ORQUESTRA DO MARAJÓ


A história da orquestra está ligada à música instrumental. Sempre existiu a música de instrumentos, mas em geral era prática minoritária em relação à música vocal. Foi no século XVI, com o Renascimento que a música instrumental começou a ser praticada de forma autônoma. Com a música renascentista os instrumentos adquiriram status para ser ouvidos independentes da música vocal. 

No começo com transcrições de música vocal ou danças estilizadas, os primeiros instrumentos solistas foram o órgão e o alaúde. A idéia de formar grupos de instrumentos é antiga, mas durante o período medieval os grupos não tinham estrutura definida. É provável que o Hoquetus David, obra musical do século XIV seja a primeira composição instrumental. Além do apoio à música vocal, os grupos instrumentais foram, desde muito antigamente, usados em cerimônias públicas em locais abertos. As festas romanas no Coliseu já usavam grupos de cornetas e outros instrumentos de grande volume. As cortes feudais também usaram com freqüência os instrumentos mais estridentes para cerimônias de coroação e festas em lugares abertos.

Mas o surgimento da orquestra está ligado a uma autonomia e uma padronização dos grupos instrumentais, seguindo sempre uma tendência de desenvolvimento da cultura urbana e burguesa. Orquestras primitivas, surgidas no início do período barroco, na Itália, foram os primeiros grupos com instrumentos definidos, correspondendo às primeiras tentativas feitas por compositores em obter um grupo instrumental de timbre definido. A partir deste período, os compositores passaram a não mais deixar a definição do timbre dos grupos instrumentais a cargo dos executantes, institucionalizando uma certa formação instrumental. Neste momento, ainda não havia uma fixação da formação orquestral, o que só iria acontecer no fim do primeiro quartel do século XVIII.

Com esta breve introdução queremos saudar os idealizadores e realizadores da Orquestra do Marajó, bem como felicitar a Fundação Carlos Gomes pelo trabalho que realiza em prol da cultura musical na Amazônia Paraense. Lembro particularmente de minha infância na cidadezinha de Itaguari (Ponta de Pedras) onde, pontualmente, todo começo de noite a "Voz do Brasil" trazia acorde de O Guarani, do maestro Carlos Gomes, a lembrar o drama brasílico de nossas vidas e mortes pretéritas. Sons da alma do povo pelas ondas do rádio na distância continental do país das palmeiras repercutindo nas ilhas do fim do mundo.

Agora como que o velho Marajó avoengo desperta do sonho da "Primeira Noite do Mundo" com esta magnífica notícia do projeto da nossa orquestra. Viva Marajó! Suas dezesseis cidades ribeirinhas e 500 e tantas comunidades locais, dispersas por "1001" ilhas, onde em sinfonia com o canto da saracura ressoam, doravante, os timbres musicais que hão de dialogar com as vozes do Brasil e do mundo: esperança do grande concerto planetário pela harmonia e a paz entre as nações, desde a boca do grande Nilo amazônico, beiradão da Amazônia azul.

Notável pela natural musicalidade de sua gente, o arquipélago do Marajó teve primeiro registro da peculiariedade do som de "trombetas" e vozes de "pocemas" (gritos de alegria) com que os índios Nheengaíbas festejaram a chegada do Padre Antônio Vieira em missão de paz ao rio Mapuá (Breves) para concluir o acordo de 27 de agosto de 1659 ( segundo carta do dito Padre, datada de Belém do Pará em novembro de 1659 à Dona Luísa de Gusmão, regente do reino de Portugal e viúva de Dom João IV).

Trombetas e vozes indígenas saudaram a paz do Grão-Pará naquela data, pelas margens do rio Mapuá. Eram índios Nheengaíbas (marajoaras) e Tupinambás, por uma parte, e missionários e colonizadores portugueses por outra, dando termo à longa guerra de conquista do "rio das amazonas" iniciada pela tomada do Maranhão (1615) e expulsão dos estrangeiros no Xingu e Gurupá (1623). As flautas sagradas e clarinetes da festa ancestral do Toré revivem com a alma marajoara, que hoje parece entoar um canto de ressurreição sobre campos alagados no entorno dos tesos, monumentos naturais onde repousa a memória da Ars primeva do Brasil.

Tenha vida longa a ORQUESTRA DO MARAJÓ e seja ela nossa embaixada cultural para salvação da Cultura Marajoara de 1500 anos de idade. Repercutindo O Guarani nos lembre do "índio extinto" que renasce nas novas gerações de cabocos ribeirinhos. Toque a corações e mentes a semente da solidariedade pela revitalização do Museu do Marajó, com concurso do Ministério da Cultura e da UNESCO, em preparo do dia de retorno da cerâmica marajoara original exilada em museus estrangeiros. Que seus acordes acordem os marajoaras para a grande obra de pacificação dos espíritos em busca de uma Terra sem males para todos e todas.

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