NOVA HISTÓRIA DO FUTURO


A conquista do Amazonas, 1907, Museu Histórico do Estado do Pará.


                         Brasis, Brasil: Índios, Cabocos...
por José Varella Pereira

Afinal quem somos nós? Donde viemos? Aonde vamos? Não sabemos ainda ao certo o fenômeno humano. Nem temos conhecimento justo e perfeito das coisas e dos direitos das gentes, mas já queríamos fundamentar e patentear a ciência dos deuses e demônios. E, com uma tal moral em testa da milícia universal do Bem contra Satã, “internacionalizar” as Amazônias, Áfricas, Oceania... Mundializar as exportações au bon marché do Brazil, Rússia, Índia e China para equilibrar o fluxo de comércio mundial e a balança de pagamentos internacionais, limpar e embelezar o primeiro mundo das suas históricas sujeiras naturais e morais; e dominar enfim o vasto mundo achado e por achar além da terra, do mar profundo e até do céu...
 

E a pergunta que não quer calar, quem afinal de contas, irá pagar o fim da História? Eis aí um rústico esboço do “fim dos tempos” com a queda do muro metafísico entre o Paraíso, Purgatório e Inferno. Ou, por outro lado, seria o picaresco Apocalypso com a rebelião dançante das empobrecidas massas ao som pirata do Caribe contra elites endinheiradas, visto das beiras do movimento global Occupy Wall Street?

Mas já se devia saber que povo sem passado é povo sem futuro. E que não se pode enganar todo mundo todo tempo... O diabo é que aqueles 1% que sabem disto tudo, andam com o livro do passado debaixo do braço; mas os 99% que não sabem nada insistem em infernizar o presente, eternamente... Presente de grego, diga-se de passagem. Com que a justiça e a paz ficam para as calendas gregas.
 

Claro, hoje nós temos até nas remotas aldeias de fronteira a planetária maravilha chamada internet, fruto por acaso da corrida espacial e ninguém precisa inventar a roda. Mas é certo que, muitas vezes, através desta supimpa parafernália o que se contempla é o vazio. Enquanto as perguntas que ainda não foram feitas adormecem no "fundo"... Ou seja, no interior do ser humano. Lugar misterioso onde o bem e o mal são vizinhos e há auroras que ainda não brilharam...
 

Seria cômica se não fosse trágica a história do bicho-homem ou Homo sapiens, suas sete bilhões de bocas querendo comer e beber três vezes ao dia, cada cabeça uma sentença e o desejo insaciável de ir e vir a dar voltas na Terra em infinitos descobrimentos.
 

Nossa esperança é que a aventura esteja apenas começando: que aquele maravilhoso país do Futuro seja presente agora na arquitetura da outrora impossível Terra sem Mal, a mais bela utopia da América do Sol. Que este sonho impossível nos sirva de escola para invenção de um novo mundo desde os nevoentos quatrocentos anos de invenção do planeta Amazônia – última fronteira da Terra –, rio Babel conquistado por arcos e remos do Bom Selvagem sob estandarte iberiano lado a lado com as armas e os barões assinalados.
 

Tudo vale a pena se a alma não é panema... Chegou a hora de pagar as dívidas do Descobrimento, não basta pedir perdão aos lesados da Terra: o preço da sustentabilidade da Amazônia, por exemplo, é o resgate do estrago humano das “tropas de resgate” mais a compensação histórica das fraudes das leis da liberdade dos índios de 1655 e 1755 com indenização do trabalho na chamada Casa das Canoas e no Diretório dos Índios. Claro, haverá compensação histórica ou não se terá verdadeira inclusão social para erradicar a miséria brasileira e do mundo inteiro. O resto é besteira!
 

                                             Ver o peso do nosso longo passado
 

Mostrado nos começos da “nossa” história como uma massa sem rosto num mundo desconhecido cheio de feras e perigos. O Brasil varonil, uma terra distante e estranha a si mesma pertencente por direito à coroa de Portugal por vontade de Deus achada de fora pra dentro no Grão-Pará e descoberta por acaso na Bahia de Todos os Santos sob insígnias da antiga e venerável Ordem de Cristo suposta sucessora multinacional dos Templários.
 

Um “jovem país” de apenas 500 anos de idade. Cuja certidão de nascimento foi escrita pelo amável Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, bom português seduzido pela visão do paraíso quando topou com as índias nuas, as quais andavam sem tapar as suas “vergonhas” descritas em detalhes reveladores do ardente desejo da portuguesada depois da sofrida e prolongada travessia do Oceano. E não se esqueceu ele de pedir a El-Rei emprego vitalício para um genro, inaugurando assim o nepotismo abaixo do equador... 

De fato o Brasil brasileiro estava no mato sem cachorro, sem boi nem cavalo a cabo de milênios de errância no “novo” continente. Índios percorrendo longos caminhos a pé ou de canoa pelas veias do continente. Aí a gesta dos caraíbas acontecia de dentro pra fora no antigo País das Palmeiras que foi novamente plasmado em Piratininga, há 482 anos, sob inspiração do santo Espírito, quando o cacique Tibiriçá se afeiçoou ao beato canário José de Anchieta contra o voto de todos parentes seus: só por esta insólita camaradagem entre o guerreiro antropófago e o pacífico soldado de Cristo o caso já seria descrito como revolução; se tivesse acontecido noutro país que não o Pindorama ainda em odor de barbaridade...
 

Claro, os fidalgos tinham lá seus códigos de honra, clérigos faziam sermões sobre a paixão de Cristo em catedrais medievais e bacharéis almofadinhas douravam a pílula em letras barrocas para esconder choro e ranger de dentes nas colônias. Todavia só os fortes e os mais loucos desvairados metiam a cara aos sertões: eis aqui onde a ocidental civilização se sustentava desde o berço. Como Jeová mandou o maná dos céus para alimento dos judeus durante a travessia do deserto. Na nova zona tórrida das Antípodas (o Grão-Pará), na segunda metade do século XVII com testemunho do padre Antônio Vieira, os cristãos não davam um passo nem conseguiam se sustentar sem braços de índio escravo. Condoído desta humilhação de nações orgulhosas e guerreiras o polêmico jesuíta buscou a lei de abolição dos cativeiros de 1655.
 

Ironicamente, esta liberdade indígena resultou imediatamente na primeira expulsão dos jesuítas (1661), mas as exceções da mesma lei viraram regra e escravidão dos índios com a cumplicidade das missões. E foi assim que, em 1755, novamente a liberdade dos pobres indígenas foi invocada como motivo para segunda expulsão dos ditos jesuítas (1757), com que a servidão da gleba deu as caras no chamado “Diretório dos Índios”: oficina iluminista da mestiçagem e compulsória hegemonia da língua portuguesa. 

Deste modo maquiavélico não se esperou raiar o século XIX para ver os índios do Diretório “extintos”... através de decreto. Todos considerados “portugueses” com suas aldeias “elevadas” a vilas e lugares com novos nomes tirados a esmo da velha toponímia lusitana. Assim, em 1758, por exemplo, as aldeias de Aricará, Aracaru, Tapajós, Caetés, etc., dormiram tapuias e acordaram besta e respectivamente portuguesas no dia seguinte. Tais como Melgaço, Portel, Santarém, Bragança... Tolo foi o caboco que aceitou a imperial presepada e mais ainda o que briga agora para não apagar a botinada pombalina. Como ficou provado no episódio da revolução liberal do Porto (1820) na província do Pará, passo número um para Adesão do Pará (1823) à independência do Brasil e portão aberto à revolta popular na grande Cabanagem (1835). Assim foi em frente a invenção da Amazônia até nossos dias.
 

                        Império do trabalho à origem da utopia da Terra sem Malda destruição das Índias pelos conquistadores cristãos.

No fim da história da infâmia contra os índios o Brasil-Tibiriçá mostra a cara e diz o nome de seu sócio: beato Anchieta, canário da Mãe de Deus. Tinha que ser ilhéu quem poderia com mais sorte congregar os dispersos filhos das “tribos perdidas do cativeiro da Babilônia” mais os povos bárbaros da procurada “ilha do Brazyl” dentre outras ilhas do Atlântico, tais como as Afortunadas, Antilha, Canárias, Açores, etc. ... Desta maneira se iniciou em solo tupiniquim o negócio do futuro que na pátria guarani do Paraguai chegou a ser a primeira república comunista das Américas. Porém, sem resolver equitativamente a economia do trabalho e distribuição de seus haveres, todo artifício cortesão terá pernas curtas e cedo ou tarde haverá estouro da boiada.

Falsa ou verdadeira é claro que as ociosas e intrigantes cortes da Europa odiaram tal notícia vinda das Índias Ocidentais, enquanto tudo perdoavam aos cristãos-velhos conquistadores acusados de genocidas como os famigerados Cortez no México e Pizarro no Peru. A velha Espanha cansada de tantas guerras e sangue derramado durante a Reconquista, aproveitava o “descobrimento” da América para mandar afora da Extremadura seus inquietos matamouros a ir fazer longe o “novo mundo” com matilhas ferozes e cavalarias terríveis a fim de “aperrear a los índios” em busca do tesouro do El-Dorado e o fictício ouro das Amazonas...
 

De fato, era inconcebível aos bons cristãos que índios bárbaros e negros selvagens tivessem alma divina, cultura capaz de causar admiração ou vontade própria digna de pena. Logo, se os negros escravos fugiam aos seus deveres de alimária dócil a responsabilidade cabia a seus senhores fiscalizados de perto pelo vigário da vila e de longe pelo bispo que tudo da província eclesiástica deveria saber, inclusive através da confissão auricular dos fiéis da igreja. Mas, se os índios relutassem em obedecer ao ditado civilizador d’El-Rei Nosso Senhor a culpa seria, sem a menor sombra de dúvida, de seus tutores: os padres. Os quais com esta finalidade eram mandados a todas as Índias orientais ou ocidentais por seus superiores em tratativas infinitas com altas autoridades do reino (onde desgraçadamente imperava o perjúrio, a traição e o suborno... males civilizados transmitidos aos colonizados).
 

Mundos e fundos:
missionários entre a cruz e a caldeirinha, no meio do redemoinho.

 
O ouro e a prata estavam longe de ser para os bugres o tesouro cobiçado pelos violentos filhos de Deus. Sendo para os índios devotos do arteiro Jurupari a preguiça ou ócio o maior bem desta vida, num paraíso terrestre onde a mão da natureza parecia dar completo crédito ao Sermão da Montanha, do Rabi da Galiléia. Enquanto isto cristãos disciplinados ao rigor dos invernos, exemplados pelas pilhagens mortais e fomes devastadoras; exaltavam o trabalho como um exercício religioso destinado a fugir às tentações do Diabo. Pelo contrário, pagãos e mal doutrinados catecúmenos adoravam folgar como cigarras no verão, dormir e sonhar em qualquer tempo e lugar para visitar o mundo misterioso do espírito demonizado pelos pobres padres atormentados pela carne e a perdição das almas puras.
 

Esta oposição radical entre bárbaros e civilizados continua sendo fonte fértil de diversas incompreensões e injustiças recíprocas até hoje. O império técnico e cultural avassalador dos climas frios, bestamente, converteu o paraíso tropical em inferno verde... A vida secreta dos índios centralizada na “casa dos homens” assombrava os catequistas, como lá no reino fingidos cristãos-novos eram fonte permanente de infinitas suspeitas, denúncias, intrigas, processos, transações e perseguições da Inquisição do Santo Ofício também ela um rentável negócio de espionagem e execução penal. Um costume bem civilizado do qual o moralista regime penitenciário da célebre Ilha do Diabo dava uma pálida idéia. 
 

Ainda hoje a geografia daquele tempo remoto insiste em fazer visagem ao presente. Ela consistia em edificar vilas tacanhas e povoados acanhados junto ao litoral, corruptelas e arraiais miseráveis à beira de caminhos do sertão. Mais ricas as cidades portuárias, engenhos e fazendas com senhores e escravos: verdadeiros nódulos habitados pelo medo, engano e a intriga... Em contraste a este esboço de civilização, o grande sertão, a selva bruta, a imensidão sem limites e rios sem fim onde a aventura morava e o índio selvagem reinava a torto e a direito.
Devorando o sagrado coração do Mito...
 

No colégio São Paulo de Piratininga, capitania de São Vicente, a velha antropofagia indígena do deus-Jaguar foi convertida pacificamente em manjar divino pelo prodígio do sagrado coração de Jesus na hóstia santa. Tão sutilmente e desinteressada como deve ser cada escala de tempo na espiral evolutiva da história natural. Ou a “escada de Jacó” em linguagem santificada...
 

Sabemos bem o que os padres pensavam e pensam ainda a respeito dos índios pagãos, mas pouco ou nada sobre o que pensavam estes últimos daqueles estranhos homens de Deus que aos olhos selvagens se assemelhavam a pajés-açus vindos de longe portando santidade com poderes de vida e morte. Nada sabemos do sentimento dos bárbaros quando eles perceberam enfim que os soldados de Cristo, na verdade, queriam desarmar os espíritos e colocar fim à demanda mítica da chamada Terra sem Mal para, em lugar desta utopia; amansar guerreiros comedores de carne humana transformando-os em operários da santa madre Igreja e súditos fiéis de El-Rei na obra seráfica da evangelização... 

Claro está que depois de século e meio de mortíferas caçadas de escravos e matanças de rebeldes, os índios se refugiavam nas aldeias das missões vendo na precária proteção dos padres um mal menor. Mas, ainda assim, não se evitou o conflito mortal com o estado-colônia. Mais tarde, com a memória ressuscitada dos maiores heróis da resistência, Ajuricaba e Zumbi dos Palmares; transmitido às populações tradicionais remanescentes apoiadas por igrejas, partidos e ong’s versus o estado nacional burocrático.
 

                                                                    O outro é o capeta
 

Era dever do baixo clero extrair o demônio pagão da alma indígena em contenda a bem dizer, corpo a corpo. Para tamanho duelo, além da elementar cerimônia de batismo e exorcismo para os casos complicados; carecia o padre mergulhar de corpo e alma no grosso matão para dali tirar tribos inteiras para aldeias da igreja. Aquilo era que nem guerra metafísica entre infiéis e cruzados, jamais acontecia sem risco e tensão. O sedentarismo catequético para nações andejas e belicosas era como uma prisão e cedo ou tarde além de apatia e desgosto causava doenças devastadoras tais como sarampo, varíola e surtos de gripes fatídicas devido à concentração de gente. Os padres prenhes da caça às bruxas na Idade Média com seus fantasmas e ensalmos estavam longe das descobertas de Pasteur e os pajés rivais atribuíam às mortes e epidemias o poder maléfico dos missionários, devolvendo na mesma moeda os sermões sofridos contra a feitiçaria... O diabo são os outros, diria o filósofo Jean-Paul Sartre que certa vez visitou o Pará velho de guerra, mas nunca viu de perto o inferno verde. Imagina se ele visse! Como seria talvez mais apurado seu existencialismo marxista.
 

Ao contrário do temerário jesuíta atraindo índios para Redução do rio Babel, o índio brabo falante da língua ruim desejava levar o padre sertão adentro para fazer deste um parente ou caraíba melhor do que aqueles que a tribo tinha em guerra contra seus inimigos. Não foi assim por acaso o amasio do aventureiro cristão-novo Martim Soares Moreno e a índia Paraguassu, filha do cacique Jacuúna, dando no cunhadismo de portugueses com a gentilidade de Jaguaribe, no Ceará? Saiu daquele casal a tomada do Maranhão aos franceses (1615), a sugestão da política oficial de mamelucos povoadores dos sertões (onde o Diretório dos Índios foi se inspirar) e a literatura indianista de José de Alencar...  Casamento da necessidade com o acaso ou obra da divina Providência? Na hora da fome o fruto importa mais do que toda ciência agronômica...
Uma certeza os índios tinham ademais, quanto mais longe os colonos estivessem melhor seria para conservação do mundo indígena: com que os missionários concordavam tacitamente. Nasceu aí, no coração do sertão; a semente da teologia da libertação como sugere a “História do Futuro”?  Se for assim, a árvore cresceu e deitou raízes profundas há muito tempo e ainda que hoje haja mil bulas para a extirpar do seio do povo cristianizado, não lhe poderão arrancar mais como uma erva daninha em meio à ‘plantation’.
 

Vimos como o catolicismo popular se misturou a ritos afroamericanos e comeu e bebeu na fonte do sebastianismo importado por desertores, degredados, trânsfugas. A ralé judia e massagada árabe dos sertões, que longe de civilizar os índios como os donos do mundo queriam, mais depressa se puseram de cócoras com eles para confraternizar e inventar um novo mundo possível para todos.
No caso particular dos jesuítas, acusados de formar uma república teocrática dentro do estado colonial, este fato deu ensejo à troca de correspondência intensa entre governadores do Maranhão e Grão-Pará e o Reino de Portugal, notadamente no tempo de Mendonça Furtado e o Marquês de Pombal com tratamento recíproco de “meu irmão do coração”... Foi da Amazônia que saíram as primeiras informações ou pelo menos as mais graves acusações sobre o suposto “complô” jesuítico para invalidar o Tratado de Madri de 1750, que anulava o acordo caduco de 1494 (Tordesilhas). Mas é verdade também que os jesuítas, mais que ninguém; trabalharam tenazmente para transformar em letra morta os limites tordesilhanos.
 

                           União d’América do sul: uma ironia da história
 

Então, não é mesmo extraordinário que a integração sul-americana tenha por base o Tratado de Assunção? A república guaranítica suscitando novas aventuras... Graças aos missionários e sertanistas, mas sobretudo aos índios que se acamaradavam dos portugueses, o limite que começou fronteiro a Belém no começo do século XVII havia sido levado ao  Alto Amazonas, Rio Negro, Branco e Mato Grosso. Mas todas estas lonjuras escondiam o procurado ouro que só se revelara em Cuiabá e Minas Gerais... Então se queria mais, a prata de Potosi e do Peru. Já se sabia um século antes que sem índios nada andava nesses sertões, mas a indiada estava dizimada com as epidemias e esgotada pelas guerras e jornadas extenuantes. Em vão os padres diziam que as requisições de farinha e outros suprimentos de boca eram excessivos para atender à demarcação de fronteiras, que os braços se reduziram drasticamente. A temporada do capitão-general em Barcelos à espera do demarcador castelhano foi um desespero. A pobreza do estado do Grão-Pará e Maranhão era ocultada pela imponente delegação portuguesa com engenheiros e matemáticos alemães e italianos no palácio dos Demarcadores até que as chuvas, febres, motins da tropa arruinaram a saúde e a paciência do demarcador luso. Homem culto porém de temperamento irascível quando contrariado em suas ordens, tinha desprezo aos índios e ojeriza aos pretos. Entretanto, precisava de um bode expiatório e não trepidou em apontar os jesuítas como sabotadores de seu governo. É certo que os padres não se fizeram de rogados para corraborar a tese, certamente já inflamados pelo conflito com o iluminismo e a perseguição de Pombal aos velhos aliados da Companhia de Jesus, os Távoras acusados de atentado à vida do rei.
 

                                                      Cruzados no Brasil
 

É certo que os inacianos estavam à frente de seu tempo e a Contra-Reforma modelada pelos jesuítas atacou muitas vezes a aliança entre o trono e o altar, com as contradições sabidas da abolição do cativeiro dos índios e apologia à escravidão dos negros com vistas à utopia sebastianista do “quinto império do mundo”: atacada pelo Santo Ofício dominado por dominicanos como heresia judaizante, com exemplo da famosa condenação do payaçu dos índios, padre Antônio Vieira. A polêmica é longa e conhecida, mas vale a pena relembrar que por aí enquanto os negros seriam descendentes de Caim e o trabalho escravos seria para eles a própria redenção, os índios seriam descendentes das “tribos perdidas do cativeiro da Babilônia”...
 

Uma réstia de luz sobre conflitos requentados dos dias de hoje nas relações internacionais... Deste ponto comum nasceria a grande desavença entre a Companhia de Jesus e o Estado colonial português, inicialmente, depois com o rei castelhano e por fim o francês (todos eles ligados por parentesco, além do patrimonialismo das respectivas coroas); levando à expulsão e finalmente extinção da Ordem fundada por Loyola: ora esta guerra declarada teve por foco o Paraguai e também o Grão-Pará (Amazônia lusitana). Deste estado ultramarino saiu a estratégia encampada pelo governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado (depois ministro dos assuntos ultramarino) que com aval do governo de Lisboa se estendeu a todo Brasil, tendo a lei de 1755 (Diretório dos Índios) como diretiva geral para introdução do iluminismo na administração do Brasil: padrinho da tecnoburocracia contemporânea.
 

Vê-se, portanto, que o iluminismo triunfante na Europa não entendeu a realidade americana (Alejo Carpentier, no romance “O Século das Luzes” mostra a contradição iluminista no Caribe). Ou seja, o cinismo como arte de dominação e governo dos povos “atrasados”. A elite brasileira feita à imagem e semelhança da aristocracia européia, confrontada com a necessidade de criar a nação brasileira não abriu mão do preconceito racial nem compreendeu o país. Ainda não sabe a antiga razão dos indígenas em preferir a frágil e complicada aliança com a igreja missionária, enquanto tutelados ou “escravos” na linguagem pombalina (vide história do extinto Serviço de Proteção aos Índios (S.P.I), sucedido pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI); do que a proteção legal do estado, notadamente no chamado “Diretório dos Índios” (1755); lançado em nome da “liberdade” dos cativos em meio ao arsenal de medidas para extinguir da obra dos jesuítas. Uma ironia histórica, pois a abolição da escravidão dos índios (lei de 1655) havia sido a arma dos jesuítas contra os colonos, que retrucaram cem anos – exatamente – depois, apoiados firmemente pelo Marquês de Pombal que se tornou perseguidor pessoal dos Inacianos, assumindo o papel horroroso de responsável pela condenação e execução do senil e esclerosado Gabriel Malagrida, reitor do seminário do Pará... Como Felipe, o belo; havia tentado aliciar e depois mandou torturar e matar a Jacques de Molay, grão-mestre da ordem dos Templários.
 

Em companhia dos homens de Tupã que ensinavam ofícios e doutrinavam contra o Mal, os índios emergindo ainda do neolítico americano partiam para o combate aos espíritos inimigos e tapuias de modo menos arriscado e cruel na caminhada até a morada dos deuses onde os homens viveriam eternamente em paz, as flechas sozinhas iriam ao mato e trariam a caça, as mulheres nunca ficariam velhas... O que os índios não sabiam é que os “pais dos índios”, discípulos de Loyola “prudentes como a serpente e mansos como a pomba”; acabavam sendo aprendizes das coisas antigas e peculiares do Brasil pré-histórico. Como observou o historiador João Lúcio Azevedo no estudo clássico dos jesuítas do Grão-Pará, no século XVII estes chegaram pobres e ansiosos pelo sacrifício e martírio com espírito de cruzado contra os Hereges. Mas, no século seguinte o trabalho de seus protegidos e educandos os tinha convertido em orgulhosos e imprudentes como se o voto de pobreza encobrisse a riqueza e poder da Companhia frente a seus inimigos. Muitos deles no seio do estado colonial.
 

O problema agora é descobrir pontos de contato entre o paraíso celeste prometido aos mansos cristãos e o mito da Terra sem Mal a ser conquistada pelo Bom Selvagem através das virtudes da guerra. É claro que o cacique Tibiriçá com a sua grei fez opção pelo paraíso do céu, mas nem por isto ele ensarilhou as armas em defesa da utopia evangélica e a partir desta dialética e fundamental contradição brasílica chegamos a nossos dias com a guerra metafísica simbolizada já em campos esportivos, jogos olímpicos modernos e até na política.
 

Do velho colégio de Piratininga se passaram três séculos de travessia do tempo histórico até o grito do Ipiranga (1822), o basta ao colonialismo! Proferido por autor oculto que colocou o ousado proclama na boca do indisposto Pedro I saído da cama da Marquesa de Santos com diarréia, quem sabe uma sutil vingança da cozinheira injuriada sabe lá por que com exigências descabidas da patroa. Começa aí a lenda do Grito Retumbante e a demagogia verde e amarela que sobreviveu à queda do Império e tomou vigor na oligarquia republicana... Dizem que o 7 de Setembro foi golpe preventivo para retardar ainda mais a República prenunciada pelo Mártir Tiradentes (1789) e concertada no Dia do Maçom (20 de agosto) do mesmo ano de 1822 sob segredo nas lojas maçônicas do Rio de Janeiro.
 

                    Caminhando contra o vento e o pensamento único...
 

Cem anos mais tarde ainda na Paulicéia desvairada, pela margem esquerda da História proclamou-se a independência das letras nacionais a fim de liquidar o neocolonialismo herdado do império caduco: dialética antropofágica simbólica aprendida da camaradagem expedita entre o índio e o jesuíta, “fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará” [Oswald de Andrade, “Manifesto Antropofágico”, 1928]... Agora, 400 anos de invenção da Amazônia desde a “França Equinocial” (1612), tomada do Maranhão (1615) e fundação de Belém do Grão-Pará (1616) é tempo de redescobrir o Brasil brasileiro, “mulato inzoneiro”, gigante mestiço: o maior país amazônico do mundo... Explica-se o passado nos acontecimentos presentes para inventar o futuro:
O Brasil secretamente achado por efeito natural da corrente equatorial marítima sob regime de ventos do Atlântico Sul, inclusive; e por força geopolítica do Meio-Dia do Tratado de Tordesilhas (1494) entre Espanha e Portugal tirado a oeste a partir de Cabo Verde; nosso Brasil brasileiro foi achado no grande Pará [“mar”] tapuia, em 1498, pelo cosmógrafo do rei Duarte Pacheco Pereira. O qual foi conselheiro cartográfico do negociador português no dito acordo e por isto mandado à terra brasílica fazer medição “in sito” e confirmar seguramente o dito meridiano, a 370 léguas contadas conforme combinado e juramentado pelos Reis Católicos e Sua Majestade Fidelíssima sob as benções do céu e da terra por Sua Santidade o Papa Alexandre VI (nascido Rodrigo Bórgia, em Aragão, Espanha; este último tendo contraído dívidas aos Reis Católicos que o nomearam cardeal e finalmente papa: Deus perdoe os seus pecados veniais e faça vista grossa aos mortais, notadamente o chamado “testamento de Adão” [o supracitado tratado] que o rei de França protestou logo e os seguidores da heresia de Martinho Lutero nunca deixarão esquecer para justificar a ação de corsários e piratas do Caribe...).
 

Depois desta prudente providência portuguesa face à arrogância guerreira castelhana já desembaraçada da ocupação Moura e diante do perigo da concorrência estrangeira que haveria de vir, quando o mundo soubesse o segredo do caminho marítimo das Índias Orientais; pôde enfim o nosso Brasil ser oficial e seguramente descoberto na Bahia tupi-guarani, em 1500, por Pedro Álvares Cabral, em Porto Seguro.
 

Achado primeiro e secretamente no Pará, por quê? Porque as mais antigas notícias secretas da escola náutica dita de Sagres (na verdade Lagos, Porto Santo, ilhas dos Açores e sabe lá mais onde) davam como certo que as tais Índias Ocidentais descobertas por Colombo (1492) eram a antiga Antilha procurada e ficavam ao poente dos Açores. Além da linha de partição pólo a pólo estabelecida em Tordesilhas por iniciativa de Portugal para evitar a guerra contra Espanha a fim de não perder a escala vital na costa do Brasil que escondia a Corrente Brasileira na navegação para o Oceano Índico e que se separa da Corrente das Guianas em frente ao litoral do Salgado Paraense.
 

Ademais convinha muito ao serviço de Sua Majestade Fidelíssima saber onde passaria o linhão no sertão tordesilhano adentro, a fim de ficar seguro de sua posse. Ora, o Rio Pará (braço meridional do rio Amazonas) vinha mesmo a calhar e foi um achado geográfico e tanto! Pois, exatamente, a costa-fronteira recaia na baía do Marajó repartindo-a às duas coroas ibéricas mais tarde dentro da instável União Ibérica (1580-1640) causada pela morte dramática de Dom Sebastião deixando, por acaso, a oeste o arquipélago dos Nheengaíbas a Castela e ao oriente a costa do Pará e Maranhão na posse de Portugal. Duarte Pacheco Pereira era o tal!
 

E a cartografia portuguesa a mais avançada daquela época, tanto que 118 anos depois a fundação da cidade de Belém do Pará pelo capitão-mor Francisco Caldeira de Castelo Branco, em 12 de janeiro de 1616; cumprindo instruções de Alexandre de Moura expedidas no Maranhão parece atender rigorosamente aos limites de Tordesilhas. Lembrando que a posição geográfica do forte do Presépio [fortaleza do Castelo], berço de Feliz Lusitânia, revela a política ambígua de cristãos-novos portugueses dentro da União Ibérica sempre querendo ultrapassar as raias de Tordesilhas rio acima rumo as minas do Peru. E, por outra parte, cristãos velhos espanhóis colocando trancas na porta, fazendo terror com a fama das “tribos bárbaras e ferozes” do rio das Almazonas...
 

Seguro de que o porto era bom para defesa da armada face às incertezas do mar. Mas, principalmente, ficava dentro do quinhão português na repartição do mundo achado e por achar com prévia aprovação da santa madre igreja católica apostólica romana, a qual na época era para a cristandade paresque a ONU hoje em dia para o mundo inteiro. Ali foi plantado o primeiro marco territorial português, o “Pedrão” demarcatório arrancado ao solo da velha Lusitânia para conquista do ultramar: passaram-se assim aqueles dez dias de abril em feliz camaradagem entre a marinhagem do plenipotenciário Cabral e os índios pataxós do “país das palmeiras”. Desde então, seguramente o descobrimento do Brasil continua a ser feito há quinhentos e doze anos, um mês e 26 dias até esta data...
 

Para entender o enunciado carece saber em resumo a “teoria do segredo” das antigas navegações do Mar-Oceano, bem como a real geopolítica econômica global das Cruzadas. Até aí, a terra virgem brasílica achada e descoberta no extremo-ocidente atlântico, havia sido os dois antigos países gêmeos nativos, o Pindorama e a Tapuya Tetama: inimigos entre si desde o berço, mas inseparáveis posto que ambos se ligam umbilicalmente através do Nordeste. Esta região-ponte onde se forjou a nacionalidade brasileira através de sucessivas lutas nativistas para expulsar os estrangeiros, levar adiante a guerra de Independência e gerar a revolução popular que hoje em dia ainda persiste através da democracia dita “participativa”. Claro está que a revolução popular brasileira (Guararapes, Bequimão, Cabanada, Balaiada, Confederação do Equador, Cabanagem, revolta dos Malês, Farrapos...) somente estará concluída no dia em que o substantivo Democracia (governo do povo) dispensar adjetivos, tendo ela elites orgânicas fiéis emanadas do povo através de processo dialético histórico.
 

Só os tolos e desinformantes podem dizer que o gigante Brasil nunca teve um fecundo banho de sangue como muitas outras nações civilizadas que se vangloriam da barbaridade das suas guerras e heróis nacionais: estes tais, certamente, desconhecem ou temem ainda o arcaico sacrifício humano ou tributo de sangue como numa transfusão para passagem da animalidade à humanidade através do rito sagrado da Antropofagia e sua sublimação cultural em memória do Herói e honra aos deuses. Seja ela pela conversão metafísica na santa Eucaristia universal através da catequese do Santo Cristo e pregação da utopia evangélica pelo beato canário José de Anchieta ou pela chama viva da revolução social levada outrora à gloriosa França de Montaigne e Rousseau pela sugestão incendiária do “bon sauvage” Tupinambá na dialética entre barbaridade e civilização nas duas margens do Atlântico sucessor do Mar Mediterrâneo... Oh, o perigo da consciência política e sua antagônica dormideira das massas abestadas e contentadas com um pouco de pão e circo aos montões! Combustão das grandes tragédias humanitárias, tais como: a Fome, o Trabalho escravo, as Doenças, a Velhice desamparada e a Morte levando enfim a grandes explosões que se repetem em costumeiras farsas e crises cíclicas...
 

E, no entanto, a utopia brasílica da Terra sem Mal é universal! Só falta agora consciência planetária de que um outro mundo é possível: que o mito seminal que levou o Bom Selvagem em aliança com rudes lusíadas desterrados sob a União Ibérica (1580-1640)  a conquistar a terra dos Tapuias no rio Babel convertido em país das amazonas, ou Amazônia; não podia jamais ser encontrada na geografia plana do velho mundo. Mas, no espaço curvo do Novo Mundo, através de uma nova Ciência e de uma Tecnologia humanizada; a utopia duma Terra sem males para todos, pouco a pouco, será concretizada no mundo.
 

Mas está claro que – como diz o poeta – a vida é luta renhida e viver é lutar. A paz é ambição suprema da civilidade através da espiral evolutiva da vida e muitas são as suas falsificações desde a branca pax dos mortos em sepulcros caiados por fora até a pacificação armada da autoridade pessoal de uns poucos vivos sobre muitos outros em nome da ordem, do progresso, de Deus, da pátria, da família, do império da Civilização única, etc. A viva paz tem a cor do sangue derramado dos mártires e heróis da humanidade por isto ela é sagrada... É disto que se trata nestes comentários marginais à história do “Diretório dos Índios” como modelador dialético e pacificador do Povo Brasileiro, divisor da historiografia do Brasil.
 

    Com quantos paus se faz uma canoa para ir ao porto do Sol?
 

O azar do historiador são as convencionadas fontes históricas. Se o pesquisador não acha as tais fontes convencionais ele está no mato sem cachorro atado de pés e mãos. Contudo, desde que o mundo é mundo aqueles que fizeram história não foram historiadores nem geógrafos. Ou antes, o foram de um outro modo de ser tal que a teoria veio depois de consumado o fato. Ainda que este último tenha sido uma lenda tacanha ou visão sobrenatural como no caso do primeiro rei de Portugal, este país de mil e uma maravilhas e incontáveis milagres. De maneira que ainda no mundo moderno uma boa pesquisa começa muitas vezes por uma hipótese aparentemente louca ou uma pergunta fora de propósito.
 

Por exemplo, quantos eram os “conquistadores” portugueses de Portugal do enormíssimo rio das “almazonas” ou rio Babel pelas numerosas línguas, culturas e aldeias que o habitavam? Como, em curto tempo, este diverso e muito povoado mundo se tornou “espaço vazio” e os seus habitantes reduzidos a “índios” afinal extintos quase completamente?  De que modo o velho e adoentado capitão Pedro Teixeira foi e voltou de Belém do Pará a Quito, no Equador, em dois anos de viagem a remo e ínvios caminhos sob intempéries nos Andes (1637-1639)? Como os caciques da ilha do Marajó conseguiram “ler” a célebre carta-patente, com proposta de paz e liberdade em nome d’El-Rei (prontamente aceita depois duma guerra suja que já durava mais de trinta anos) que lhes enviou o Padre Antônio Vieira, se este não falava a bárbara “língua ruim” (nheengaíba) e aqueles desconheciam ainda a “boa língua” (nheengatu) e, muito menos, o português que viria a ser compulsório um século depois?
 

É fato que os colonizadores, desde o jesuíta Manoel da Nóbrega em São Paulo, toparam com migrações de índios Tupinambá vindos do Paraguai para o litoral do Brasil até o alto Amazonas (no Peru, cf. o mameluco Diogo Nunes em 1538, quatro anos antes do “descobrimento” do rio das Amazonas por Orellana e trinta e oito anos depois de Pinzón). O que lhes compelia a percorrer a pé e remo tais distâncias verdadeiramente absurdas? O que lhes aconteceu? Onde estão ainda ou onde desapareceram?

Não raro a imaginação de terras distantes e tesouros escondidos foram motor de acontecimentos reais dos quais a história está povoada. Há mitos modernos em quantidade para todos os gostos e as mais variadas finalidades. Em comum o fato de que ninguém se sustenta de brisa, exceto fabricantes de moinhos de vento e cataventos... Saco vazio não se põe em pé. É a fome, então, que move o mundo e para satisfazê-la virou-se a Terra pelo avesso: uma “terra sem mal” ou paraíso sempre vem à mente através de males desta vida que a gente quer deixar para trás: daí a Dispersão geral desde que o bicho-homem ainda no seio da mãe África foi longe à cata do que comer para poder crescer e sobreviver... Fugir ao “mal” buscando o “bem” é um tropismo moral herdado certamente do instinto de sobrevivência de nossos antepassados animais, não deve espantar a relatividade destes termos opostos, notável sobretudo nas guerras de religião que acabam sendo batalhas entre deuses e demônios com sinais trocados. Quem é quem? Quando a fraternidade deserta o diabo são os outros. A espiritualidade não é estranha ao processo histórico nem à matéria em contínua transformação e evolução, tal qual uma pequenina semente de sumaúma morre no fundo da terra para transformar-se numa árvore gigantesca acima da copa da floresta parecendo um mundo à parte com sua biodiversidade e diversidade cultural praticada por vizinhos humanos atraídos por sua vegetal majestade florestal...
 

Povoado de várias nações brasílicas do Oiapoque ao Chuí o gigante continental da América do Sul já existia com população maior e mais variada do que o colonizador marítimo Portugal muito dantes dos mares navegados, barões assinalados e bandeirantes sanhudos.
 

A região do Nordeste brasileiro é, pois, o centro de tensão geopolítica entre a polaridade Norte-Sul historicamente formado em decorrência da bifurcação da corrente equatorial marítima e da navegação durante a era colonial. O cerne destes comentários focaliza o fato, frequentemente marginalizado na historiografia nacional, da especificidade da colonização lusitana na mestiçagem brasileira. O fator amazônico da História do Brasil é desfocado em razão da geografia colonial ter centralidade na disputa luso-castelhana sobre o Rio da Prata e para isto contribuiu fundamentalmente a “carreira da Índia”... Isto é, que o alvo principal dos descobrimentos do caminho marítimo para a Índia levou à “teoria do segredo”: política de sigilo de estado sobre os conhecimentos dos nautas portugueses da chamada escola de Sagres. Ela mesma uma fachada para encobrir a verdadeira empresa que se fazia com capital de mercadores judeus e cristãos-novos estabelecidos em cidades-estados na Península Itálica em concorrência com os árabes no contexto das Cruzadas tendo por base, além dos conflitos religiosos e tribais, o comércio das especiarias através de caravanas do deserto.
 

Após 20 mil anos de nomadismo paleolítico, cerca do ano 400 da era cristã – quando o império de Roma declina no Ocidente –, nas desconhecidas terras baixas do neotrópico um novo sol se levanta com a primeira civilização brasileira foi batizada com água de chuva de janeiro na ilha do Marajó, foz do rio das Amazonas, por própria invenção... Não resta dúvida de que a primitiva história brasílica foi debuxada em pinturas rupestres e escrita com arte e engenho paleolítico em ideogramas secretos na cerâmica marajoara.
 

Certamente, para tanto, houve parceria e sociedade direta ou indireta do Tawantinsuyu (império das 4 partes do mundo) desde o Peru incaico no “umbigo do mundo” – Cusco – descendo ao fundo da Terra madre ou subindo ao cume das estrelas no infinito, antes de tomar rumo ao norte, sul, leste e oeste do imenso continente neotropical até a destruição das Índias: começada, em 1492, com a precipitada chegada de Colombo às ilhas Guaanani [Bahamas], no Caribe. Desde então, aquela prístina integração pan-americana endógena – através de um complexo processo antropofágica de guerra e paz por suposto – deu lugar ao dilacerante tormento da Conquista no corpo despedaçado e na alma traumatizada do “índio” reduzido à miséria em sua rica e original diversidade.
 

Em 1530, a destruição da América do Sol toma vulto com a chegada da missão colonizadora de Tomé de Sousa pela parte tordesilhana lusa do Brasil e o facinoroso Francisco Pizarro pelo lado castelhano nos Andes. Não por acaso, o eixo desta velha história pré-colonial é o Nilo amazônico (chamado Guiene [wune, o rio] pelos mais antigos Arwak; Paraná-Uaçu pelos Tupi; Marañón pelos hispânicos e Amazonas pelos portugueses).
 

     Achamentos e descobrimentos segundo a teoria do segredo
 

Não se ouviu falar? Claro, os arquivos coloniais foram trancados a sete chaves e as fontes se dispersaram e perderam. Noves fora o desconhecimento, preconceito e erro, como por exemplo, chamar de “índio” aos nativos americanos e encobrir o fato do nome Americ (donde Amerika ou América) ser de língua maya, significando o “país do vento” dado a região de montanhas do lago Nicarágua. A preferência pelo nome do navegador Amerigo Vespucci para batizar o “novo continente” em detrimento de Cristóvão Colombo (suspeito de ser de família judia de origem portuguesa ou galega) quer dizer alguma coisa... Como toda a América pré-colombiana o Brasil ameríndio está sendo redescoberto ainda aos poucos na medida em que a névoa colonizadora vai se dissipando e o sol da liberdade raia sobre todos nós. Nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, em Santo Domingo (1992); o Papa João Paulo II pediu o perdão dos Índios e Negros e lá se vão 20 anos caindo no esquecimento, tal qual a ECO92 deve ser relembrada agora na Conferência Rio+20... Malgrado os esforços mundiais com as Convenções da Biodiversidade, Diversidade Cultural, Direitos Humanos dos Povo Indígenas, etc... Muito verbo e pouca verba para materializar o fim do apartheid global que faz com que 1% da população da Terra mantenha 99% da humanidade à margem da História. No Brasil não poderia ser diferente do restante do terceiro mundo...
 

Mas donde vem esta crônica exclusão étnica, social e histórica das raízes do Brasil? Explica-se, o “país do pau-brasil” segundo o Tratado de Tordesilhas (1494) entre Espanha e Portugal foi, historicamente, “achado” pelo cosmógrafo [cartógrafo] oficial da coroa portuguesa Duarte Pacheco Pereira no ano de 1498, em viagem secreta com finalidade de determinar no terreno a célebre “linha” de limites prevista por um meridiano a 370 léguas de Cabo Verde para que, sem dúvida, a esquadra de Pedro Álvares Cabral mandado em embaixada ao marajá de Calicut [na Índia] plantasse o “Pedrão” (padrão) das Quinas de Portugal descobrindo assim o que estivera coberto por muito tempo [ver Jaime Cortesão sobre a teoria do segredo das antigas navegações fenícias, gregas e portuguesas]... As tais “calmarias” revelam a corrente equatorial marinha proveniente da contracosta africana, que em frente ao Pará e Maranhão se bifurca em direção ao norte e ao sul, dando a Corrente das Guianas e a Corrente Brasileira respectivamente. Ora, esta última é que possibilitou aos nautas lusíadas dobrar o Cabo das Tormentas rebatizado como Cabo da Boa Esperança (na África do Sul) para entrar no oceano índico diretamente à Índia.
 

Se é verdade que os navegadores portugueses já conheciam a costa brasileira antes do “descobrimento” de 1500, a espionagem recíproca entre Lisboa e Madri não deixaria os espanhóis indiferentes ao continente sul-americano: o próprio Colombo, em seu obstinado esforço para provar que chegara à Índia pelo caminho ocidental, viu o delta do Orenoco que então lhe pareceu os quatro rios do Éden (ver “O Novo Éden” de Nelson Papavero et.al.). Seu piloto Vicente Yanez Pinzón, três meses à frente de Cabral, chegou ao cabo de Santo Agostinho e “achou” o Ceará donde virou ao norte e topou a foz do rio Amazonas, ao qual chamou de Santa Maria de La Mar Dulce, desembarcou à força na ilha Marinatambalo [Marajó], onde capturou 36 índios: os primeiros “negros da terra” (escravos indígenas) da América do Sul. Se Duarte Pacheco Pereira fechou-se em copas com sua viagem secreta ao Pará em 1498, por dever de ofício; Pinzón teve seu relato bem guardado em dúvida de que as terras avistadas por ele estivessem no quinhão de Portugal. Com de fato, pelo menos até à baía do Marajó, posto que daí ao poente rio acima seria de Espanha, como mais tarde em 1542, Francisco de Orellana e frei Gaspar de Carvajal descendo o rio a partir de Quito (Equador)  iria constatar que era possessão de Castela de acordo com o tratado de Tordesilhas. Em 1544, o descobridor das “amazonas” voltaria ao cenário com título de Adelantado Del Rio e governador de Nueva Andaluzia, desaparecendo no Pará durante a expedição sem deixar vestígio.
 

A famosa linha de Tordesilhas nunca se pôde determinar, entretanto tem-se comumente aceita que ela passaria por um meridiano sobre as atuais cidade de Belém do Pará e Laguna-SC: sendo assim, o limite amazônico tordesilhano dividiria as duas margens da baía do Marajó entre as duas coroas ibéricas. Por acaso, já há algum tempo a fronteira natural entre Tupinambás e Nheengaíbas (marajoaras) em guerra entre si. Este fato, pouco ou nada entra em consideração na historiografia luso-brasileira, contudo a transversalidade etnográfica da Amazônia pré-colonial vem produzindo nos últimos anos uma revisão histórica radical impulsionada pela emergência das populações tradicionais nas sociedades nacionais da América Latina.
 

                  O peso do velho mundo sobre o Novo 
O descobrimento do Novo Mundo pelo aventureiro Cristóvão Colombo (1492) foi um duro golpe aos esforços portugueses, que com a viagem de Vasco da Gama à Índia estava a ponto de colher os benefícios da empresa náutica... As duas monarquias ibéricas entraram em conflito (como se estivessem verdadeiramente em paz alguma vez e os espiões e intrigantes de toda a Europa não tivessem a península sob os olhos). O mundo era Roma e o Papa a autoridade mundial no ponto de vista da cristandade naturalmente, mas a verdade é que a Terra é mais vasta e complicada do que mostra o código canônico: basta uma leitura sumária da Bíblia (sob ponto de vista histórico) para entender do que se está falando, sem, contudo, cair na tolice de acreditar que as Sagradas Escrituras sejam de fato o livro mais antigo do mundo e que tenham tratado de tudo quanto a humanidade já viu.
 

Carece mergulhar na geopolítica e historiografia dos Descobrimentos para aventurar-se a decifrar a história secreta do Brasil colonial e até hoje o passado nebuloso carimbado de “pré-histórico” já se sabe por quem. Mas é a geografia que conta: no Brasil antigo são os rios que traçam os caminhos da história, e estes caminhos são principalmente as grandes bacias amazônica, platina e do São Francisco integradas pelas Águas Emendadas, em Brasília agora (coincidentemente, sede da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA) ...
 

A própria história de Portugal é uma colcha de retalhos de lugares, regiões e povos. Por esse lado do Mar-Oceano o panorama do lado de cá não poderia ser de forma nenhuma maneira um lindo tratado cristalino... É certo que os navegadores portugueses já conheciam o Brasil antes do Descobrimento oficial por Pedro Álvares Cabral, que não era navegador, mas um cavaleiro da mais alta hierarquia da nobreza lusitana na célebre Ordem de Cristo sucessora da controvertida Ordem dos Templários a par da Ordem dos Hospitalários (mais conhecida hoje como Ordem de Malta), provavelmente as primeiras multinacionais ou transnacionais de que já se ouviu falar.
 

Algo precisaria ser explicado sobre as Cruzadas para deslindar um pouco o emaranhado do passado com o eterno conflito entre Oriente e Ocidente até hoje. Onde entra a história de Portugal e Espanha com a invenção das Américas, dentre os quais o nosso Brasil e seus sócios do velho mundo. O paradoxo tupiniquim é que até hoje, ao contrário do que a Bíblia ensina, os primeiros povos brasílicos são os últimos a figurar na história da nacionalidade brasileira. Os últimos, no caso, são imigrantes europeus e outras nacionalidades que vieram substituir escravos como força de trabalho, como outrora os negros foram trazidos para o lugar dos índios...
 

Adiante vamos ver como é que os povos originais do Brasil foram varridos do mapa, dizimados e, sobretudo, como foi feita a grande operação civilizadora com foco na Amazônia indígena passando o modelo para o Brasil. Ao contrário do jargão ianque (“índio bom é índio morto”), no Brasil índio bom é “caboclo”, “mameluco”, “caipira”, “caiçara” et caterva até salvação do branqueamento final através da mestiçagem ou o chamado “amálgama da raça”.
 

É curioso que a Amazônia atrasada tenha sido o laboratório onde o iluminismo português à la Pombal fez o grande ensaio do aportuguesamento evoluído do Brasil bárbaro. Mais curioso ainda que Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, em sua rápida experiência diplomática tenha guardado ressentimentos aos ingleses e tenha criticado o negociador luso-brasileiro Alexandre de Gusmão nas difíceis negociações com os espanhóis no tratado de Madri de 1750 sem, entretanto, estar bem informado do assunto. O déspota esclarecido em pouco tempo valendo-se da sorte conquistou a cega confiança do donjuanesco rei Dom José I, mantendo o monarca confinado e submetido a fobia depois de sofrer atentado por parte da família Távora ultrajada pela conquista amorosa do rei. Esta intriga palaciana iria produzir um drama com a perseguição vingativa do primeiro ministro aos Távoras, cristão-velhos aliados aos jesuítas.
Até aí Pombal e a Companhia de Jesus convivem razoavelmente. Depois da tentativa de regicídio e a violenta perseguição à família Távora começa o conflito cujo desfecho se conhece bem. A pergunta é o que este fato da aristocracia lisboeta tem a ver com os índios e negros brasileiros? Em sua sede ao poder verdadeiramente maquiavélico Pombal conseguiu manipular o rei fraco, de tal modo que fez parecer forte a monarquia quando, na verdade, era forte o ministro que servia o poder de maneira atilada como poucos outros na história política da velha Europa. Primeiro, o nepotismo de Pombal fez com que alguns parentes dele de extrema confiança colocados em postos chaves ultramarinos dessem ao império português um vigor que somente teria conhecido ao tempo de Dom Manuel, o Venturoso.
 

Destes personagens de primeiro time do Diretório Pombalino, seu meio irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, nomeado capitão-general e governador do estado do Grão-Pará e Maranhão, demarcados de limites da fronteira setentrional portuguesa na América; teria um papel excepcional que, no limite, pode-se dizer foi responsável pela mudança de juízo do ministro a respeito dos reais alcances do tratado de Madri de 1750 para as pretensões de Portugal na América meridional e futuramente do Brasil após a Independência de 1822.
 

Feita a introdução ao novo descobrimento do Brasil vamos ver a seguir como o neotrópico úmido determinou a biodiversidade e diversidade cultural do rio Babel e a conquista reduziu milhares de línguas e cultural na língua-geral num processo que levaria cem anos, exatamente, entre 1655 a 1755 para reduzir tudo ao “índio” indistinto ou tapuio falando unicamente o português caboco. Quase não se percebe que apesar da colonização do Brasil ter começado em 1530, e somente com a fundação de São Luís do Maranhão pelos franceses, em 1612, o processo colonial teve início na Amazônia; daqui foi que saiu o molde do aportuguesamento final e total para o resto do país, já na metade do século XVIII, que possibilitou o milagre de falar-se a língua de Camões do Oiapoque ao Chuí pela vontade do déspota esclarecido (sic) Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal.
                                                               O Diretório dos Índios

O Diretório dos Índios foi o regime de administração das populações indígenas da Amazônia [estado colonial do Grão-Pará e Maranhão] no século XVIII, baseado numa lei editada em 1755 pelo rei de Portugal, D. José I,  conforme ///através de seu ministro, o Marquês de Pombal, que dispunha sobre os aldeamentos indígenas do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1758 um Alvará estendeu estas medidas para o Estado do Brasil. Este diretório extinguiu o trabalho missionário dos religiosos nos aldeamentos, elevando estes à condição de vilas ou aldeias, administradas por um diretor.
Este Diretório assegura a liberdade aos índios. Cada vila ou aldeia deveria ter uma escola, com um mestre para os meninos e outro para as meninas, sendo proibido o uso de outro idioma que não o português. Os indígenas deveriam ter sobrenome português. A nudez foi proibida, bem como as habitações coletivas. A mestiçagem foi estimulada.
A política do Marquês de Pombal buscava assim incorporar o índio à sociedade dos brancos, transformá-lo em um trabalhador ativo, a fim de assegurar o povoamento e a defesa do território colonial.
Em 1798, o Diretório foi revogado. Os índios aldeados foram emancipados e equiparados aos outros habitantes do Brasil.

       A “CIVILIZAÇÃO” DOS ÍNDIOS E A FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO DO BRASIL.

Maria Helena Ochi Flexor

RESUMO
Destacam-se as reformas promovidas no reinado de D. José I, especialmente pela ação de seu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal, especialmente a educação dos indígenas, sua inclusa na “sociedade civil” e seu papel na formação do território do Brasil. Transcreve-se um modelo de cartilha para ensinar a ler, escrever, contar e a doutrina cristã.
Palavras-chave: Política de repovoamento, Ensino de índios, Cartilha, Doutrinação, Urbanização.

ABSTRACTS
The reforms prometed during D. José I’s Kingdom stand out specially by the action of its Minister and Secretary of State of the Kingdom’s Business, Sebastião José de Carvalho e Melo, Count of Oeiras, then Marquis of Pombal, especially the Indians education, its inclion in the "civil society" and its paper in the formation of the territory of Brazil. It transcribes a spelling-book model to teach how to read, write, count and the christian doctrine.
Kay-words: Repeople politics, Boys and Girls’ Teaching, Indian Teaching, Spelling-Book, Indoctrination.

O Tratado de Limites de Madri, em 1750, desencadeou uma série de ações do governo luso em relação a seu Reino. Até o Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, sucederam-se fatos importantes que transformaram as feições de uma parcela do Reino português: o território do Brasil. Como se sabe, esses limites cronológicos compreenderam o reinado de D. José I e a ação de seu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, o discutidíssimo Sebastião José de Carvalho e Melo, o Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal. Este procurou desenvolver um programa de reorganização econômica, social, administrativa, judicial e, sobretudo, política de Portugal e suas

Este texto, com alterações e com o título Aprender a ler, escrever e contar no Brasil do século XVIII foi publicado em: Filologia e lingüística portuguesa / Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, Humanitas, São Paulo, nº 4, p. 97-157, 2001.
TP2PT Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Católica do Salvador – UCSal, Professora Emérita da Universidade Federal da Bahia. 


conquistas. Foi Pombal quem estendeu essas ações para fixar as fronteiras brasileiras e manter a unidade do Vice-Reino.
Assim, pode-se citar, entre muitas outras ações, o levantamento cartográfico e formação de comissões de limites, criação do Tribunal da Relação no Rio de Janeiro, organização de capitanias subalternas ao Grão-Pará e Maranhão, sediando o governo em Belém, criação da Capitania de São José do Rio Negro (Amazonas) com resgate de índios, incorporação, por seqüestro ou compra, de outras capitanias, criação da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, criação da Companhia de Pesca da Baleia, abertura de caminhos para o comércio, expulsão dos jesuítas, recriação da Aula de Engenharia do Pará, mudança da capital para o Rio de Janeiro com a elevação do Brasil a Vice-Reino, recenseamentos, visando o conhecimento real de habitantes e quantidade de homens válidos ao Serviço Real, criação de comarcas e ouvidorias, bem como de tropas regulares, auxiliares de milícia e reestruturação das ordenanças com a extinção da Companhia de Privilegiados da NobrezaTP3PT, construção de fortalezas, melhoria de técnica agrícola - como uso de estrume e arado -, importação de negros para a região Norte e proibição de sua saída. Para solidificar tudo isso criou vilas e povoaçõesTP4PT.
Uma Carta, de 26 de janeiro de 1765, contendo as Instruções do então Conde de Oeiras, dirigida ao Vice-Rei de Estado do Brasil, Conde da Cunha, esclarecia uma das finalidades da política urbanizadora lusa. Por ela, a criação de vilas nas fazendas jesuíticas e aldeias dos índios, quanto em outros lugares que fossem tidos como próprios para essas fundações, a liberdade dos índios e o desenvolvimento do comércio entre eles, seria o melhor meio de resistir aos jesuítas cuja maior força e riqueza, na América, tinha sido o domínio completo da civilização dos mesmos índios. Por isso, D. José I ordenava que se estabelecessem “povoações civis” de índios livres. Instalados em núcleos urbanos, os índios deixariam de se mostrar como inimigos dos portugueses e dos espanhóis e não “assaltariam” os caminhos, as cidades, vilas e aldeias das duas nações.P PNa realidade os portugueses estavam perdendo território para os espanhóis, em especial nas regiões que, até a sua expulsão, estavam sob o domínio dos jesuítasTP5PT.
TP3PT Houve um grande incentivo ao comércio e, com isso, a valorização do trabalho agrícola e comercial e um flagrante combate à ociosidade, à vadiagem e à preguiça institucionalizadas, especialmente entre nobres.
TP4PT As reformas atingiram todo o domínio português. A criação da Capitania Geral do Açores, de 1766, e o poder de D. Antão Almada, a criação de Nova Goa na Índia, Nova Oeiras em Angola e mesmo a ação do primo de Pombal, João de Almada e Melo, no Porto, faziam parte desse projeto.
TP5PT Como os portugueses estavam, até então, voltados para o comércio do Oriente, abandonaram o Brasilnas mãos dos jesuítas. 

Ao libertar os índios - Leis de 6 e 7 de junho de 1755 e Alvará de 8 de maio de 1758 -, a Metrópole ordenou a elevação de antigas aldeias e fazendas, as maiores a vilasTP6PT e as menores a aldeias, lugares ou povoaçõesTP7PT, entregando sua administração aos índios com o intuito de, na prática, civilizá-los, educá-los, obrigá-los a falar a língua portuguesa. A intenção era fixa-los e integrá-los na sociedade dos brancos num núcleo urbano, para povoa-lo e, com isso, defender o territórioTP8PT. Visava-se fortificar a Monarquia, libertando os índios. Essa liberdade, no entanto, baseava-se nas teorias de Jean-Jacques Rousseau, sobre a origem e fundamento da desigualdade entre os homens, de acordo com a dissertação apresentada por ele na Academia de Dijon, em 1755TP P(TAPEB, m. 603, fl. 20v).
A liberdade dos índios, portanto, ainda era fictícia, pois eles estavam sujeitos ao Diretório dos Índios do Grão-Pará e Maranhão, estabelecido em 1758 (DIRETÓRIO, 1984, p. 85-126)TP9PT, que aplicava, entre os nativos, a prática corrente em alguns lugares da Europa, e de Portugal, estabelecida pelas Ordenações, pela qual os filhos órfãos de pais mecânicos, ou pais vivos dementes, deviam se dedicar aos ofícios mecânicos ou trabalhar a soldadaTP10PT. “O mesmo parece justo que se observe com os filhos de índios ainda que tenham pays vivos, porque por dementes e pródigos se reputam governados por Directores como seus tutores” (ANAIS, 1914, v. 32, p. 373)TP11PT.
Através desse documento foi dada a Lei de liberdade de comércio e de bens individuais aos índios, prometendo vantagens e prêmios para os brancos que casassem com índiasTP12PT.P PFoi proibido chamar a seus filhos de caboclos, além de igualá-los em tudo, teoricamente, aos outros vassalos brancos. Até que os indígenas fossem capazes de se inserir na sociedade civilizada, deviam ter um Diretor, em cada aldeia ou povoação, eleito na comunidade, com funções mais de orientação e instrução do que de administração. Bondade e brandura foram insistentemente recomendadas no trato com os índios.
O principal interesse se centrou nas regiões Norte e Sul, onde a questão de limites era mais frágil. Para o Norte foi mandado, como Ministro Plenipotenciário, para execução do tratado de demarcação de limites, iniciada a partir de 1754, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, meio-irmão de Pombal que, desde logo, começou a informar a Metrópole sobre os pormenores da
TP6PT Foi instituída um único povoação com o título de cidade: a vila de Moucha, no interior do Piauí, qie foi elevada à cidade com o nome de Oeiras.
TP7PT Além dessas subdivisões civis, foram criadas, também, as freguesias que constituiam a divisão da administração eclesiástica e tiveram papel atuante como as vilas.
TP8PT Programou-se criar uma vila a cada seis léguas, ao longo do litora, por exemplo. As fortificações só foram construídas na região Norte, no Sul e fronteira Oeste. No litoral foi usada outra estratégia. As povoações, agora, deviam ser ao nível do mar.
TP9 É reproduzido também em ALMEIDA, 1997, Apêndice.
PTTP10PT Trabalho remunerado.
TP11PT Política que, em linhas gerais, é mantida até o presente pela FUNAi.
TP12PT Entre os prêmios incluía-se o Hábito da Ordem de Cristo. 

verdadeira situação em que se encontrava a região duzentos e cinqüenta anos depois do descobrimento do Brasil.
Com a implantação desse projeto, na realidade, a Metrópole seguia as sugestões de Mendonça Furtado que mostrára, através de cartas desde 1752, vontade de realizá-lo. Uma resposta do Conde de Oeiras a seu irmão, em carta de 14 de março de 1755, dizia que Sua Majestade resolvera “reduzir as Aldeyas, e Fazendas a Villas, e Povoações Civis” e tomara “a mesma Rezolução a Respeito da liberdade dos Índios na conformidade de certa Doutrina de Solorzano”TP13PT, permanecendo ainda, “em segredo esse negócio” até que próprio Mendonça Furtado se recolhesse ao Pará depois da viagem pela região amazônicaTP14PT.P
Para cada uma das regiões do Brasil foram enviadas instruções para a criação das vilasTP15PT e reorganização da administração, bem como homens de pulso forte para garantir o projeto, quer para o cargo de Governador e Capitão General, como o Morgado de Mateus em São Paulo, quanto para Ouvidores, Juizes de Fora, etc. Essas instruções, a depender da região, repetia alguns capítulos do Diretório do Grão-Pará e Maranhão e, em outras, tinham determinações específicas a serem observadas. Dentre essas instruções é interessante destacar a documentação relativa à capitania de Pernambuco, pois contêm, em anexo, uma Cartilha, que se transcreve mais adiante. Em todas as instruções havia a recomendação quanto à obrigatoriedade do uso da língua portuguesa nos novos núcleosTP16PT.
Essas instruções, de 1759TP17PT, rezavam no item 6:
(fl. 3v) “Sempre foi maxima inalteravel entre as Nasçoens, que conquistarão novos dominios introduzir Logo nos Povos novamente Conquistados o seu proprio Idioma por ser indisputavel hum dos meyos mais efficazes para os apartar das Rusticas barbaridades de Seus antigos Costumes, e ter
TP13PT Tratava-se de Juan de Solórzano y Pereira que, nos fins do século XVII, escreveu sobre o direito dos índios da América Espanhola e foi Ouvidor das Audiências do Reino do Peru..
TP14PT BNA - BIBLIOTECA NACIONAL DA AJUDA, Para o governador e Capitam General do Pará, em 14 de novembro de 1755..., Lisboa, Cota 54-IX-27, n., 16, ms., fl. 2; BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA, Carta familiar... Códice 113.930, Lisboa, ms., fl. 31rv.
TP15PT Nas instruções enviadas à Capitania de Porto Seguro é interessante se ver as descrições da construção das casas, pois, como se sabe, os índios viviam em casas coletivas e a sua “civilização” requeria a construção de núcleos unifamiliares.
TP16PT A transcrição obedece as Normas do Comitê Brasileiro de Paleografia, exceto os pronomes complementos que serão mantidos ligados quando ocorrerem. As abreviaturas foram desdobradas, colocando-se entre parêntese, colocando-se os desdobramentos entre colchetes.
TP17PT Direcção com que interinamente sedevem regular os Indios das novas Villas, e Lugares, que S. Magestade Fidelissima manda Erigir das Aldeas pelo que pertence as q[ue] estão cituadas nesta Cappitannia de Pernambuco, e suas annexas emquanto o mesmo Snr’ não determinar o Contrario, dando nova e melhor forma para o seu Regimen. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Pernambuco, 1759, 26 de fevereiro, Cx. 59, doc. s. n., ms. 

mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que Se introduz nelle o uso da Lingoa do Principe, que os domina, Selhes radica tambem o afecto, veneração, e obediencia; observando pois todas as Nasçoens polidas do Orbe este prudente, e Solido Systema, nesta Conquista Sepracticou tanto pelo Contrario, que Só Cuidarão os primeyros conquistadores de estabelecer nella o uso da Lingoa a que chamão geral, invenção verdadeiramente diabólica para que privados os Indios de todos os meyos, que os podião Civilizar, permanecesem na Rustica, e barbara Sugeição em que até agora SeConservão”.
No item 7:
“Para desterrar este perniciozo abuzo, Serâ hum dos principaes cuidados dos Directores estabelecer nas Suas Respectivas V[il]as ou Lugares uso da Lingoa portugueza, não consentindo de modo algumTP18PT, que os meninos, e meninaz, que pertencerem as (fl. 4) Escollas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucção nesta materia, uzem da lingoa propria das Suas Naçoens, ou da chamada geral; mas unicamente da portugueza na forma que S. Mag[estad]e tem recommendado em Repetidas Ordens, que até agora se não observarão com total Ruyna espiritual e temporal do Estado”.
No item 8:
“E como esta determinação hê a baze fundamental, haverâ em todas as Villas, ou Lugares duas Escolas publicas, huá para RapazesTP19PT, e outra para Raparigas, nas quaes se insignarâ a Douctrina Christaá, Ler, escrever, e Contar na forma que Sepratica em todas as das Naçoens Civilizadas ensignandosseTP20PT nas Raparigas, aLem da Doutrina cristaã, a Ler, escrever, fiar, fazer renda, Costuras, e todos os mais menisterios proprios daquelle Sexo”.
No item 9:
“Para subsistencia das Sobreditas Escollas haverâ hum Mestre, e huã Mestra, que devem Ser pessoas dotadas de bons Costumes prudencia, (fl. 4v) e Capacidade, de Sorte, que possão desempenhar as Obrigaçoens dos Seus empregos, as quaes Se destinarâ o emolumento de meyo tustão por mês de Cada descipuloTP21PT, e meyo alqueire de farinha por anno na occazião da Colheyta, pago pelos Pays dos mesmos Indios, ou pelas pessoas em cujo poder viverem Concorrendo Cada hum com a porção, que lheCompetir em dinheyro, ou effeitos, o que prezentemente Se Regula em attenção a grande mizeria e pobreza a que Seachão reduzidos: no Cazo porem de não haver nas
TP18T À margem esquerda: “Que não uzem de outro edioma que do Portuges (sic)”.
PTP19PT À margem direita: “Duas escollas para os meninos”.
TP20PT Grafado com s caudado com som de ss.
TP21PT À margem esquerda: “A custa de Seus Pays”. 

VillasTP22PT, ou Lugares pessoa alguá que possa Ser Mestra de meninas poderão estas ate a idade de nove annos ser instruidas na dos meninos, na qual se lhes ensignarâ o que a estes deyxo referido para que juntamente com as infaliveis verdades da nossa Sagrada Religião adquirirão com mayor felicidade o uso da lingoa portugueza”.
No item 12:
(fl. 6) “A cLasse dos mesmos abuzos não Sepode duvidar, que pertença tambem o inalteravel Costume, que Sepracticava em todas as Aldeas de não haver hum Só Indio, que tivesse apelido, e de uzarem quaze todos de diferentes nomes dos que Se lhespuzerão no Baptismo, destinguindosseTP23PT entre Sy pelo de Feras com que se denominão com escandalo geral no desprezo com que abração estesTP24PT, e deixão aquelles de que verdadeyramente devem usar, e Como de os terem, e Conservarem Sem apelido, sesegue haverem nas Povoações muitas pessoas do mesmo nome Sem qualidade que os destinga, de que Se oregina Confuzão, e falta de Conhecimento necessario ao uso das Gentes; terão grande Cuidado os Directorez de os fazer tractar debaixo dos que Receberão no Baptismo, dandolhes os apelidos pertencentes as familias Portuguezas por Ser moralmente Certo, que todos os de (que)TP25PT uzão os brancos, e mais pessoas que Se achão CiviLizadas os procurão por meyos Licitos, e virtuozos, para viverem e Se tratarem a Sua imitação”.
Outras instruções recomendavam, ainda, que todos os nomes das vilas criadas fossem de origem portuguesa.
Anexo a essas instruções encontra-se o modelo do (fl. 44) ‘Termo, que fazem os Directores para Satisfazerem as obrigaçoenz, que Se lheencarregão.
As (sic).......(em branco) dias do mez de.........(em branco) do anno de mil setecentos sincoenta e nove na Secretaria deste Governo em prezença do Ill[ustríssimo] e Exc[elentissi]mo S[e]n[ho]r Luiz Diogo Lobo da Sylva Governador e Capitam General destas Capitannias aonde veyo I. e F. nomiado o primeiro para Director da Nova V[il]a de tal, e o segundo para M[estr]e da eschóla da mesma aonde pelo d[it]o Governador lhe foi dado o Directorio, porque os devião Regular, e Cartilha para a instrucção dos meninos, enCarregandolhez, que bem e verdadeiramente (fl. 44v) mente procuracem com toda a inteyreza cada hum na parte que lhetoca seguir em tudo o Refferido Directorio, e Cartilha gradualmente segundo a natureza doz habitadores a que Sederegião as Refferidas Instrucçoenz o permetissem fosse conducente a CivilizaLoz como sepertende, para o que
TP22PT À margem esquerda: “Havendo Só mestre, e não mestra, andarão tão bem as meninas athe a idade de nove annos”.
TP23PT Grafado com s caudado.
TP24PT À margem direita: “Que tenhão nomens, e Cognomez das famiLias de Portugal”.
TP25PT Omitido. 

lhesLembrava Ser percizo obrigalloz quanto fosse justo pelos meyos da brandura, e Suavidade, a fim de que ajudados Com a sua doutrina vencão as trevas da ignorancia em que Seachão embolvidos, (sic) para com o conhecimento da Razão, e do beneficio, que Se lhes Seguia venhão Com facelidade a não lheSer custozo os justos meyos, que Selhe offerecião para a sua mayor utilidade temporal, e Espiritual, e que ellez Director, o Mestre tem a mayor gloria, e devem trabalhar com osseuTP26PT exemplo a conseguila na Certeza de Ser o meyo mais efficaz para Senão afastarem da nova regularidade, que pelos Seuz empregos ficão na obrigação de lhes propôr; e de Como assim o prometerão executar, e de não tirar dos ditos habitadores directa, ou indirectamente Couza alguá, alem do que pelo mencionado Directorio lhe hé premetido, que Só Receberão emq[uan]to S[ua] Mag[estad]e Fidelissima houver por bem a Sua obServancia, e Concorrer quanto Couber a fazer (fl. 45) interter entre ellez as Leys do podôr, e honestidade embaraçando toda a Liberdade, que possa Ser de maó exempLo a conservação desta tão eSencial virtude seobrigarão na parte, que lhes hé Licita, e permetida, como a tudo o mais que fica Refferido, o que tudo jurão não faltar de obServar na forma expressada, de que mandey fazer este termo, que os mesmos aSignarão para a todo o tempo constar onde necessario for”.
Outro documento contém a citada CartilhaTP27PT que se reproduz na seção documentos da Revista HISTEDBR on-line. É uma cartilha simplificada, destinada a facilitar o ensino aos índios, não esquecendo as instruções da doutrina cristã, misturadas em meio às regras gramaticais. Obedecendo instruções, adotava-se o “livro de Andrade”, isto é, de Manoel de Andrade Figueiredo (1722, 156p)TP28PT, escrita em 1718 e publicada, depois das devidas licenças, em 1722. A Cartilha foi feita por um padre francês, cujo nome não é declarado, mandada elaborar pelo Governador de Pernambuco.
Por ela tem-se idéia de como era o ensino ministrado aos meninos índios, bem como as noções da doutrina cristã. Essa cartilha serve, não só para esse conhecimento, quanto é excelente documento para estudos lingüísticos.
Ao contrário do que se possa pensar a alfabetização dos índios foi colocada em prática, existindo vários relatos, especialmente dos Ouvidores, dando notícias das condições em que se encontravam os meninos e meninas, tanto aqueles que freqüentavam as aulas, quanto os que trabalhavam como oficiais mecânicos.
TP26PT Grafado com s caudado.
TP27PT ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Pernambuco, s.d., Cx. 59, doc. s/ nº, ms. Esta Cartilha já foi transcrita por Antonio Alberto Banha de Andrade. A reforma pombalina dos estudos secundários no Brasil. São Paulo: EDUSP/Saraiva, 1978. p. 199-153.
TP28PT Existe um exemplar no IEB – Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Calígrafo, Figueiredo nasceu. Entre 1665 ou 1670, no Espírito Santo. Era filho do Governador daquela Capitania, Antônio Mendes de Figueiredo e de dona Maria Coelho. Faleceu em Lisboa a 4 de julho de 1735. Existe um outro exemplar no Caraça, em Minas Gerais. 

É certo que houve a instalação tardia das Aulas Régias, entretanto, as notícias havidas de diversas regiões do Brasil davam conta de que a tarefa de instruir os meninos e meninas estava se cumprindo, não da forma programada, mas de maneira, muitas vezes, improvisada, devido as circunstâncias de cada vila, povoação, aldeia ou lugar.
O segundo ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, no processo de civilizar os índios, tirava-os ainda pequenos de seus pais para afastá-los do que chamava “quase congenitos vicios” e para que esquecessem a língua materna. Em 1771 dizia: “ha escola em que aprendem a ler e escrever 80 meninos e por acaso não há mestre oficial de oficio mecanico que deixe de ter algum por aprendiz e dos maiores os mais rusticos a soldada”TP29PT.
Em outros relatos desse ano e do ano seguinte, o referido Ouvidor torna a falar no processo civilizatório, ressaltando os resultados positivos que vinha obtendo. Em 1773 escrevia que os mais velhos usavam ainda da língua bárbara, “reprimindo-lha no publico o temor do castigo, mas praticando-a sempre no particular e maiormente com os filhos, que tem na sua companhia, porque dos que lhes tirei para a dos mestres e amos, tanto mais pequenos, tanto mais se veem esquecidos dela”. E continuava: “Serão perto de 400 os que atualmente existem de um e outro sexo distribuidos a oficios e soldada pelas casas dos mesmos brancos”. No ano seguinte comunicava que grande parte dos índios já andava de calção, morava em casas cobertas de telhas e providas de móveis como a dos brancos, e que alguns dos que se tinham iniciado no aprendizado de ofícios mecânicos chegavam já a “trabalhar por fora independentes dos mestres”TP30PT. Existem no Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, conjuntos de pequenas folhas de papéis, com exercícios caligráficos de índios alunos do Amazonas e de São Paulo, junto com finos fios de algodão e amostras de rendas.
Em outros núcleos, por vezes, especialmente na região amazônica, foram forçados a se reunir índios de etnias diversas e que, em consequência, falavam dialetos diferentes. Em alguns casos, a língua portuguesa serviu para unificar esses povoadores. O mais freqüente, no entanto, nesse caso, foi a presença de um intérprete – o língua – que podia ser de origem a mais diversa possível: índio fugido ou civilizado, negro fugido, soldado, letrado, etc., etc. O estudo do papel do “língua” no século XVIII, bem como o resgate das noções da chamada língua geral, que a língua portuguesa imposta nesse período pela política pombalina fazia proibir, é assunto para outros estudos.
TP29PT ANAIS, v. 36, p. 225. Existe no Arquivo Histórico Ultramarino um precioso material produzido pelos meninos índios da Amazônia. Foram mandadas para o Conselho Ultramarino, como prova de que as instruções estavam sendo executadas, amostras de fios de algodão finíssimos, de rendas de modelos diversos, exeuctadas pelas meninas, e folhas de papel com exercícios de escrita dos meninos.
TP30PT ANAIS, v. 36, p. 239, 266, 272, 277, 324. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Rita Heloísa (1997). O diretório dos índios; um projeto de “civilização” no Brasil do século
XVIII.. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Apêndice.
ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO (1914), Rio de Janeiro, v. 32, 36. Designados ANAIS.
ANDRADE, Antonio Alberto Banha de (1978). A reforma pombalina dos estudos secundários no Brasil. São Paulo: EDUSP/Saraiva.
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, (1759) Pernambuco, 26 de fevereiro, Cx. 59, doc. s. n., ms.
________________________________, (s.d.) Pernambuco, Cx. 59, doc. s/ nº, ms.
APEB - ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, (1759) Colônia, Indios, maço 603, cad. 32, APEB, ms..
BIBLIOTECA NACIONAL DA AJUDA, Diário da viagem que, em visita, e correição das povoações da Capitania de S. José.... no ano de 1774/75..., Lisboa, cota 51-XI-29, ms.
______________________________ (1755), Para o governador e Capitam General do Pará, em 14 de novembro de 1755... Biblioteca Nacional da Ajuda de Lisboa, Cota 54-IX-27, n., 16, ms.,
BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA Carta familiar... Códice 113.930, ms.
CARVALHO, Laerte Ramos de (1978). As reformas pombalinas da instrução pública.São Paulo: EDUSP/Saraiva.
DIÁRIO DA VIAGEM que, em visita, e correição das povoações da Capitania de S. José.... no ano de 1774/75... Biblioteca da Ajuda, Lisboa, cota 51-XI-29, ms.
DIRECTORIO que se deve observar nas povoaçoens de índios do Pará, e Maranhão enquatno Sua Magestade não mandar o contrario, 1758 (1984). In: Boletim de Pesquisa da CEAM, Manaus, v. 3, n. 4, p. 85-126, jan.-dez.
FIGUEIREDO, Manuel de Andrade (1722). Nova escola para aprender a ler, escrever, e contar. Lisboa Occidental, na Officina de Bernardo da Costa de Carvalho. 156p. ilust.
FLEXOR, Maria Helena Ochi (1996). Núcleos urbanos criados por Pombal no Brasil do século XVIII. Anais do IV Seminário História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: PROURB. v. 1 p. 602-620.
________________________ (1995) Núcleos urbanos planejados do século XVIII. In: FABRIS, A. e BATISTA, M.R. (Org.). V Congresso brasileiro de História da Arte, São Paulo: Comitê Brasileiro de História da Arte/FAPESP/ECA-USP. p. 75-82.
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________________________ (1998). A ociosidade, a vadiagem e a preguiça no Brasil do século XVIII. Anais da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica. Curitiba: SBPH,. p. 157- 164.
________________________ (1998a) As vilas pombalinas do século XVIII: estratégias0 de povoamento. In: Anais do V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, Campinas, 14-16 outubro. CD-Rom. 

PALÚ, Pe. Lauro (1978/1979). Nova escola para aprender a ler, escrever e Contar (1722). In: Revista Barroco,Nº 10, p. 97-103, Minas Geraisl.
Salvador, dezembro 2004.

Comentários

  1. Muitissimo interessante o seu blogue. Simplesmente, fenomenal.
    Adorei
    CONVITE

    Primeiro, eu vim ler o seu blogue.
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