DATA MAGNA DO PARÁ


Pará, 15 de Agosto de 1823: data magna?

A principal fonte bibliográfica acerca dos acontecimentos na Província do Pará até a Adesão à Independência não endossa opinião geral a respeito da data de 15 de agosto de 1835 – aliás, sequer cita este dia –, como evento máximo do processo de separação do Pará colonial do reino de Portugal para incorporação ao Brasil independente.

O ato que se comemora com o feriado estadual de 15 de agosto, ocorreu de fato na reunião palaciana de 11 de agosto a fim de deliberar, sob ameaça de bombardeio da cidade; a respeito da intimação do almirante Lorde Cockrane trazida pelo capitão-tenente John Pascoe Greenfell, da marinha inglesa. Ou, então, cinco dias depois, dia 16, na assinatura do termo de obediência ao imperador Pedro I.

Haveria outra explicação para a data de 15 de agosto? Ela não se acha na obra de Domingos Antônio Raiol. Minucioso e prolixo, Raiol não esqueceria. Ele desce a detalhes quanto aos antecedentes e quanto às conseqüências imediatas da adesão da Província do Pará ao Império do Brasil. Vê-se que o povo paraense, pela vontade da maioria, manifestou-se pela separação de Portugal de modo insofismável, a 14 de abril de 1835 em Belém. Sendo, entretanto, seus líderes aprisionados continuou a luta em Muaná, ilha do Marajó, sob comando de José Pedro de Azevedo, informa o historiador, que com contingente de aproximadamente 200 militantes “proclamou naquela vila, no dia 28 de maio, a independência do Brasil, sob a dinastia de D. Pedro I.”

Malgrado, condenação à morte de 271 nacionalistas presos e diversas internações de líderes paraenses para lugares longínquos, a adesão do Pará estava tomada desde então. Restava, todavia, derrotar a força militar colonial que se mantinha fiel ao regime constitucionalista português, para o que dom Romualdo Coelho fora eleito deputado às cortes e envidado a Lisboa.

Mas, a desumana ocupação colonial sofreu golpe mortal, quando o dito deputado, a exemplo de Patroni, voltou de Lisboa com mãos abanando e ainda mais com a grave notícia de que se tinha restabelecido o antigo regime absolutista com o fechamento do parlamento. No cristalino depoimento de Raiol: “Não existia, portanto, motivo algum, que pudesse justificar qualquer disposição hostil à independência. Os ânimos deviam ser-lhe favoráveis, e qualquer impulso estranho bastaria d’ora em diante para fazê-la abraçar”. É dizer, desfizera-se a quimera constitucionalista em Portugal e, no Pará, o partido português se reduzia a uns poucos comerciantes e militares coloniais.

Raiol diz mais, que diante da nova situação a junta provisória de governo, no dia 5 de agosto, convocou reunião de um grande conselho formado por todas autoridades provinciais para adotar conduta geral da Província.  O qual concluiu para manter o status quo até esclarecimento final pela metrópole e apenas substituiu na presidência Romualdo de Seixas, que seguiu a Lisboa para assumir cargo no conselho de estado; pelo tio deste, Romualdo Coelho, que acabava de retornar a Belém com a infausta notícia.

Mas, acrescenta: “De nada, porém, serviu o acordo tomado neste conselho. Cinco dias depois resolveu-se reconhecer a independência política do império no meio da aquiescência geral do povo paraense” (“Motins”, pag. 40).

No dia 10 de agosto fundeou na barra de Belém o brigue de guerra Maranhão, comandado pelo capitão-tenente John Pascoe Greenfell, com a missão de apoiar pelas armas o partido da independência. Ora, o partido da independência não podia ser outro do que aquele que, congregando civis e militares, se manifestara em 14 de abril e proclamou a adesão do Pará em 28 de maio! Nada mais havia a fazer, se não remover o único obstáculo que faltava e era, precisamente, parcela da tropa portuguesa hostil à vontade política dos paraenses.

algo obscuro aconteceu entre o agente inglês e o governo colonial

Em todo caso, a decisão da junta provisória foi uma rendição vergonhosa sob ameaça mais grave, que Cockrane enganava a todos esperando no Maranhão o retorno de Greenfell. Em contraste ao movimento popular 14 de Abril, descoberta a farsa a palhaçada da “data magna” encenada em conluio com o oficial inglês e a tal junta espúria iria terminar, em outubro, com atentado à vida do agente imperial, terrorismo deste para amedrontar o povo, humilhação pública do líder Batista Campos apeado do cargo e preso à boca de canhão; fuzilamentos aleatórios culminando na tragédia do brigue “Palhaço”, na morte de 252 patriotas asfixiados no porão do navio-prisão.   

Eis aí a traição que deu curso aos motins políticos com lances de guerrilha até eclosão, doze anos mais tarde, da revolução popular de 1835. Domingos Antônio Raiol, Barão de Guajará; autor do clássico “Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835” (1865-1868, reeditado em 1970) é justificadamente reconhecido como o historiador da Adesão do Pará à Independência do Brasil até a Cabanagem. Trata-se de uma obra pioneira sobre acontecimentos terríveis, onde o autor cujo pai pereceu nos tumultos extremos é inegavelmente membro da elite local. Ressalta assim seu esforço pessoal em busca de fontes fidedignas a respeito daquele período de transição nacional onde ele não trepida de acusar os responsáveis de provocar a ira dos miseráveis.

O historiador rememora o fato essencial de o povo paraense repugnar o regime colonial e a indispensável escravidão que o amamenta: pelo que, desde as primeiras notícias independentistas pelos irmãos Vasconcelos e a menção abolicionista disseminada pelo primeiro manifesto de Felipe Patroni de regresso de Lisboa, fazendo coro à independência americana e ao movimento federalista pernambucano; suscitou nítidas esperanças às classes ínfimas da população e fundados receios à elite colonialista.

Hoje, aos 188 anos após a Adesão, a releitura dos “Motins Políticos” nas vésperas do plebiscito a respeito do projeto de divisão territorial do Estado do Pará para criação de dois novos estados; deve servir aos paraenses para recuperar a consciência política perdida e o sentimento de luta e amor à terra natal, que nossos antepassados nos legaram. Inspiração segura para votar não à separação do Baixo Amazonas paraense e do Sul do Pará, em memória dos mortos da nossa plena união federativa ao Brasil republicano e independente.

Da mesma maneira, como os coloniais logo se deram conta do logro da frota imaginária do almirante Lorde Cockrane supostamente fundeada na barra ao largo de Salinas, que lhes havia intimado a render-se ao império do Rio de Janeiro; a sociedade paraense agora há de perceber a falsidade historiográfica da “data magna” em sua vã tentativa de enganar toda gente durante todo tempo, contrariando a sábia lição de Lincoln, que dizia: “pode-se enganar todo tempo alguma gente; algum tempo toda gente. Mas, não se pode enganar todo tempo toda gente”.

Raiol situa as origens dos motins do Pará entre 1821 e 1823 no contexto do conflito europeu entre republicanos e monarquistas, tendo a França e Inglaterra como principais beligerantes mundo afora. A opção de Portugal pela proteção da monarquia inglesa contra a França napoleônica é óbvia: motivo da transferência da sede do reino de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808, elevando a colônia à categoria de Vice-Reino.

Na Europa o bloqueio continental ao Reino Unido, por Napoleão, com a invasão da Península Ibérica não deixaria de fazer seu percurso. Monarquistas da Espanha e Portugal sob a asa tutelar da Inglaterra se agarram à América do Sul com unhas e dentes: Dom João VI, com a corte no Rio de Janeiro, em 1809, mandou tropas do Pará sob comando militar inglês e administração portuguesa invadir e ocupar a colônia francesa da Guiana: fato que traria conseqüências no Pará, de 1817 em diante, com o regresso das tropas “contaminadas” pelo ideais da República e informados da revolução dos escravos libertados por Toussaint L’Ouverture, no Haiti.

Se antes a dependência de Portugal a Inglaterra era patente, a partir da capital do reino no Rio de Janeiro a essa mesma se acentuou com a “abertura dos portos” às nações amigas (leia-se o Reino Unido). Assim, o Vice-Reino do Brasil se tornou o principal dique sul-americano para conter o ‘tsunami’ republicano desde a Inconfidência Mineira, condenação e morte de Tiradentes (1798).

A especificidade do estado-colônia do Grão-Pará e Maranhão (1751-1823) com seu regime de ventos e correntes marítimas no transporte entre o Pará e Lisboa, antiga metrópole; tornava muito difícil o governo da província pela nova metrópole brasileira. O Pará desde o povoamento inicial foi extensão ultramarina dos Açores, ilha da Madeira e do norte de Portugal com habituais migrantes da Galiza através do Minho. Os lisboetas iam para a Bahia e depois para o Rio de Janeiro. Não espanta, portanto, esta continuidade estranheza da Amazônia acrescido ainda do enorme desconhecimento do “rio das amazonas” e do clima equatorial pelos emigrantes, inclusive em Belém e Manaus.

Começa aí a incompreensão e incompatibilidade histórica que castigou os paraenses nativos desde a conquista e levou ao rompimento do regime colonial do Reino e depois à resistência armada aos desmandos do Império do Brasil, com a série de motins até insurreição paraenses de 1835/1936, sua repressão genocida com 40 mil mortos numa população de 100 mil habitantes e anistia de 1840, com o governo de Bernardo de Souza Franco, o primeiro paraense a governar a província rebelde. 





Uma foto de VICTOR
Solar do Barão de Guajará - sobrado de azulejos portugueses construído em 1873, estilo colonial, sede do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP) paça D. Pedro II s/nº, Cidade Velha.
Fonte: Pará: Brasil: Turísticos, Ecológico e Cultural. São Paulo: Empresa das Artes, 2006.


O caldo de cultura neocolonial da “data magna” do Pará

A ocupação anglo-portuguesa da colônia francesa da Guiana (1809-1817) está na origem da luta popular no Pará pela abolição da escravidão e pela autonomia regional. Ela deriva do nativismo independentista e do confronto entre monarquistas e republicanos na Europa, que se transferiu às colônias na África, América e Ásia até a independência e a instituição das repúblicas contemporâneas. Esta luta dilacerante do velho mundo se transferiu ao novo continente, onde os republicanos se impuseram aos monarquistas com Washington nos Estados Unidos e Bolívar na Grã-Colômbia (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia).

A independência monarquista do Brasil, em 7 de setembro de 1822; foi contragolpe assestado pelo maçom azul (monarquista) José Bonifácio à independência republicana concertada por Gonçalves Ledo através da maçonaria vermelha (republicana), em 20 de agosto do mesmo ano. É dizer, nas lojas maçônicas, as velhas potências imperiais na Inglaterra e na França pelejaram para manter controle sobre a ordem emergente na América do Sul.

Raiol informa as condições externas em meio às quais iria ocorrer a “adesão” do Pará: na verdade, falsa rendição dos coloniais em Belém do Pará no seguimento da rendição portuguesa na Bahia e no Maranhão à força naval do Lorde Cockrane, almirante inglês posto a serviço do auto-intitulado imperador do Brasil, Príncipe herdeiro do reino de Portugal, Dom Pedro I. É certo que o teatro da guerra na Europa iria se complicar com a cisão entre monarquistas absolutistas e liberais por uma parte, e republicanos radicais e moderados por outra; no Brasil o “grito do Ipiranga” produziu breve trégua com a convocação da assembléia constituinte de 1824, que iria novamente se agravar até a abdicação de Dom Pedro I e seu retorno a Portugal deixando o infante Pedro II, praticamente refém da oligarquia luso-brasileira no Rio de Janeiro.

Diz ele: “Proclamada a independência do império no Rio de Janeiro, era preciso fazê-la proclamar nas outras províncias. A evacuação das tropas portuguesas de todos os pontos do território brasileiro era indispensável para completar a obra da emancipação política do Brasil” (ob. cit. p. 11, tomo I)... o imperador, a instâncias de José Bonifácio. Criou uma armada, convidando para comandá-la o Lorde Cochrane por intermédio de Antônio Manuel Correia, cônsul brasileiro em Buenos Aires”.

O “convite” a que Raiol se refere; admite hoje outras palavras indo desde à pura “submissão” ao império britânico a simples “contrato” de mercenários como era costume antigo. Todavia, como Lorde Cochrane ele mesmo não poderia ser classificado de mercenário, cabe investigar o que ele fazia na guerra do Pacífico a fim de tomar Valdívia (Chile) e “dar” a independência do Peru aniquilando a esquadra espanhola.

Quando a mercenários propriamente ditos, no caso das guerras da Independência, certamente contratava-os o próprio Cockrane para os fins queridos por quem ele servia, sem nenhuma dúvida. A missão da armada de Cockrane era insofismável e se manifestou claramente na Bahia, no Maranhão e Pará. No desfecho, não faltou o episódio de tráfico de armas pelo navio mercante “Clio”, assaltado pelos cabanos em Salinas e motivo para pressão militar inglesa e sondagem para o governo cabano passar ao lado da Inglaterra, proclamando a independência da Amazônia! Canto de sereia prontamente repelido pelo presidente Eduardo Angelim.

Com o exemplo do passado, acautelem-se os paraenses sobre a criação dos estados de Carajás e Tapajós ou o território federal do Marajó com falsas promessas de progresso e emancipação “pra inglês ver”... : a tal “data magna” tem muito para nos fazer pensar.

Comentários

Postagens mais visitadas