Uma viagem ao país da Princesa (2).


Memória da ilha: chão atapetado de flores de Jambeiro da orla da vila de Algodoal, árvore plantado pelo 'seu' Fausto Teixeira, patriarca histórico da Ilha de Algodoal/Maiandeua (foto Beatriz Silva, 2018). 




41 anos depois de minha primeira viagem a Algodoal, em 1976, a florada do jambeiro - que eu havia visto recém plantado pelo senhor Fausto Teixeira, proprietário da maior casa de comércio da ilha, pareceu dar-me as boas-vindas como a um velho amigo de família de volta ao passado. Foi um reencontro, por certo, porém o velho jambeiro do finado Fausto Teixeira me diz que o tempo não para. A vila de Algodoal já não é mais a mesma que eu visitei pela primeira vez, há mais de 40 anos. 

Eu envelheci também, como tudo mais por ali. Só a saudade é a mesma. Pesquisas confiáveis indicam que a povoação da ilha teve início com ranchos de pescadores nos anos de 1920... Centenário do povoamento à vista, portanto, por voltas de 2020. À sombra do velho jambeiro em flor ocorreu-me pensar sobre o prazo final da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

E se, a par da encruada Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia que, encalhada nos meandros da burocracia estadual com a APA-Marajó a reboque não ata nem desata; a APA Algodoal-Maiandeua (criada em festas no ano de 1990), súbito, se tornar florão do desenvolvimento sustentável da Amazônia atlântica? Menina dos olhos do quatrocentão Grão-Pará... 

A ilha de Maiandeua é uma síntese do bioma da costa Norte no mar territorial brasileiro, distante por rodovia a poucas horas da capital Belém. Quer dizer, um estratégico sítio protegido com previsão de tornar as suas admiradas dunas em uma unidade de conservação integral, com título de "Patrimônio Natural Dunas de Algodoal". Penso como o ecoturismo de base na comunidade poderá tomar forte impulso como nunca, pela parte leste da ilha de Maiandeua em Fortalezinha, Camboinha e Mocoóca integradas a Algodoal; se sem mais demoras for finalmente asfaltada a rodovia PA-430 (Estrada do 40), passando pela vila de Martins Pinheiro, portal da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Campo das Mangabas. Desta maneira, o município de Maracanã ganharia maior expressão deixando de se encaramujar na sede municipal ao eleger a APA Algodoal-Maiandeua como seu principal filão de desenvolvimento municipal; assumiria protagonismo que jamais experimentou ao longo da sua história. 

O porto fluvial de Mocoóca, em águas calmas e matas verdejantes, logo se tornará via ecoturística alternativa à travessia Marudá-Algodoal na baia de Marapanim. Então, Magalhães Barata, Maracanã e Marapanim atuando em consórcio sob cooperação sistemática com a União e o Governo do Estado juntos chamariam atenção como atrativo do turismo internacional. Importante frisar que as comunidades locais não devem ser excluídas do processo de desenvolvimento, por isto o ecoturismo de base comunitária deve ser rebocador do turismo em geral, trazendo para região o mercado que ainda falta a fim de gerar empregos e renda necessários.

Não há dúvida de que sou um visionário e que críticas que meus delírios poéticos recebem, me dão dó dos cegos desafetos. Não lhes invejo o 'sucesso' que o padre Antônio Vieira reprovou no Sermão aos Peixes (São Luís-MA, 1654)... Vejo na encantadora ilha da Princesa, uma vocação ecoturística patente, inclusive para importante observatório oceanográfico perfeitamente compatível com o sonho de "universidade livre" em extensão multicampi saída do Colóquio Dalcídio Jurandir: 60 anos de Chove nos campos de Cachoeira (2001-2002), encerrado em Ponta de Pedras, terra natal do "índio sutil" apelidado por Jorge Amado no discurso solene do Prêmio Machado de Assis (1972), da Academia Brasileira de Letras (ABL) ao maior romancista da Amazônia. Sonhar não custa nada ou custa?

Com isto, quero significar o fato de que Maiandeua com sua notável posição para Geo-Park, como diria o geólogo marajoara Valter Avelar; está estrategicamente situada por obra da mãe Natureza entre as bacias hidrográficas dos rios Maracanã e Marapanim, lugar de singular encantaria da Princesa; na pátria natural da Criaturada grande de Dalcídio, como se sabe por Vicente Salles: "último moicano" da primeira fase da Academia do Peixe Frito (1930-1963). Vicente quando nasceu foi banhado com águas do Caripi (um dos igarapés formadores do rio Maracanã) e recebeu o nome indígena Juarimbu, de um cacique de etnia tembé, amigo de seu pai. O que me faz pensar nos habitantes nativos deste território antes da chegada de franceses e portugueses e, posteriormente, africanos a partir da política de povoamento do Diretório dos Índios (1757-1798). Descendentes de índios do Salgado ficaram "invisíveis" juntos e misturados a brancaranas e pretos... Pena que a "educação" ratuína que as autoridades do país descoberto por Cabral dão a esta gente causa violenta ignorância que assalta o futuro de crianças e jovens das comunidades outrora paradisíacas...


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Vicente Juarimbu Salles (27/11/1931 - 07/03/2013), nasceu na Vila de Caripi, município de Igarapé-Açu, nordeste do Pará e faleceu na cidade do Rio de Janeiro. Foi historiador, antropólogo e folclorista considerado um dos mais importantes intelectuais do século XX, da Amazônia e do Brasil. Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Quem me dera por graças da Princesa, poder entronizar "vovô" Vicente, Bruno de Menezes, Dalcídio, Nunes Pereira, Rodrigues Pinajé e todos mais rudes "acadêmicos" do Peixe Frito na escolinha maternal Sorriso da Princesa, que na vila o "cabeludo" Luan (7 anos de idade) me mostrou desafiando tiradas desconcertantes de seu irmão Lyan, dois anos mais velho e mais esperto que muita gente adulta "abestalhada" e doutorada na cidade grande... 

Ouvindo o zumbido matinal da nuvem de abelhas nativas que vão colher o néctar das flores de jambo, antes do sol aquecer; escutando canto de japu antes do galo cantar nos quintais e o gralhar exótico dos taquerês nos ninhos em riba da copa das altas árvores de cuinarana da beira; eu pude improvisar o zen Bubuia da minha meditação caboca, com que ao longo do tempo vou limando meu congênito carma de dois mundos... 

Sigo a pensar à beira mar: podemos nós de fato assumir compromisso em favor das comunidades ribeirinhas? Contribuir para despoluir o Oceano? Podemos pactuar organização de uma rede participativa de ecomuseus e museus comunitários, pensando sinceramente em espaços educativos desde a creche até o ensino superior à distância para comunidades periféricas? Sob a sombra amiga do velho jambeiro cá estou agora, que nem outrora meus filhos e sobrinhos com amigos de infância e adolescência acalentaram seus sonhos. Aonde vamos neste mundo indiferente? Temos medo de sair de casa e andar pelas ruas das grandes cidades... 

Sempre pensei em me aposentar e morar na bucólica ilha do Mosqueiro, fiquei feliz ao comprar uma casa na sexta rua e aliviado ao vendê-la, praticamente só o terreno depois da pilhagem e roubo, onde nem as telhas da casa ficaram. Mosqueiro não é mais bucólica... Marudá é um amor que se desvanece assaltada pela droga sem controle. O mal já atravessou para Algodoal e alastra-se. Contemplo a velha casa, a primeira construção em alvenaria, disseram-me. Pertenceu ela antes a um japonês que sabia fazer piracuí do temível baiacu, dizem. Geralmente chamados como baiacu, peixe-balão ou fugu, são peixes de família da ordem dos Tetraodontiformes. Nome científico que provém da língua grega significando "com quatro dentes". A dieta do baiacu consiste de algas, moluscos, crustáceos e outros invertebrados. O baiacu têm capacidade de inflar o corpo como um balão, quando se sente ameaçado. Os olhos e órgãos internos da generalidade destas espécies são altamente tóxicos, o que faz a sua fama mortal. Todavia, a carne deste peixe (designada pelo termo fugu) é muito apreciada no Japão e Coreia. Fato que pode talvez explicar a história do japonês de Algodoal, proprietário da primeira casa de alvenaria da vila. A mesma onde me hospedo agora e que era vizinha à casa do senhor Fausto Teixeira, hoje a Pousada Mitologia.

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A memória da vila do Algodoal diz que a casa do japonês passou à propriedade de um senhor chamado Bráulio que a deixou de herança para a senhora Lucy (Lucimar), esposa de meu colega de repartição Pedro Dias, quem me levou a conhecer Algodoal em 1976, emprestando-me a dita casa: caso interessante, pois naquela viagem o irmão menor de minha mulher, Moacir Iran, ainda adolescente nos acompanhou e se "encantou" pela casa; vindo meu cunhado a adquiri-la depois de algum tempo e agora foi nela (bastante modificada, foto abaixo) que me hospedei com minha família na viagem em tela. 



Quer dizer a "casa do Iran" na vila do Algodoal tem história e foi palco de muitos 'causos' da grande família veranista, sempre bem acolhida pelos "nativos". Aliás, cumpre registrar que, ao contrário de muitos lugares do interior paraense, a gente de Algodoal orgulha-se da qualidade de nativo permeada de parentesco com a extensa família Teixeira. O que remete à hipótese dos primeiros povoadores de Algodoal, nos anos 20, serem descendentes de casais açorianos chegados ao Salgado no século XVIII, com a colonização do Maranhão e Grão-Pará.

Apesar da informação generalizada segundo a qual o povoamento de Algodoal teria começado com ranchos de pescadores, nos anos 20; suspeito eu que o nome nativo de "Maiandeua" significa presença mais antiga de indígenas de língua tupi. Ideia perfeitamente coerente com outros topônimos locais, como "Mupeua", "Mocoóca" e outros. A lagoa e praia da Princesa, inegavelmente, revelam a mescla criativa de cultos e mitos afro-amazônicos onde se encontram juntos e misturados elementos de Tambor de Mina, o reco-reco indígena, e a religiosidade popular portuguesa ultramarina.

Adorei saber da existência da Escola Maternal Sorriso da Princesa, na vila do Algodoal, município de Maracanã: este município do Estado do Pará que já se chamou Sintra, imperiosamente, por imposição do Marquês de Pombal em conflito com os Jesuítas e retomou seu nome nativo. Assim que a briosa Curuçá, intempestivamente chamada outrora de Caldas da Rainha... Falei deste calo colonial em meu modesto ensaio Novíssima viagem filosófica (Belém, 1999), almejando boas relações descentralizadas entre municipalidades do Estado do Pará e de Portugal livres de colonialidade. Por aí a geminação de cidades e intercâmbio entre museus educativos pode favorecer um ecoturismo inteligente a par de viagens de estudo. Daí que a erradicação da pobreza deve ser um alvo prioritário.



Filho do maior rio do mundo com minhas raízes plantadas na maior ilha fluviomarinha do planeta - Marajó -, sinto-me em casa nesta pequena ilha filha do mar Salgado, onde a Princesa encantada com as mães da Natureza escolheu para morar junto a pescadores de antanho. Claro está que o carimbó praiano, pau e corda, é uma forma de oração na tradição de crenças e de costumes juntos e misturados dos quais os mestres Lucindo e Chico Braga foram seus principais profetas. 

Todo viajante do mundo deve saber que o retorno ao país natal é a melhor parte da viagem. Tartarugas marinhas parecem saber disto por instinto. Caso sobrevivam aos predadores e, agora, à infernal poluição do Mar-Oceano, elas sempre voltarão ao tabuleiro onde nasceram. O risonho Dico do Canal me diz, confirmando o adágio dos navegantes, que o melhor das regatas de canoas de pesca tradicional vem depois da corrida... O que já atiça novos desafios. Maiandeua, de fato, é uma ilha prenhe de musas a inspirar poetas e visionários.

Foi assim que, a rememorar o tempo passado com meu "xera" (xará) José Cristo de Souza (Zé Gudengo) na pracinha confronte ao Mitologia em face do velho jambeiro do Fausto Teixeira; eu me senti como Ulisses de volta à ilha de Ítaca. Pena que meu velho cão Thor Adamastor já tenha sido enterrado que nem Argos, na volta do herói da Odisseia. Por sorte, minha Penélope está comigo desde 1972. Sou agora com quase 81 anos de idade, um velho comunista marajoara chato e muito enxerido por conta da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir (1909-1079), na Universidade da Maré Mestre Vergara: uma espécie de cacheiro-viajante da nova museologia inventada em Paris pós-industrial por Georges-Henri Revière (1897-1985) e Hugues de Verine (1935), na década de 1970. Um delírio poético, portanto, querer vendeu o peixe de um ecomuseu numa comunidade de pesca tradicional...



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pátio interno da Pousada Mitologia, na vila de Algodoal, ilha de Maiandeua: edificada no antigo terreno da casa de comércio e morada de Fausto Teixeira.

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