BREVE HISTÓRIA DE FÉ NO MARAJÓ VELHO DE GUERRA.




ícone de São Francisco de Borja envolto em história e lenda em Ponta de Pedras (ilha do Marajó), adquirido na Europa pela família Malato, há gerações, para capela da fazenda da propriedade adquirida, provavelmente, de herdeiros do Sargento-Mor Domingos Pereira de Moraes que a recebeu em doação do espólio dos Jesuítas do Pará. A fazenda Malato foi palco de acontecimento milagroso durante os anos de guerra civil entre 1835 e 1840, que envolveram toda região amazônica ceifando a vida de 40 mil pessoas numa população de apenas cem mil habitantes. 

Célebre pela resistência oposta à Conquista das Ilhas antes mesmo da presença de europeus na região, o Marajó somente permitiu construção do primeiro curral de gado 15 anos depois da doação da capitania hereditária de Joanes face ao perigo dos "índios bravios, desertores e escravos fugidos que existiam pelos centros da ilha" (Cf. Alexandre Rodrigues Ferreira, "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó", 1783): nesses lugares ermos e isolados nasceram diversos mocambos (quilombos) que se comunicavam frequentemente uns com os outros desde os entornos de Belém até as Guianas além do Cabo Norte (Amapá), aproveitando a camaradagem entre negros e índios e o conhecimento milenar destes últimos sobre a geografia com fugas de escravos e castigos dantescos que moram no lendário marajoara indicando caminhos de pesquisa histórica e social. 

Não espanta, assim, a verossimilhança do relato da fazenda Malato - descontados os excessos de imaginação e as emendas do tempo - com a história social do Marajó velho de guerra herdeiro da primeira cultura complexa da Amazônia, de mais de mil anos de idade. Nos anos da revolta os moradores, de parte a parte, viveram sobressaltados. A dita fazenda fica localizada na costa da ilha do Marajó junto à foz do rio Araraiana, em frente a Vila do Conde por acaso no passado cativeiro de índios brabos para catequese no século XVII e acampamento de guerrilheiros da Cabanagem no século XIX. Ela foi chamada originalmente fazenda São Francisco Xavier, sede da primeira sesmaria dos Jesuítas (1686) dentre 22 fazendas de gado que a Companhia de Jesus teve na ilha, três das quais no rio Marajó-Açu (São Francisco, São Braz e Nossa Senhora do Rosário, cujas terras vieram a fazer parte do município de Ponta de Pedras emancipado em 30/04/1878) e as restantes no rio e lago Arari, na capitania da Ilha Grande de Joanes (1665-1757). Pena que o Brasil não conhece a Amazônia e o Estado do Pará, escravizado ao espírito da Província, não sabe o que fazer de melhor com fabuloso potencial do maior arquipélago de rio-e-mar do planeta (foto Expedição Araraiana http://www.panoramio.com/user/1576311?with_photo_id=46762608).




POR QUE ABRIL ABRE HISTÓRIA NOVA E HÁ 90 ANOS O POETA NASCIA FECHANDO AS ÁGUAS DE MARÇO.

Pausa para meditação. Corre um boato pelas bandas do retiro onde eu desfio o rosário dos últimos dias de uma vida que já vai chegando a casa dos 80; dizendo que vão vender ou já venderam a fazenda Malato, no município de Ponta de Pedras. E as pedras estão de ponta entre si: ao contrário do que reza o dístico pintado no frontispício da velha igreja Matriz... Esta bela fazenda às margens do mar de água doce tem sua origem histórica na primeira sesmaria que os filhos de Inácio de Loyola tiveram na ilha grande do Marajó para uma multinacional da construção e do agronegócio com a China. Diante da novidade fico confuso sem saber se o negócio com a pátria de Confúcio dá pra rir ou pra chorar na terra natal do índio sutil Dalcídio Jurandir. 

Eu queria conectar o Fim do Mundo, na velha Itaguari de minha infância distante, com a Barreirinha natal do poeta Thiago de Mello. Convocar a revolução antropoética debaixo do ajuri cabano santificado pelo grande Espírito de todos os santos e orixás encantados. Nesta confraria planetária, certamente, haveria lugar de honra para os ingleses Charles Darwin e Alfred Russel Wallace a par do francês jesuíta evolucionista Pierre Teillard de Chardin. A venerável tradição dos pajés não ficaria estranha no arranjo produtivo da Ciência e Tecnologia para os ODS da agenda 2030.

O pessoal da SUFRAMA é mais despachada que os despachantes papa-chibé do comércio internacional da província do grão Pará? Parece que sim. Por isto digo que os dois bois em Parintins valem mais para o Estado do Amazonas, que uma boiada no Estado do Pará adubada a peso de "incentivos" fiscais, desmatamento e trabalho análogo à escravidão... Então, para os povos amazonense e paraense, assim também dos mais estados brasileiros da Amazônia (25 milhões de habitantes) dentre os 38 milhões de todos os países amazônicos descolonização interna é vital.

Nestes tempos bicudos, promover a integração das regiões amazônicas dentro da União das Nações Sul Americanas (UNASUL) e do MERCOSUL é preciso. Mas, além dos estados a sociedade amazônica deve levantar, estudar e se apoiar sobre a Agenda 2030 como uma tábua de salvação comum. Donde a Paz, a Educação e a Cultura para as populações tradicionais configuram em conjunto a estratégia mais importante dos ODS para além dos discursos, projetos e programas governamentais. E, portanto, a inclusão socioambiental para o desenvolvimento territorial sustentável requer superação da colonialidade nas relações federativas (República, Estados / Departamento e Municípios).

A novidade de hoje, que diz o universal através do mais regional ou o global no local; quando se removem os antolhos da historiografia colonial revelam surpreendentes conexões. A paisagem cultural marajoara com rebanhos de búfalos mansos deveria nos levar de volta a Ásia donde nossos primeiros antepassados chegaram há mais de dez mil anos atrás... Os bens da Companhia de Jesus no Marajó expropriados pelo Marquês de Pombal e os padres expulsos da Amazônia que eles inventaram e encarcerados em Portugal, poderia recordar a história de São Francisco Xavier na Índia e que, por acaso, o santo irmão de Loyola missionário no Extremo Oriente deu nome à primeira fazenda das missões no Marajó. Onde veio parar uma imagem de São Francisco de Borja trazida pela família Malato... Atacada por cabanos enfurecidos que não sabiam nada de História. Quer dizer, como se está a ver no momento na crise política que o Brasil atravessa, sem conhecimento real da História não inclusão social de verdade. Então, a lenda reina e a Cobra grande comanda a vida da gente.

As terras da antiga fazenda São Francisco Xavier entravam pelo rio Marajó-Açu adentro e se estendiam pela costa-fronteira do Pará entre o rio Araraiana ("gente arara", em língua nuaruaque) e o Igarapé Puca (igarapé comprido", em nheengatu), depois chamado Rio da Fábrica devido a um curtume improvisado e fábrica de selas artesanais dos frades das Merces na ilha de Sant'Ana. Na sesmaria dos Jesuítas, na segunda metade do século XVII, os padres fundaram com índios mansos da aldeia Munguba (Barcarena) a aldeia das Mangabeiras (depois freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737) e Lugar de Ponta de Pedras, 1758), hoje Vila de Mangabeira. Meia légua distante da aldeia missionária, costa abaixo, se achava a aldeia nativa dos "Guaianazes" [Guaianá], elevada em 1758 a Lugar de Vilar tendo São Francisco por padroeiro. 

O Vilar se extinguiu junto com a erosão e assoreamento do igarapé da velha aldeia e seus poucos moradores se mudaram para a vizinha Mangabeira. Os restantes foram dar nascimento ao povoado Pau Grande,  um pouco mais abaixo, que mais tarde com migrantes das secas do Ceará ajudados pela incipiente cooperativa de assentamento rural orientada pelo bispo Dom Angelo Rivatto ficou sendo hoje a agrovila Antônio Vieira. O nome de Antônio Vieira dado pelo bispo ao antigo povoado que restou da aldeia velha do Vilar lembra a carta do payaçu dos índios sobre as pazes concertadas com os sete caciques Nheengaíbas, em Mapuá (Breves) em 27 de Agosto de 1659, onde os "Guaianases" são citados como participantes do acordo celebrado na improvisada igreja do Santo Cristo junto com os índios "Mapuaises" [Mapuá], Aruans, Anajás, Pixi-Pixi, Cambocas, Mamaianás e Tucujus, inclusive, vindos do Amapá (cf. carta de 29/11/1959).

O diabo é que o bispo não sabia ao certo onde o padre Vieira se encontrou com os tais caciques nheengaíbas, nem os moradores da agrovila souberam quem era esse tal de Antonio Vieira que apagou o nome, um pouco safado, do povoado Pau Grande...  Bandalheira à parte, o pau em questão era uma velha samaumeira centenária que servia de referência a pescadores na lida ao largo da baía a se orientar para voltar. Uma árvore tão alta na beira da praia e no meio da vida daquela boa gente que o mundo esqueceu. Quem sabe, por acaso, a história natural da poderosa Ceiba pentranda? Era esta espécie de "pau grande" do povoado que restava da tapera dos Guaianá. 

Uma pequenina semente presa à pluma que o vento leva longe, tocou o chão da ilha grande, germinou, cresceu e se tornou um gigante... Quando a velha samaúma do antigo Vilar morreu teria ela quantos anos de idade? Crianças brincaram em suas sapopemas? Alguém por acaso usou aquelas raízes sonoras para bater nelas como tambor e mandar mensagens aos vizinhos? Homens e animais descansaram algum dia sob suas sombras? Pássaros nidificaram em seus galhos ou se alimentaram de seus frutos? As painas ao vento aonde levaram sementes que viraram altas samaumeiras por todas essas eiras de beiras?  A samaúma ou sumaúma (Ceiba pentranda) é uma árvore amazônica pertencente à família das Bombacáceas. Considerada sagrada para antigos Mayas da América Central e povos da floresta no Acre. Cresce ele entre 60 a 70 metros de altura, excepcionalmente pode atingir a 90 metros e seu tronco chega até mais de três metros de circunferência, rivalizando com sequoias e baobás. A samauma tira água do solo armazena para o tempo seco de verão. Índios e cabocos costumam dizer que as samaumeiras "estrondam" em certas épocas do ano despejando água no entorno favorecendo a sobrevivência de outros vegetais e reprodução de insetos polinizadores. Assim, cada dessas grandes árvores é um ecossistema dentro de microssistema, por isto botânicos a consideram “árvore da vida” ou “escada do céu” e os indígenas dizem que a Ceiba é “mãe” de todas as árvores.

E já que estamos falando de Natureza e Cultura, que tal relembrar que a povoação da aldeia de Mangabeira (Ponta de Pedras) foi feita com índios mansos trazidos pelos padre de uma outra aldeia chamada Samaúma (Barcarena), do outro lado da baia? A mesma Barcarena de agora donde saíram os cabos subaquáticos com energia elétrica de Tucuruí e fibra óptica do programa Navegapará para Ponta de Pedras, Cachoeira do Arari, Salvaterra e Soure. Com isto gostaria de dizer o quando seria interessante ver a Estação Cientifica Ferreira Penna (ECFP), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), na Floresta Nacional de Caxiunã (Flona Caxiuanã); provocar as multinacionais que exploram a região, a fim apoiar extensão científica às comunidades tradicionais ribeirinhas. Penso na fazenda Malato, no Marajó; mas também em Taperinha, em Santarém, com sua história tão rica. Tenho medo, que o desenvolvimento mate a galinha dos ovos de ouro... Que todas essas fazendas de interesse histórico sejam tombadas pelo IPHAN e que eventualmente ao trocar de donos sejam preservados o patrimônio histórico e natural.





"Se houver clareza na alma,
haverá beleza na pessoa.
Se houver beleza na pessoa,
haverá harmonia na casa.
Se houver harmonia na casa,
haverá ordem na nação.
Se houver ordem na nação,
haverá paz no mundo."

Provérbio Chinês

Em data incerta a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras passou de Mangabeira para a povoação de Itaguari onde hoje está a cidade municipal. Não faltou aí a singela invenção da lenda dos passeios noturnos da Virgem mãe concebida sem pecado, entre a velha capela de paredes de barro de sopapo coberta de palha na praia e a nova igreja de pedra e cal na vila Itaguari a dez quilômetros de distância. Quando, depois de 121 anos da doação da fazenda São Francisco (depois Malato) chegou o dia da emancipação municipal de Ponta de Pedras, dois prováveis descendentes do contemplado Domingos Pereira de Moraes, o primeiro presidente da Câmara de Ponta de Pedras, Antônio Pereira de Moraes; e seu irmão João Pereira de Moraes, Vogal (vereador); assinaram a ata de 30/04/1878 de instalação da Câmara da nova vila. Infelizmente, se por desventura esta história caísse numa prova local do ENEM talvez reprovasse a maioria dos candidatos. 

PLANTANDO IDEIAS COMO SEMENTES AO VENTO

Se for verdadeira a notícia de que a fazenda Malato vai se tornar porto de transborbo de grãos para a China, longe de convocar cabanos como Angelim no átrio da igreja de São João Batista de Vila do Conde para empastelar o negócio, mais depressa devemos convidar filhos de Ajuricaba e dos Nheengaíbas para atualizar e concluir a paz de Mapuá fumando o cachimbo da paz com os brancos encapetados. Dizer ao Brasil e o mundo que a Agenda 2030 deve ser pra valer!... Que o mito da Terra sem Mal deve ser pra valer! E para isto os donos do poder tem que contribuir de modo justo e perfeito. 

Claro, desta vez a demanda da Yvy Marãey tem que ser no espaço curvo de Einstein através da C&T bem casada com os conhecimentos tradicionais (merci monsieur Morin) onde os extremos Oriente e Ocidente se encontram na Amazônia marajoara. É verdade e o poeta da floresta Thiago de Mello esclarece mais depressa que um haikai.

A estória dos cabanos querer estraçalhar a imagem milagrosa de Francisco de Bórgia parece meia verdade: uma certa ironia que tal coisa acontecesse numa capela confronte à igreja do degolado São João Batista, na outra margem do Rio Pará pacificado pelos Jesuítas... Há uma metáfora na paisagem cultural amazônica ainda não revelada. E que, com certeza, o poeta da floresta Thiago de Melo está mais que ninguém capacitado a fazer: se a sutra de Lotus ensina aos crentes de Buda como converter maldade em bondade, a Victoria amazonica (vitória régia, planta palustre da mesma família das Ninfaceascomo a flor de lotus asiática) nos ensina a mesma lição. O veneno que se torna remédio, a Manihot utilissima (mandioca venenosa) transformada em farinha e cassabe, tucupi e tapioca foi segredo mortal da mulher aruaque. Daí as matriarcas que a cerâmica marajoara simboliza com seu mistério da sucessão de muitas vidas e mortes. Por que a gente não aprendeu ainda?


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Nelumbo nucifera

Victória amazonica

Por acaso ou obra da divina naquela velha fazenda expropriada aos padres da extinta Companhia de Jesus para doação graciosa a um dentre outros Contemplados do déspota esclarecido Marquês de Pombal, acabou que uma alma piedosa entronizou uma imagem, não de São Francisco Xavier que era padroeiro da dita fazenda; nem de São Francisco de Assis que mais tarde viria a inspirar o pontificado atual do Papa Francisco convidado a vir dar uma olhada pastoral à gente marajoara. Sim, de São Francisco de Borja ou Bórgia eleito protetor de remotos descendentes da família Malato cujo berço, dizem alguns caçadores de genealogias ilustres; encontra-se na ilha da Sicília, Itália, famosa pela origem da Máfia entre outras coisas menos perigosas. A palavra máfia (refúgio, em árabe) na Itália havia intenção de criar laços de família conforme o legado siciliano de fidelidade, honra e vingança.

De toda maneira é chegada a hora de celebrar a paz na Terra sem Mal (yvy marãey) conquistada com infinitos males. Quinze anos se passaram dos chamados Objetivos do Milênio e os amazônidas não conquistamos a graça do poeta Thiago de Mello, que na glória de seu reinado encantado, diz com radiante sabedoria: 

Agora sei quem sou.
Sou pouco, mas sei muito,
porque sei o poder imenso
que morava comigo,
mas adormecido como um peixe grande
no fundo escuro e silencioso do rio
e que hoje é como uma árvore
plantada bem alta no meio da minha vida.
           
Thiago de Mello










"Tua poesia seguirá futuro adentro, atravessando os tempos e os espaços como um cometa brilhante que atravessa o cosmo.


Enquanto um ser humano, pressionado pelo mistério e o drama da existência, empreender indagações sobre o ser e o estar no mundo, tua poesia seguirá lida como quem lê filosofia em versos, que isto é o que é, Narciso Cego;  enquanto homens e mulheres tiverem paixão, amor, carinho, sexo, as páginas-alcovas de teu delicado lirismo amoroso irão acolher ardentes e amorosos pares; enquanto a natureza for agredida por um tipo de desenvolvimento predatório, destrutivo, enquanto a Amazônia for alvo da cobiça do imperialismo, o Mormaço na Floresta, o Amazonas, Pátria das águas estarão nas mãos e nos lábios de moços e moças; enquanto os pesadelos sangrarem os olhos dos homens, enquanto as crianças e os pombos ciscarem a fome no cimento frio das praças; enquanto o pão faltar à mesa dos que semeiam o trigo; enquanto a barbárie, senhora das iniquidades, dama das guerras, for apresentada maquiada, no baile da vida, como uma bela donzela, sedutora princesa, tua poesia – tua utopia de construção de um novo mundo, onde tudo isso por decreto será banido – será declamada, proclamada, como quem lê salmos, como que lê proclamas, como quem lê compêndios da jornada daqueles que entregam a vida para tornar realidade essa utopia." -- trecho da saudação do poeta Adalberto Monteiro na festa de aniversário dos 90 anos de idade do poeta Thiago de Mello (Barreirinha, Amazonas, 30/03/1026 - ... ), na cidade de São Paulo - SP



O SANTO DOS BÓRGIA NA GUERRA DOS CABANOS
 
Diz que o milagre de São Francisco de Borja do Malato aconteceu durante a guerra civil da Cabanagem (1635-1840).  Para mim o espírito ajuricabano proclamado por Eduardo Angelim no chamado aos filhos de Ajuricaba dos Manaus e dos nheengaíbas das ilhas do Marajó está no cerne da revolução amazônica, remanescente distante do levante de Hatuey em Cuba (1515), o primeiro rebelde das Américas contra a destruição das Índias Ocidentais, que Las Casas testemunhou. 


A família Bórgia na Espanha e Itália tem considerável parcela de culpa na história infeliz da América Latina com três papas, uma cortesã depravada e um santo canonizado. Os Bórgia são capazes de deixar o escândalo dos "Panama Papers" no chinelo... Porém o pio Francisco de Borja foi a ovelha branca daquela família e o modo como ele veio parar na fazenda da família Malato, em Ponta de Pedras, não deixa de ser interessante quando se sabe da existência de um certo Charles Malato, nascido na França em 1857, quando a Amazônia sarava sua feridas da devastadora guerra civil e morto em 1938, em tempos da II Guerra Mundial. O interessante deste parente francês de origem italiana dos Malatos de Ponta de Pedras é que ele era "cabano"... Isto é, anarquista, mas sua família vinha da nobreza com os condes de Nápoles e seu pai defendeu a Comuna de Paris (1871), conhecida nos livros de história como o primeiro governo no mundo onde o povo assumiu o governo.

Nós sabemos, entretanto, que o povo paraense em armas tomou o poder no Pará em janeiro de 1835 e se aguentou até março de 1836, quando então os cabanos debandaram e saíram cometendo atrocidades pelo interior da Província, como se refere a lenda do ataque à fazenda Malato e os golpes de facão contra a imagem de São Francisco de Borja a significar o ódio dos pretos e índios aos brancos. Charles Malato tinha apenas 17 anos de idade quando foi deportado com seu pai para a Nova Caledônia, em 1874.

Reza a lenda de São Francisco de Borja do Malato que bandos de cabanos enfurecidos contra os portugueses percorreu fazendas no Marajó destruindo, assaltando e matando gente levando pânico a todo interior. Isto de fato aconteceu principalmente depois que o presidente Eduardo Angelim mandou fuzilar escravos sob acusação de assassinato de seus senhores. Na obra "O negro no Pará", Vicente Salles aborda esta estúpida contradição do chefe cabano, dizendo que os negros que lutavam por liberdade desampararam a revolução e partiram descontrolados subindo o rio para se refugiar nos mais longíquous mocambos (quilombos) até alcançar o Trombetas além das cachoeiras. 

Foi assim que, certo dia, um grupo de fugitivos assaltou a fazenda Malato que acharam deserta, pois os moradores haviam fugido todos para o mato. Exceto um preto velho escravo da fazenda que se escondeu debaixo do altar na capela e, passado o perigo, contou o que ele assistiu.  Com o tempo o relato passou de boca em boca, preencheu o vazio em horas de insônia e preparatório de ladainhas na capela.

Diz-que, os assaltante não tendo achado lá grande coisa na casa da fazenda, tentaram carregar a imagem de São Francisco dizendo eles entre si que a deviam jogar n'água dentro do rio. Mas, debalde. Aí sucedeu o prodígio, que por mais que forcejassem os homens todos juntos não conseguiram arrancar o santo do altar. O preto velho escondido ouvindo blasfêmias contra o santo milagroso e impropérios contra os brancos, viu que os tresloucados face ao mistério, longe de temer, mais ficavam exaltados passando a usar seus terçados (facões) desferindo golpes contra a imagem com vontade de a despedaçar. E pois, por longos anos, ficaram as marcas da revolta insana no ícone por testemunha até finalmente os donos resolveram mandar "encarnar" (restaurar) a santa imagem.


 
Capela de São Francisco de Borja, fazenda Malato, Ponta de Pedras, Marajó - Pará.


Com a venda da fazenda Malato por João Malato Ribeiro a Antônio Martins Mendes (Nicote), nos inícios dos anos de 1960; a imagem de São Francisco de Borja foi removida da capela da fazenda para o sítio Recreio de propriedade de Ophir Malato Ribeiro, onde se construiu nova capela para a finalidade e, mais tarde, a mesma imagem foi transferida para a catedral diocesana de Ponta de Pedras, onde se encontra atualmente.


EXPEDIÇÃO ARARAIANA: RECREIO  Sítio Recreio e capela de São Francisco de Borja, margem direita do rio Marajó-Açu.


A aldeia de Murtigura (Vila do Conde) foi no passado colonial centro de redução (cativeiro de diversas etnias onde se reduziam as línguas bárbaras com aprendizado forçado da Língua Geral ou Nheengatu, ver "Rio Babel - a história das língua na Amazônia", de autoria de José Ribamar Bessa Freire), catequese, ensino técnico básico e distribuição de "negros da terra" (escravos indígenas). Dali o celeiro de mão de obra catequizada fornecia carpinteiros, marceneiros, pedreiros, artífices de vários ofícios tendo os padres como mestres. Foram os Jesuítas os principais missionários da invenção da Amazônia, embora os Franciscanos já com a França Equinocial (1613-1615) e depois da tomada do Maranhão (fins de 1615) e fundação de Belém do Grão-Pará (1616) tivessem sido os primeiros missionários do Maranhão e Grão-Pará (Amazônia portuguesa). O nome do padre grande Antônio Vieira é incontornável da história da região no século XVII: se o capitão Pedro Teixeira assegurou lugar de destaque na formação territorial do estado colonial português, mediante a "ruptura" da célebre linha de Tordesilhas, sem a obra missionária traçada pelo gênio de Vieira custa acreditar que Portugal - inferiorizado na União Ibérica (1580-1640) desde a morte do rei Dom Sebastião na conquista fracassada do Marrocos -, tivesse atravessado a baía do Marajó ilhas adentro para varar o Amazonas acima (ver carta do pe. Antonio Vieira ao rei Dom Alfonso VI, de Belém 29/11/1659 - publicada em Lisboa em 11/02/1660).

Se nós estamos a falar de jesuítas na Amazônia e particularmente de São Francisco de Borja ou Bórgia no Marajó, pacificado pelas armas espirituais do payaçu dos índios pe. Antônio Vieira; cumpre dizer que além de bisneto do papa Bórgia (Alexandre VI, que homologou o "testamento de Adão", impondo a linha de Tordesilhas do tratado de 1494 entre Portugal e Espanha, separando o estuário do Rio Pará na costa-fronteira, com que da ilha do Marajó ao poente tudo seria de posse castelhana) o santo foi "papa negro" (nome dado por historiadores do catolicismo ao Superior Geral da Sociedade de Jesus, por sua suposta influência sobre o estado do Vaticano). 

Na verdade, o título de papa negro por alusão à cor da batina do superior geral dos jesuítas em oposição à veste branca do pontífice romano; se criou pelo antijesuitismo iluminista dentro e fora da Igreja. Mas, se fosse verdade esse poder desmedido a Ordem não teria sido extinta, em 1773, pelo Papa Clemente XIV, como se viu a cabo do conflito político dos Jesuítas com as monarquias imperiais de Portugal, Espanha e França. Coisa extraordinária, os padres inacianos foram a elite do catolicismo em Espanha e Portugal e nas suas colônias ultramarinas, inclusive no que diz respeito ao tratado de Tordesilhas de 1494 e sua revogação pelo de Madri de 1750. Mas, foi justamente durante a primeira tentativa de demarcação de fronteiras da Amazônia, no Rio Negro, com sede em Barcelos que o conflito se instalou com o orgulhoso irmão do Marquês de Pombal, governador-general Francisco Xavier de Mendonça Furtado; a jogar toda culpa do fracasso da demarcação sobre os padres sem poder atender as imposições de abastecimento da comissão demarcadora instalada no Palácio dos Demarcadores, em Barcelos, Amazonas; onde o próprio governador português se instalou à esperado do comissário espanhol

É nós com isto? Marajó é, sem dúvida, resultado direto de algo como cinco mil anos de ocupação humana e cerca do ano 400 dC viu surgir a primeira cultura complexa da Amazônia donde a Arte primeva do Brasil teve seu apogeu por voltas de 1300 com a cerâmica marajoara: a mais elaborada e agora conhecida mundialmente através de dez grandes museus nacionais e estrangeiros, a partir da exposição universal de Chicago (Estados Unidos), em 1893.

A destruição das Índias Ocidentais não esperou muito tempo depois da chegada dos cristãos com o famigerado Colombo a ilha Guaanani (São Salvador, hoje as Bahamas famosas mais pelos paraísos fiscais que pelo Descobrimento), conforme o dominicano Bartolomeu de Las Casas, primeiro bispo de Chiapas (México) deixou escrito. Oito anos mais tarde, o piloto e sócio de Colombo, o cristão velho Vicente Yañez Pinzón ultrapassa a Corrente Equatorial Marítima, navega o Atlântico Sul e chega próximo ao cabo de Santo Agostinho (Pernambuco), aproa para norte, desembarca no Ceará - quatro meses antes de Cabral aportar na Bahia - e vem direto à boca do rio de Santa Maria de La Mar Dulce (como ele chamou o Amazonas) onde ele assaltou a ilha Marinatambalo [Marajó] e capturou à mão armada 36 "negros da terra" (escravos indígenas) levando-os para Hispaniola (a pequena Espanha, depois São Domingos ou seja, Haiti e República Dominicana.

Já se sabe que o Rio Negro povoou as ilhas do Caribe através do Orenoco e da ilha de Trinidad séculos antes de Colombo. Por sua vez, o Caribe povou a grande ilha das Guianas até o arquipélago do Marajó fazendo parte da área cultural guianense no circum Caribe que  se estende até o Acre e o Pantanal matogrossense. Não é pouca coisa. Mas a gente marajoara vítima da leseira amazônica sente-se "ilhada" e desamparada. Não é só na música que o Pará tem porto de mar no Caribe...  A colonialidade apaga a história oral da gente que as populações tradicionais insistem em reescrever desde a memória do barro.

Em 1515, os escravos da Pequena Espanha se levantaram sob comando do cacique taino Hatuey - o primeiro rebelde das Américas - e passaram a ilha de Cuba iniciando a guerra de guerrilhas que, a bem dizer, incendiou os canaviais de São Domingos levando à revolução haitiana, com a abolição da escravatura e independência do Haiti (1791-1804): daí o contágio das tropas mestiças do Pará durante a ocupação anglo-portuguesa de Caiena (1809-1817), a tragédia da adesão do Pará ao império do Brazil no massacre do brigue Palhaço e a Cabanagem (1835-1840)... Voltamos a França Equinocial (1613-1615), fundação de Belém do Grão-Pará (1616), criação do Estado do Maranhão e Grão-Pará... Quarenta e quatro anos de guerra de invenção da Amazônia até as pazes dos Nheengaíbas em 27 de Agosto de 1659. Caminhamos - sem saber, na rota do sol poente em busca da utopia selvagem da Yby marãey (terra sem mal), até os confins do grande rio, nos Andes. Por acaso, pela saga tapuia o caminho do futuro contemplava o Arapari (pais do Cruzeiro do Sul) desde as grandes migrações do Caribe para a Terra Firme,  pelo menos duzentos anos antes da chegada de Colombo.

O bisavô de São Francisco de Borja ou Bórgia era nada menos que o contravertido papa Alexandre VI (o espanhol Rodrigo Bórgia), que arbitrou e homologou o Tratado de Tordesilhas de 1494. Segundo historiadores portugueses como Jaime Cortesão, por exemplo, Portugal sabia em segredo da existência de terras que vieram a se chamar Brasil (do nome celta brazyl, matéria corante vermelha comerciada pela Irlanda e supostamente encontrada no imaginário país de São Brandão). Contrariado em sua pretensão de descobrir terras ultramarinas, o rei de França Francisco I, contestou o acordo luso-hispânico homologado pelo papa Alexandre VI, chamando o documento de "Testamento de Adão". Desta inconformação francesa surgia a concorrência mediante corsários. Logo a Inglaterra usaria piratas para saquear navios espanhóis carregados de prata e ouro roubados aos impérios asteca e incaico, do México e Peru, respectivamente. A Holanda em luta de independência contra a Espanha manteve-se inicialmente aliada a Portugal no comércio colonial até que com a morte prematura do rei Dom Sebastião na conquista do Marrocos, invadiu e tomou colônias portuguesas declarando guerra à União Ibérica (1580-1640) governada pelos Reis Católicos.


Não por acaso, tão logo os invencíveis Nheengaíbas foram pacificados pelo padre Antonio Vieira em pessoa e os Tupaius pelo jesuíta luxemburguês Bettendorf sob ordens do primeiro; os colonos do Pará se revoltaram expulsaram, violentamente, os padres. Esta foi a primeira expulsão dos Jesuítas, em 1661. Isto quer dizer agora, na ótica dos Objetivos dos Desenvolvimento Sustentável (ODS), coincidentes com as preocupações do Vaticano sobre a Amazônia e a bacia do Congo expressas na carta encíclica Laudato Si, do Papa Francisco.

O nome "Marajó" [do tupi marãyu, gente má] está viciado de preconceitos, tanto por parte dos índios guerreiros conquistadores da Tapuya tetama (terra Tapuia) quanto pelos colonizadores do Maranhão e Grão-Pará. Como os antigos "marajoaras" designavam a si mesmos e a ilha grande de nossa atual Amazônia Marajoara? Não se sabe. Tampouco se sabe muita coisa a respeito dos originais criadores da Arte primeva do Brasil parida do barros dos começos do mundo através dos originais das culturas ancestrais da amazonidade: expressas nas cerâmicas Marajoara, Tapajônica e Maraka.

Único fragmento da extinta língua dos Aruã, segundo o trabalho pioneiro do diletante mineiro e fundador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ferreira Penna; nos diz que este bárbaro do circum Caribe chamava a dita ilha grande de Analau Yohankaku. Fora este caco nheengaíba desprezado, o resto é nheengatu "Ilha dos Nheengaíbas", "Ilha dos Aruans", "Ilha Grande de Joanes" (que neste caso deveria ser ilha dos joanes ou, melhor dos Iona ou sakakas) e, enfim, "Marajó"...

Na verdade, Marajó não é apenas uma ilha, mas um arquipélago de aproximadamente duas mil ilhas grandes e pequenas banhadas pelo fluxo e refluxo do maior rio do mundo e o oceano Atlântico localizadas no Golfão Marajoara (cf. Aziz Ab'Saber). Mais, a região estuarina do Marajó no total de 104 mil quilômetros quadrados onde vivem meio milhão de brasileiros se estende ao continente na microrregião de Portel, entre os rios Tocantins e Xingu. Não é pouca coisa no tempo nem no espaço...

Agora que se reacendem esperanças da brava gente marajoara voltadas inclusive para o primeiro jesuíta no trono do Pescador, mensageiro da Paz, em busca de Educação integral e Cultura libertadora dos povos da mãe Terra; é preciso botar fé na Carta das Nações Unidas para realização total da Agenda 2030 ressuscitando o espírito original da demanda popular pela voz dos Bispos do Marajó que levou ao PLANO MARAJÓ cantado e prosa e versos para ser anunciado em festas na terra do cacique Piié Mapuá, pelo Presidente Lula e a Governadora Ana Júlia no ano de 2007, aos 348 anos da paz dos Nheengaíbas. 

Coisa extraordinária! Pois nem o Presidente da República nem a Governadora do Estado do Pará assessorados por seus respectivos staffs deram mostras de saber da história do lugar onde discursaram cheios de fé e esperança no futuro de uma gente despossuída de passado e muito maltratadas pelo presente.



jardim e pórtico da Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Diocese de Ponta de Pedras.



Na oportunidade de sua próxima visita pastoral ao Brasil, prevista para 2017; o Papa Francisco está convidado a incluir o maior arquipélago fluviomarinho do planeta em sua viagem. Então, poderia ele ter motivo especial para ver o magnífico Amazonas junto ao rio que dá nome a ilha onde, no século XVII, filhos de Loyola a começar com o martírio de Luiz Figueira (1645) e a morte do padre João de Souto Maior na tentativa de devassar o rio dos Pacajá; começaram a evangelização do povo marajoara após a pacificação dos rebeldes Nheengaíbas, promovida pelo padre Antônio Vieira em Mapuá (Breves), Aricará (Melgaço) e Aracaru (Portel). Caso o Papa da paz possa atender o convite da gente marajoara encabeçado pelo prefeito de Breves, senhor Xarão Leão, não valerá uma missa solene celebrando aqueles longínquos dias no antigo rio dos Mapuá do primeiro encontro pacífico entre católicos e pagãos amigos dos hereges no grande rio Babel?

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