Tecendo a manhã: rede Amazônia de canoagem e memória de lugares históricos.


Orla da Vila de Benfica (Benevides, região metropolitana de Belém do Pará), primeira reunião com o Ecomuseu da Amazônia, em 1º/12/2017, a fim de organizar ecomuseu da comunidade na antiga Aldeia dos Sapararé. Um oásis ecoterapêutico para a gente ficar bem na vida.



A trama dos ecomuseus e museus comunitários saiu do vetusto seio dos museus tradicionais da França industrial em crise da pós-modernidade. A falta de ar fresco levou ao primeiro passo em busca da ecocultura perdida. O saber fazer boa convivência entre Cultura e Ecologia deve ser a tomada de consciência do bem e do mal inatos na natureza humana. Amar o bom e o justo, odiar o mau e o perverso que existe dentro da "persona" (máscara, pessoa) de cada um de nós. Aprender a desistir da vã ilusão de dominar a Natureza e deixar fluir a resiliência do habitat comum a todos seres vivos, se desapegar para regenerar o velho mundo. Et pour cause, a invenção do ecomuseu:

"Alguma coisa se modificou com o movimento da descolonização", afirma François Mairesse (2002:101) ao tratar da "nova museologia", movimento que eclodiu na França nos anos 1980, aliado às novas experiências de museus que já vinham sendo colocadas em prática desde os anos 1960. De fato, a descolonização dos museus, à qual se referiram alguns museólogos que pretendiam fazer uma museologia de vanguarda, diz respeito a um conjunto de conceitos que tinham o objetivo de revolucionar a prática museológica do final do século XX, tais como o de "participação da coletividade", ou o de "identidade cultural". 

Tais noções não foram incorporadas a discursos museológicos e às ideologias apenas nos países periféricos; ao contrário do que se pode pensar, elas tiveram suas primeiras aparições a partir de experiências inovadoras entre os museus dos países industrializados. O projeto central que se impõe ao "novo museu", segundo Mairesse, consiste na busca pelas "origens" de uma cultura submersa, "seja ela rural ou industrial, das periferias ou de favelas" (Mairesse 2002:103). Por envolverem um tipo de imersão das pessoas em sua própria cultura e um contato íntimo com a memória, esses museus tiveram que contar com o suporte da etnologia e, de fato, se desenvolveram como uma alternativa iconoclasta aos museus etnográficos clássicos, principalmente por romperem com a lógica do olhar do Outro sobre o patrimônio ali apresentado.


Tendo como berço a França pós-colonial, em sua origem o "ecomuseu" representou a utopia da democratização da memória, por meio de um mecanismo museológico inclusivo que tinha por objetivo principal o de dar a palavra àqueles que apenas raramente partilhavam da cena da História. Este museu de vanguarda, nos anos 1970 e 1980, voltou-se para aquelas que haviam sido consideradas até então as "culturas dos Outros", culturas silenciadas e deixadas à margem de qualquer tipo de musealização. O ecomuseu é "inventado" no momento em que um novo discurso sobre a ideia antropológica de cultura é formulado, o momento da disseminação de uma contracultura, e da emancipação da cultura popular na Europa. 

Em regiões do dito "terceiro-mundo" como a América Latina, novas expressões de museus que rompiam com o modelo clássico importado pelo sistema colonial começam a ganhar ênfase e a interrogar a "museologia tradicional" - que tinha como paradigma o modelo de museu tradicional, fechado em suas próprias coleções materiais, atendendo aos valores específicos das elites culturais. A cultura no sentido antropológico do termo se sobrepõe à cultura erudita das elites, que até então dominava a cena dos museus." -- Bruno Brulon,  A INVENÇÃO DO ECOMUSEU: O CASO DO ÉCOMUSÉE DU CREUSOT MONTCEAU-LES-MINES E A PRÁTICA DA MUSEOLOGIA EXPERIMENTAL, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (UFRJ).

Não espanta que o Museu do Marajó, inventado em 1973, e que poderia ser considerado ecomuseu avant la lettre tenha em sua história uma narrativa de contracultura extraordinária, transformando "cacos de índio" (fragmentos de peças cerâmicas extraídas para levar a museus e outros fins menos dignos) em objeto de reconstrução artesanal. Na proposta de Benfica (Benevides), o exemplo de um fragmento do espaço-tempo da história social da região amazônica ocupado por antigas famílias de moradores da Vila de Benfica (Benevides,) [ver - http://republicaveropeso.blogspot.com.br/2017/10/uma-historia-de-guerra-e-paz-na-aldeia.html]. Poderíamos ter aí da ruína do passado um futuro possível através da ponte para uma "cidade educadora", verdadeiro campus socioambiental no lugar que outrora foi aldeia da missão dos Jesuítas, nos séculos XVII e XVIII, junto aos índios Sapararé. 

Esta boa gente foi etnia ribeirinha vizinha dos Tenoné, índios do Pará que primeiro acolheram o fundador da cidade de Belém do Grão Pará, Francisco Caldeira Castelo Branco, capitão-mor do Rio Grande do Norte, vindo do Maranhão, guiado pelo francês Charles Des Vaux amigo e tradutor da língua dos tupinambás, na véspera de 12/01/1616 (ver José Varella, Amazônia Latina e a terra sem mal: Imprensa Oficial do Estado, Belém-PA, 2002; p. 11). O piloto francês de La Ravardière viu-se obrigado a guiar os portugueses da jornada ao Pará e a aconselhar os índios para manter a paz e colaborar com os novos colonizadores de acordo com o fim da França Equinocial (1612-1615), durante graves tratativas com os índios do Pará para escolha de sítio adequado ao plano português de ocupação da região, que o Forte do Presépio (Fortaleza do Castelo) representa. 

Os índios Tenoné, Sapararé, Murubira e outros habitantes do Pará nativo receberam bem, inicialmente os Mayr (franceses) e depois os Peró (lusos); na fiança de que eles aliados aos estrangeiros podiam logo ir à guerra contra os Nheengaíbas (falantes da "língua ruim") nas Ilhas. Os bravos tinham nomes de famílias indígenas locais fazendo parte, provavelmente, da grande nação Tupinambá: guerreiros da utopia da Yby Marãey ("terra sem mal"), o lugar mítico procurado desde o Paraguai antigo onde não há fome, escravidão, doença, velhice e morte. Mito fecundante da brasilidade que ainda poderia inspirar, na Amazônia, os esforços nacionais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) acordados pelo Brasil com a ONU. Os Tupinambás, sem favor nenhum, foram os primeiros conquistadores do Maranhão e Grão-Pará (ou seja, da Amazônia colonial portuguesa). 

Não é interessante, nas confusões da história colonial, que descendentes de velhos guaranis migrantes no Grão-Pará tenham sido arrastados talvez sem saber, como "voluntários da Pátria" para lutar pelo Império do Brasil na distante Guerra do Paraguai? A Benfica paraense é um lugar para a gente ficar de bem com a vida e com a própria memória da localidade. Uma pequena e simpática comunidade de 1600 almas, aproximadamente, nos dias de hoje e cerca de 300 habitantes quando foi elevada de aldeia à vila, em 1758.

Ora, este oásis no deserto implantado e asfaltado de fora para dentro está cercado de muros e dividido pelo apartheid de ricos condomínios, sítios e chácaras particulares em contraste com aglomerações urbanas da região metropolitana, onde violência e pobreza se misturam sob carma negativo. Para a comunidade empoderar-se do território não vale a pena fazer a guerra de David contra Golias, mas plantar a cultura de paz dialogando com a Ecologia e o Patrimônio. Carma, como se sabe, é uma muito antiga palavra em sânscrito, que chegou ao Ocidente através do Caminho da Seda, significando a cadeia de vidas e mortes ao longo do tempo desde existências pré-humanas. Haveria um "carma" do Caminho do Maranhão? Muitos acreditam que o "carma" de uma pessoa é castigo por maldades cometidas em vidas passadas: de modo que não há saída possível ao indivíduo, como no sistema de castas da Índia. Mas, se admite que o "carma" é benéfico na crença da reincarnação. Todavia, independente de crer ou não nas leis que regem a sociedade humana e a natureza, o DNA e a história das nações explicam mais depressa o tal "carma" na cadeia de causas e consequências na vida de grupos, classes sociais e pessoas.

Mais recente que o carma milenar hinduísta, a palavra "ecologia" surgiu em 1866 com o biólogo, naturalista e filósofo alemão Ernst Haeckel (1834 - 1919), cientista positivista que se dedicou a popularizar o trabalho de Charles Darwin (1809-1882). Hoje a Ecologia penetra todas atividades da vida moderna, para o bem e o mal... Trata a parte da Biologia que estuda as relações entre os seres vivos entre si e destes com o meio ambiente. O termo vem da junção de duas palavras gregas: Oikos, que significa casa, e logos, estudo. Portanto, ecologia significa “estudo da casa” ou “estudo do habitat dos seres vivos. Ciência ampla e complexa, a Ecologia preocupa-se com o funcionamento de toda natureza. Inclusive a natureza humana e vários outros campos da Biologia, de modo que ela não é uma ciência isolada.

O primeiro resultado prático da Ecologia foi a criação do Parque Nacional de Yellowstoneem 1872, nos Estados Unidos. Estes vinham de passar pela guerra civil de 1861 e 1865, enquanto que na América do Sul, no mesmo período ocorreu a Guerra do Paraguai (1864-1870) com impactos na Amazônia. Carma ou História, a Guerra Civil Americana, também conhecida como Guerra de Secessão ou Guerra Civil dos Estados Unidos, foi uma guerra civil travada entre 1861 e 1865 nos Estados Unidos e a América do Sul também teve a sua secessão com reflexos diretos na pequena Vila de Benfica, como já se sabe.

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