentes do Amapá e Pará, geralmente empregadas no transporte de contrabando ou de imigrantes clandestinos. Será talvez um nome crioulo derivado do tupi "tapuia" através do português.

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