Maracanã no Pará e Sintra em Portugal: uma história colonial que poderá ainda ter final feliz,

Resultado de imagem para imagem dunas de algodoal
Monumento Natural Dunas de Algodoal - Área de Proteção Ambiental Algodoal-Maiandeua no município de Maracanã (antiga Sintra), Amazônia atlântica paraense.




Nem todos sabem como se fazem salsichas e leis. A frase do chanceler alemão Otto Von Bismarck (1815-1898), "leis são como salsichas, melhor não saber como são feitas". Em certos casos, também melhor não saber como foram dados nomes a cidades brasileiras durante a época colonial ou feitas coleções de grandes museus mundo afora. 

Hoje ainda para compreender a maçada e se tornar apto a ensinar sobre o assunto carece fazer universidade, passar em curso de mestrado e terminar doutorado nesse tipo de maçonaria que é a academia para saber como corporações de ofício evoluíram e a pilhagem prevaleceu na formação dos impérios. A revolução francesa de 1789, por exemplo, prometeu jogar por terra a nobreza imperial e abolir o modo corsário das pilhagens para o enriquecimento da nação. 

Mas, ela derivou no império de Napoleão a prover museus de França da mesma maneira dos monarcas do passado. O império britânico por sua vez, sem repudiar a pirataria do passado, não pôde dar lição aos franceses. E o Grão-Pará não é nem nunca foi o Egito embora o rio Amazonas e o Nilo, afinal de contas, tenham tantas coisas bem semelhantes. Quem quiser saber onde foram parar lindas peças de cerâmica marajoara arrancadas de sítios arqueológicos saqueados na ilha do Marajó de povo pobre, deve tirar um tempinho para ler o livro Cultura Marajoara, de Denise Shaan, gaúcha, que com as suas pesquisas fez mais pelo nosso esquecido patrimônio que todos nós juntos ou tantos quantos doutores nascidos na Amazônia.

Pena que, no que diz respeito ao Marajó velho de guerra, metade dos mais de 500 mil habitantes sejam completamente analfabetos e noutra parte predominam analfabetos funcionais. Enfim dos poucos letrados falta contar ainda analfabetos políticos com os quais o povo não pode contar. Assim, vamos ao ponto a fim de explicar como se fez e continua a fabricar a leseira amazônica, passando do caso da alienação do Marajó ao vizinho Salgado. Nesta região paraense que foi a primeira tocada pelo colonialismo, o caso é saber: 

Como foi que a velha e orgulhosa vila portuguesa de Sintra veio parar ao Grão-Pará apagar o nome original da aldeia indígena Maracanã. E, depois, como esta última bafejada pelo espírito da revolta popular de 1835 contra o império brasileiro, terminou por retomar sua toponímia nativa dando exemplo de descolonização histórica e cultural às mais vilas e lugares aportuguesados à força sob a ditadura do célebre déspota esclarecido Marquês de Pombal. 

Deste assunto eu tratei, em 1999, em minha história atrevida chamada Novíssima Viagem Filosófica, na REVISTA IBERIANA. Para que as populações saibam que nem tudo são flores no domínio da língua portuguesa afinal tão cara para a história do povo brasileiro, como conta José Ribamar Bessa Freire na obra Rio Babel - a história das línguas na Amazônia. A revolução dos cravos em Portugal ainda precisa repercutir no Brasil a fim de clarear os fatos da história comum. 

O passado não se pode remediar, todavia as presentes e futuras gerações ao melhor compreendê-lo - para isto servem os museus - podem se reconciliar e trabalhar juntas pela justiça e a paz a fim de que a velha história não se repita nunca mais. Portanto, as cidades da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que tiveram suas toponímias enlaçadas pelo colonialismo poderiam do limão imperial fazer uma boa limonada. Isto é, inventar um turismo educativo inovador com base nas geminações de cidades e intercâmbio de museus municipais.

Recordar como, depois de 256 anos do tratado de Tordesilhas (1494), o tratado de limites de Madri (1750) foi o pomo de discórdia entre monarcas ibéricos e a Companhia de Jesus na colonial América do Sul e o quanto isto implicou na história dos povos ibero-americanos. No curso do conflito ideológico entre a escolástica católica e o iluminismo europeu triunfante, podemos dizer que infelizmente povos indígenas e afro escravizados pagaram o pato. 

Foi assim, então, que na Amazônia portuguesa o meio irmão do Marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, capitão-geral e governador do estado do Grão-Pará e Maranhão decretou, sem mais nem menos, uma mudança toponímica no Grão-Pará e Maranhão com que vilas e lugares de Portugal terminaram como exilados no rio das Amazonas.

No caso da deportação, por assim dizer, da vila de Sintra cumpre saber que a pré-história desta façanha pombalina no Pará contempla a luta entre lusos e franceses pelo território amazônico. Durante a França Equinocial (1612-1615), no Maranhão; no rio Maracanã entre 1613 e 1614, franceses estabeleceram-se na aldeia dos Maracanãs, índios de nação Tupinambá seus camaradas, onde construíram embarcações para explorar o Pará até o rio dos Tocantins, como de fato fizeram expandindo seus domínios. O próprio Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, comandou a entrada indo ele até Camutá-Tapera (Cametá-PA) donde retornou a São Luis diante da avançada dos portugueses que, em 1615, tomaram o forte francês de São Luís.


Em 12 de janeiro de 1616, o capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco em acordo com os Tupinambás da região funda o forte do Presépio, berço de Belém do Grão-Pará, dando início à ocupação portuguesa da Amazônia. Desde então, o choque colonial foi violento: Simão Estácio da Silveira, dono de navios, escreve um panfleto dirigido aos pobres de Portugal (leia-se, casais dos Açores) lhes prometendo o paraíso no Maranhão. O aliciamento dos primeiros colonos teve resultado trágico.

A soldadesca das guarnições dos dois fortes, São Luís do Maranhão e Presépio no Pará, cometiam graves abusos contra índias e índios a ponto de revoltar os próprios oficiais portugueses, como no caso do Pará, onde o estupro de uma jovem índia pelo capitão Antônio Cabral, sobrinho do capitão-mor, provocou reação do capitão Paulo Rocha terminando com o assassinato deste último pelo primeiro. Fato que determinou motim no Presépio liderado pelo capelão frei Antônio de Merciana, diante da leniência de Castelo Branco para não castigar o sobrinho. Postos a ferro o capitão-mor e Antonio Cabral foram mandados diretamente a Portugal, onde foram soltos e os militares no Pará repreendidos por insubordinação... 

No Maranhão, as coisas não foram melhor. Além do roubo de roças e captura de índios para escravos dos colonos; os filhos do capitão-mor Jerônimo de Albuquerque raptaram a mulher mais nova do cacique e pajé-açu da aldeia de Cumã, Pacamon, e além disso roubaram-lhe o porantim ou lança cerimonial sagrada na cultura guerreira tupi-guarani. A revolta de Pacamon foi imediata espalhando-se com rastilho de pólvora pela aldeia e vizinhança, Antônio e Maciel Albuquerque viram-se obrigados a fugir pelo mar para salvar a própria pele. 

Porém a revolta dos Tupinambás se alastrou do Maranhão ao Pará através do antigo caminho que ligava a costa do Salgado ao interior do Guamá. E, desta maneira, no dia 7 de janeiro de 1619, o cacique Guaimiaba (Cabelo de Velha) com os seus guerreiros atacou o forte do Presépio sendo morto sobre a muralha. Ato histórico que, certamente, desde então pelas acumulações sucessiva de ódios e mal entendidos recíprocos, teria funestas consequências dois séculos mais tarde, na madrugada de 7 de janeiro de 1835 (a Cabanagem): os tupinambás do século XVII, entretanto, ao ver o cacique Guaimiaba morto estendido no chão desbarataram-se tendo ao encalço soldados armados dispostos a dar um banho de sangue aos índios bravios. 

A represália portuguesa foi dantesca: Bento Maciel Parente e Pedro Teixeira auxiliados pelos irmãos Antônio e Maciel Albuquerque com soldados portugueses e mamelucos, encurralam os tupinambás no rio Gurupi e cometeram um genocídio dizem cronistas da época. Há quem fale em até cem mil índios mortos, número exagerado ao que parece, pois seria mais do que o dobro de mortos na Cabanagem (1835-1840). Diversos cronistas reprovam excessos despropositados do facinoroso Bento Maciel Parente, lamentando inclusive desperdício de braços escravos. Coberto de sangue Bento Maciel entra em Belém e na história para governar a província dentre a galeria dos maiores capitães-mores que o Grão-Pará teve: famoso inclusive como comandante da expulsão dos holandeses e ingleses na Amazônia. Este era, em linhas gerais, o cenário da região amazônica na quadra da União Ibérica (1580-1640), quando Portugal restaurou sua independência 1º de dezembro de 1640) e mais tarde, em 1653, o padre Antônio Vieira chegou ao Pará.

Vieira saiu de Lisboa frente à expedição a bordo da caravela Nossa Senhora das Candeias, em 22 de novembro de 1652, chegando a Belém do Pará em 24 de novembro de 1653, quando apresentou ao Governo Provincial a carta régia que lhe dava poderes especiais de evangelizar, fundar igrejas, instalar missões pelo sertão, baixar índios consigo, etc. Nesta ocasião, na aldeia Maracanã padre Antonio Vieira fundou a primeira igreja do lugar em taipa de pilão e batizou o índio Principal da aldeia de nome Copaúba, o qual recebeu batismo cristão como Lopo de Souza. 

A aldeia Maracanã teve certo progresso no regime das Missões, em 1700, recebeu foros de freguesia e meio século depois, com a expulsão dos Jesuítas, em cumprimento da Lei Pombalina de 6 de junho de 1755, o capitão-geral governador do Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, meio-irmão do Marquês de Pombal, determinou a mudança de nome da aldeia Maracanã para "Cintra" [Sintra], dentro da política de extinção de nomes indígenas por topônimos portugueses, tais como Viseu, Bragança, Ourém, Colares, São Caetano de Odivelas, Barcarena, Salvaterra, Soure, Chaves, Beja, Oeiras, Portel, Melgaço, Almeirim, Alenquer, Óbidos, Aveiro, Santarém, Faro e outras vilas e lugares.

Na ocasião, Cintra foi promovida à categoria de vila. Porém, somente em 1757 foi instalada com o nome oficial de Vila de São Miguel de Cintra, em virtude do achado de uma imagem de São Miguel. Em 11 de novembro de 1885, a lei provincial nº 1.209 elevou Cintra à categoria de cidade, que 10 anos antes já era Comarca (Lei nº 845, de 23 de abril de 1875).
Com a primeira república do Brasil, durante o governo de Paes de Carvalho no Estado do Pará, o cônego Ulisses de Pennafort, deu início com sucesso a campanha para o nome original do município voltar a ser oficialmente adotado. Deste modo, no dia de 28 de maio de 1897, a lei estadual nº 518 sancionada pelo governador, devolvia a Maracanã seu topônimo nativo.
Na história do município destaca-se episódio da Cabanagem, a revolução popular que teve início em Belém do Pará a 7 de janeiro de 1835. No município de Maracanã o sentimento nacionalista da população já se fazia notar cerca de 1824, logo após aos acontecimentos neocoloniais de 1823, que frustaram a adesão do povo paraense ao império de Dom Pedro I. O padre André Fernandes de Souza, com objetivo de pacificar os revoltosos foi mandado para o município de Maracanã.
O movimento rebelde havia começou em Colares e chegou até Bragança. Em Maracanã, cerca de 200 homens armados reagiram ao governo provincial da época juntando-se aos cabanos. Em março de 1835, quando Eduardo Angelim exercia o segundo governo cabano, em frente a Salinas ancorou o veleiro inglês "Clio", carregando armas e munições supostamente destinado aos portugueses contrários aos revoltosos. O navio ficou à espera de um "prático" para prossegui em direção a Belém, como não apareceu nenhum "prático" da barra para orientá-los, a tripulação tentou chegar à praia, quando então cabanos de Maracanã e Salinas informados da carga que estava a bordo, atacaram e trucidaram a tripulação, sequestraram as armas e munições e a embarcação foi incendiada. Este episódio deu lugar a vinda a Belém, em abril de 1836, de três navios da marinha da Inglaterra comandados pelo oficial Charles Strong, para cobrar satisfações a respeito do saque do "Clio". Recentemente foram divulgados documentos ingleses sobre a Cabanagem que esclarecem o assunto, inclusive o pedido secreto do regente Diogo Feijó para Inglaterra e França se juntarem à armada brasileira a fim de combater a revolução paraense, o que não aconteceu. Com a retirada de Eduardo Angelim as forças imperiais ocuparam Belém novamente e no dia 4 de junho de 1836, acusados de Maracanã e Salinas de participar do assalto ao Clio foram presos e depois executados.


No município de Vigia, ocorreram as mais sangrentas lutas da Cabanagem de toda região do Salgado. Foram concentrados na vila da Vigia 200 cabanos de Maracanã, 200 de Curuçá e outros mais vindos de Salinas que se aquartelaram na cabeceira do rio Maú. Na vila da Vigia os cabanos visaram o "trem de guerra" (depósito de armas e munições) travando combate sangrento com mortes de parte a parte. Nos enfrentamentos da Vigia morreu Pedro Antônio Raiol, o pai do historiador da Cabanagem Domingos Antônio Raiol. 

Esta nossa brevíssima incursão à história da Amazônia colonial portuguesa, através da possível geminação da brava Maracanã (Brasil) e da heroica Sintra (Portugal) é um convite a cidades educativas e ao movimento de ecomuseus e museus comunitários da CPLP para embarcar na generosa agenda 2030, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, enquanto Antônio Guterres abre as portas ao diálogo para a paz. O futuro não se faz sem a consciência do passado e a coragem do presente.

Resultado de imagem para imagens de sintra portugal
Castelo dos Mouros - Sintra, Portugal.

Comentários

Postagens mais visitadas