O NOSSO MUSEU: FIEL DEPOSITÁRIO DA CULTURA MARAJOARA.

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imagem esquemática de um teso arqueológico na ilha do Marajó, ver link http://www.gentedeopiniao.com.br/mobile/amazonias/noticia/os-tesos-de-marajo/128143



Oxalá em futuro não tão distante, o povo marajoara seja premiado com a repatriação da cerâmica levada dos sítios arqueológicos da ilha ao exterior desde fins do século XIX. Esse dia da história do futuro será comemorado como sucesso da interiorização da Universidade Federal do Pará (UFPA) no Marajó, que começou na década de 70, com o Centro Rural de Atendimento Comunitário (CRUTAC), e levou à instalação do campus de Soure, em 1986, logo seguido do de Breves. 

No bojo da interiorização da UFPA, atividades de educação ambiental envolveram professores em atuação em escolas estaduais e municipais da mesorregião, assim que o todo da comunidade dos 16 municípios marajoaras. Com isto, realizaram-se dez Encontros em Defesa do Marajó realizados a cada ano nos referidos municípios, o último encontro em Ponta de Pedras encerrado com a assinatura da Carta do Marajó-Açu de 30 de abril de 1995. Esta Carta passaria a ser um dos principais guias de reivindicação da comunidade aos poderes públicos, dentre estes a proteção aos sítios arqueológicos e a difusão da Cultura Marajoara como elemento identitário do Estado do Pará. 

No ano anterior, dia 20 de dezembro de 1994, reunião da comunidade do Marajó na Pro-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará (PROEX/UFPA) considerou necessário iniciar trabalho permanente junto à comunidade em geral, inclusive na Capital; dando continuidade aos encontros anuais. Deste modo, o Grupo em Defesa do Marajó (GDM) veio a lume e posteriormente deu por finalizada sua atividade em 2014.

Com a Carta em tela reivindicando política de proteção aos sítios arqueológicos no Marajó, o Governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT) iniciou campanha de esclarecimento público a respeito da propriedade legal da União sobre sítios arqueológicos e bens de natureza histórica pré-colombiana. Mais tarde, o papel conferido ao MDM de fiel depositário de acervo arqueológico, serviu de base a convênio com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) a fim de captar recurso financeiro junto à PETROBRAS destinado à construção, em terreno de propriedade da Associação comunitária O Nosso Museu, de anexo destinado à Reserva Técnica do MPEG em Cachoeira do Arari.

Está visto, portanto, que já existe antecedente para cooperação técnica entre União, Estado e Municípios do Marajó. Que assim tal parceria estratégica poderá levar ao repatriamento futuro de cerâmica marajoara sob assistência e colaboração da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A repatriação de bens culturais é uma tendência mundial no momento. Todavia, para isto, o governo federal deveria criar, em Cachoeira do Arari, estrutura arquitetônica adequada à manutenção do acervo repatriado, abertura de exposição pública permanente para fins turísticos inclusive e educação patrimonial da comunidade marajoara integrada ao museu comunitário criado pelo padre Giovanni Gallo. 

Em suma, eu não estou dizendo aqui que o Museu do Marajó deva ser encampado pelo governo -, pelo contrário espero que o "museu do Gallo" continue sendo museu comunitário, com a comunidade e conservado pela comunidade -, amparado pelo setor público e privado a fim de cumprir seus estatutos originais deixado por seu fundador.

É verdade que, no passado, defendi a federalização do MDM num momento em que todos temíamos por sua sobrevivência e continuidade. Decorridos, entretanto, 15 anos da morte de Giovanni Gallo apesar das dificuldades havidas e dos conflitos ocorridos, hoje está claro que a comunidade de Cachoeira do Arari se empoderou e demonstrou capacidade para conservar e desenvolver a herança deixada pelo inventor do pioneiro ecomuseu de Santa Cruz, de 1973. O que precisa é de ampla concórdia e renovada fé nas gerações futuras da Criaturada e contar com círculo de amigos e zeladores capazes de motivar a responsabilidade social das instituições privadas e política das autoridades públicas.

Considerando hoje a avançada idade que tenho é pouco provável que eu ainda veja esse dia chegar, porém o importante é ter consciência de que meus modestos préstimos se somam a outros mais valorosos, principalmente de Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 10/01/1909 - Rio de Janeiro, 16/06/1979) e Giovanni Gallo (Turim, 27 de abril de 1927 - Belém, 7 de março de 2003): como Maria Dorotéa de Lima, Superintendente Regional do IPHAN, deu-me a honra de mencionar na publicação do Inventário Nacional de Referências Culturais - Levantamento Preliminar - Ilha do Marajó, 2007. Agradecimentos, textualmente: ".... Aos mestres Dalcídio Jurandir, Giovanni Gallo e José Varella que, com suas tantas histórias sobre o Marajó e sua gente, nos iniciaram, guiaram e orientaram na condução deste trabalho. Belém, junho de 2007". Coisas assim, para mim, mais que honraria e compromisso até o fim da vida.

No caso, não faço mais que minha obrigação em zelar pela obra de tão altos mestres e consagrar-me de corpo e alma à defesa da Criaturada. É importante que o Brasil e o mundo conheçam e protejam o patrimônio histórico e artístico da Amazônia Marajoara e saibam da obra de Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo entrelaçadas pela gente marajoara desde os inícios do ecomuseu de Jenipapo e Santa Cruz. A comunidade marajoara, sobretudo, unida e coesa poderá coroar de êxito o longo processo que já se avizinha de meio século: então, fazendo eco ao grito desta gente à margem da História, o Governo Federal em cooperação com a UNESCO, a par do reconhecimento da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia (RBMA), venha também a anunciar o repatriamento de cerâmica arqueológica marajoara interessando, diretamente, ao VER-O-PARÁ Plano Estratégico de Turismo do Estado do Pará 2012 - 2020, no que concerne à identidade cultural desta unidade federativa amazônica.

Na "Notícia Histórica" de 1783, o índio sacaca Severino dos Santos, sargento-mor de milícia da vila de Monforte (outrora aldeia de Joanes) fornece valiosas informações sobre antigas populações nativas da ilha do Marajó indicando forte possibilidade do chamado "Igarapé do Severino" ter este nome devido ao dito índio guia do Inspetor Florentino. Sabendo-se, mais ou menos, a localização da boca do Igarapé do Severino e da vila do Jenipapo, ficamos inclinado a pensar que os "cacos de índio" (cf. "Motivos Ornamentais") que o Vadiquinho levou ao padre Gallo tem grande probabilidade de provir do teso do Pacoval... 


Para que tudo isto? A fim de chamar atenção às peças levadas ao exterior atualmente localizadas em museus no exterior. Para uma criança daquelas de Jenipapo fotografadas pelo padre Gallo e que mexeram com a sensibilidade do escritor Dalcídio Jurandir no Rio de Janeiro distante, dizendo este último, "são os meus netos marajoaras"... Hoje aquele meninos de Jenipapo são adultos e pais de outras crianças iguais àquelas da "ditadura da água", o eventual repatriamento de peças levadas do Pacoval e outros tesos para ficar no Museu Nacional, no museu etnográfico da USP ou mesmo no Museu Goeldi não faz a menor diferença de estar em Paris, Londres, Chicago ou outra qualquer cidade no exterior.

Tal repatriamento seria diferente, caso voltasse às origens mediante extensão da Estação Científica Ferreira Penna, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) em parceria com o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), na cidade de Cachoeira do Arari. Claro que isto é puro sonho! Sonho herdado de muitos sonhos de muitas gerações, com vitórias e derrotas ao longo do caminho.

Não canso de lembrar que em sua primeira fase, entre 1973 e 1983, O Nosso Museu do Marajó pode ser considerado um ecomuseu avant la lettre. Informal até a organização da Associação O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari, em 16 de dezembro de 1981. Por necessidade e acaso, nasceu o ecomuseu à margem ocidental do lago ancestral da antiga cultura marajoara e fincou raízes na cidade histórica de "Cachoeira do rio Arari", à margem esquerda do rio que, em 1680, abriu espaço à colonização - 64 anos depois da fundação de Belém do Pará, 57 da tomada de Mariocai (Gurupá) aos holandeses, 21 do acordo de paz de Mapuá e 15 anos após a doação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes, sem que nenhuma sesmaria pudesse tomar posse efetiva do terreno antes do primeiro curral de gado do pioneiro Francisco Rodrigues Pereira -, diante da brava resistência dos índios Anajás, Aruãs e outras etnias, mais negros quilombolas e desertores que, segundo o inspetor Florentino da Silveira Frade, citado pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira na "Noticia Histórica" (1783); viviam pelos centros da ilha.

Com certeza, em 1983 ano do Sesquicentenário do Município, pelo discernimento do Prefeito Edir de Souza Neves; a histórica cidade de Cachoeira do Arari ganhou um memorável presente que viria a realçar todo o patrimônio marajoara. Em sua fase de museu comunitário, em Cachoeira, na reforma da fábrica Oleica, o MDM abriu as portas ao público no dia 8 de dezembro de 1984. Por fim, o museu serviu de túmulo para o padre dos pescadores do Arari, no teso que ele mesmo levantou para ilustração dos visitantes no Arboreto ao lado de sua casa.Resultado de imagem para imagem de cachoeira do arari
Arco do Sesquicentenário de Cachoeira do Arari (1983).

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