14 de Abril nas Adesões do Pará





Imagine uma pesquisa de alunos de História na cidade de Belém do Pará, orientados por seus professores, batendo de porta em porta de moradores da Travessa 14 de Abril para saber o que eles sabem sobre a data histórica que deu nome a essa via urbana da capital paraense. Se você leitor mora na 14 de Abril pergunte ao seu vizinho, ou se não mora mas tem um amigo ou amiga que lá mora faça a ele ou ela esta pergunta. Quantos por cento desses moradores teriam, pelo menos, uma vaga notícia sobre o tema da Adesão do Pará à independência do Brasil? Mesmo a respeito da "data magna", que deu o feriado estadual de 15 de agosto, acredito que é escasso o conhecimento da população paraense sobre o assunto.

Porém, mesmo sem saber, no longo passado histórico o bravo Povo Paraense contribuiu para dar mais da metade do território nacional do país gigante da América do Sul. Em que circunstâncias está nossa retumbante declaração pode ser falsa ou verdadeira? A ponto de motivar trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, teses de doutoramento, livros, documentários, obras de teatro e cinema, roteiros turísticos tais como da revolução Farroupilha e tudo mais que a moderna indústria cultural possibilita contribuindo assim ao desenvolvimento da Educação com geração de emprego e renda. 

Percebe aonde se quer chegar com a invenção da Amazônia e posterior adesão do Pará à Independência do Brasil? Veja que aquela gente se sacrificou não foi à toa. Pois a Independência do Brasil, de verdade, não foi no grito do Ipiranga e os cabanos do Pará traídos que nem os lanceiros negros farrapos em Porongos, no Rio Grande do Sul, romperam laços com o império neocolonial anglo-português do Rio de Janeiro despertando a gente brasileira inteira, do Oiapoque ao Chuí, para o fato essencial de que não há povo independente de verdade sem liberdade, igualdade e fraternidade. A grande questão da Independência desde a Inconfidência Mineira em 1789, como o martírio de Tiradentes.

A resposta antes de se chegar à histórica Adesão do Pará à Independência do Brasil -- na heroica vila de Muaná, em 28 de Maio de 1823 --, está no campo da geografia através do lento processo ecocultural da amazonidade no antigo Grão Pará desde a formação territorial da chamada Tapuya tetama (terra Tapuia na língua Tupinambá). O país que se chama Pará (mar, de Grão-Pará na tradução portuguesa de Pará-Uaçu , em língua geral amazônica) tem, sim, como diz a canção porto no Caribe desde antes Colombo dar com os burros n'água naquelas bandas. 

Você talvez é uma pessoa progressista e concorda com políticas públicas de inclusão social e promoção dos direitos humanos. Neste caso, pontos para você que está adiantado em relação àqueles rudes brutucus que ainda estão no tempo da pedra lascada em matéria de desenvolvimento humano. Mas, mesmo assim, tome cuidado para não recair no erro clássico do jurisconsulto espanhol Gines Sepulveda, do século XVI, que considerava índios e negros iguais a animais selvagens, destituídos de alma e de direitos. Naquela época, Sepúlveda venceu a Bartolomeu de Las Casas na célebre polêmica e o que a humanidade sabe, hoje, sobre tal desfecho é o terror da destruição das Índias Ocidentais. É preciso cuidado agora, no século XXI, pois sem povo não existe democracia. No caso de 14 de Abril em epígrafe, sem o Povo Paraense não existe adesão... E já se sabe que a temida "internacionalização" da Amazônia começou antes mesmo que houvesse o descobrimento do Brasil, na contestação ao "testamento de Adão" (tratado de Tordesilhas entre Espanha e Portugal, em 1494, homologado pelo papa Alexandre VI) pela França, dando início a corrida de corsários franceses, britânicos e holandeses na região.

É correto, como ensina o professor doutor em Geografia amazônica Roberto Monteiro; dizer que na Amazônia o estado (francês inicial e brevemente entre 1613 e 1615, depois português entre 1615 até 1823) precedeu à sociedade. Mesmo assim é preciso compreender que é da sociedade colonial que se trata. E ver com as lentes das diversas e "dificultosas" línguas do Rio Babel (apud padre Antonio Vieira) segundo o professor doutor em Linguística amazônica José Bessa; as várias nações indígenas que precederam o estado na Amazônia.  Sem a nação Tupinambá, por exemplo, nós não estaríamos aqui contando história. E a Antropologia americana nos diz que a ilha do Marajó foi berço da primeira cultura complexa da Amazônia. É claro que não se produz cultura complexa sem sociedade especializada, por mais incipiente ou embrionária que ela seja.

Porém antes dos conquistadores tupinambás da mítica Terra sem Mal conquistada com infinitos males, por voltas do anos de 1300 o povo Aruã estava chegando às ilhas de fora do arquipélago do Marajó depois de deixar as ilhas de Trinidad e Tobago em grandes migrações, em meio a outras nações aruaques parentes dos bravos Tainos famosos pela rebeldia anticolonial de Hatuey e Guamá (nome de uma reserva ecológica em Cuba e de um rio no Pará banhando a cidade capital do estado), tais como seus numerosos parentes da Parikuria, que ainda existem no Oiapoque e Cabo do Norte (Amapá). Pois esta gente buscava nas travessias ariscadas um certo país do Sul deste continente que eles chamavam Arapari (ara, dia; e pari, cercadura; em Nheengatu, a constelação do Cruzeiro do Sul vista do hemisfério norte como limite da terra do nascente). O nome Arapari se acha, não sem sentido, em diversas espécies de árvores e rios da região amazônica.

A Adesão do Pará deveria evocar ao povo brasileiro tudo quanto antes de 7 de Setembro de 1822 se passou no tempo e espaço do Extremo Norte. Principalmente, a civilização amazônica pré-colombiana representada pela Arte primeva do Brasil (ver Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara, de Giovanni Gallo; e "Cultura Marajoara" de Denise Schaan), que é de direito e de fato a cerâmica original da Cultura Marajoara de mais de 1500 anos de idade. Ou seja, três vezes mais antiga que o Descobrimento... 

A adesão integrou a Amazônia lusitana à História do Brasil, além da colonização portuguesa e as invasões francesa e holandesa a par da incontornável influência imperial da Inglaterra e América do Norte após a independência das colônias. A adesão do Pará fala ou deveria falar aos brasileiros e ao mundo inteiro de cinco mil anos de ocupação humana das terras baixas da Amerika (o país do vento, em língua Maya). Eis que é preciso nacionalizar as respectivas regiões dos países amazônicos e erradicar, finalmente, a colonialidade.



14 DE ABRIL ABRIU O RIO AMAZONAS À DESCOLONIZAÇÃO QUE NÃO TERMINOU.


Viva o Brasil! Maior país amazônico do mundo. Viva a integração da América do Sul e Caribe, da qual a Amazônia é coração pulsante! Viva o grande Pará com seu caribenho porto de mar. Vivam Felipe Patroni, Batista Campos, os filhos de Ajuricaba e dos Nheengaíbas na Cabanagem. Mas nós não podemos esquecer que a adesão de Muaná (1823) está umbilicalmente ligada à adesão de Mapuá (Breves). Então duas vezes: viva Marajó!
 
Deste modo soberano e só assim, a vontade política do Povo Paraense fica plenamente respeitada na História do Brasil. No Pará, janeiro é o mês da Cabanagem (7 de janeiro de 1619, o primeiro levante dos Tupinambás; e 7 de janeiro de 1835, a grande rebelião popular dos chamados cabanos): em janeiro de 1823, nacionalistas paraenses reunidos em torno de Batista Campos conseguiram número suficiente de pessoas para formar uma nova junta governativa. No entanto, os portugueses do Pará rejeitaram o império de Dom Pedro I no Rio de Janeiro mantendo-se fiéis ao pai do imperador, Dom João VI, em Lisboa. Reunindo forças conservadoras derrubaram a junta paraense que, certamente, àquela altura poderia ter realizado uma transição menos hostil a Portugal.
 
Vista a inflexibilidade do partido colonial português, os brasileiros da província do Pará exigiram formação de um governo popular, sob a direção do líder nacionalista Batista Campos. Desde o interior da província, os paraense passaram a se articular contra o governo colonial decadente, ganhando apoio da população. As vilas de Cametá, Bragança, Vigia, Muaná, Macapá, Santarém, Óbidos e Monte Alegre tornaram-se centros de resistência anticolonial. 
 
O regresso da tropa paraense de ocupação de Caiena (1809-1817) havia contagiado o Pará de ideais republicanos e notícias revolucionárias sobre a libertação dos escravos e independência do Haiti (1804) acendendo no povo anseios de liberdade. A adesão popular à pregação nacionalista de Batista Campos deu início ao processo revolucionário que, mais de dez anos depois iria eclodir na Cabanagem. A junta portuguesa isolada pouco a pouco se tornou mais violenta. 

Os paraenses por seu lado não esperavam o desenrolar dos acontecimentos de braços cruzados. Em 27 de fevereiro de 1823, após disputar eleição, conseguiram eleger a primeira Câmara Constitucional de Belém, composta de nove vereadores. O general José Maria de Moura, governador militar da colônia; manifestou contrariedade com a eleição de independentistas e não compareceu à posse dos vereadores e instalação da Câmara no Paço do Conselho. Ele reuniu oficiais, em sua própria residência, a fim de resolver diante da sempre crescente manifestação paraense de aderir à Independência do Brasil. Desta colonial deliberação, o coronel João Pereira Vilaça, em primeiro de março, prendeu imediatamente os vereadores de Belém que estavam em sessão no Paço do Conselho, mandando-os para cadeia de várias localidades do interior como Chaves, Acará, Monte Alegre e outros lugares. 

Estavam as coisas assim inviabilizadas para uma transição pacífica, quando reservadamente o patriota José Luís Arosa, miliante entre Rio de Janeiro e São Paulo, apresenta-se em Belém do Pará entre os independentistas paraenses. Ele teve logo apoio do partidário italiano, João Batista Balby residente no Pará que trabalhou intensamente para convencer os oficiais brasileiros a aderi à causa da Independência do Brasil. 

João Balby, acompanhado de oficiais e soldados do Regimento de Macapá, no dia 14 de abril, penetrou o quartel do Corpo de Artilharia, no Convento de Santo Antônio, onde os independentista detiveram a tropa do tenente-coronel José Antônio Nunes e dominaram o quartel donde esperaram que o povo se levantassem contra o regime português. Mas agindo com rapidez e decisão com os seus comandados, o general José Maria Moura com o apoio da tropa às ordens do coronel Vilaça dominaram o levante paraense.

Apesar do insucesso militar de 14 de Abril na capital, a luta no Pará insurgente passou para a vila de Muaná, a ilha do Marajó; onde o povo levantou suas armas e proclamou a independência, em 28 de Maio de 1823, sob liderança de João Pedro Azevedo frente a 200 homens. O idealismo marajoara foi sufocado pelas tropas portuguesas depois de renhida troca de fogo, quando a falta de munição obrigou os paraenses a se render. No dia 13 de julho de 1823 a galera Andorinha do Tejo zarpou do Para para Lisboa levando a bordo 267 presos condenados à prisão perpétua após ter suas penas de morte comutadas a pedido do bispo do Pará, Dom Romualdo Coelho, muitos destes faleceram durante surto de varíola na travessia ou no cárcere de São Julião da Barra do Tejo.

Apesar da obstinação as forças coloniais estavam numa situação insustentável. Estava visto que a Adesão de fato já estava feita e os tantos anos de ódio e opressão fizeram perder a chance de uma mudança pacífica naqueles dias de janeiro de 1823, que doze anos depois iriam explodir em indizível violência e vingança, em janeiro de 1835. No dia 11 de agosto de 1823, o brigue Maranhão de bandeira brasileira, fundeou na baía do Guajará. O comandante era um jovem mercenário inglês chamado John Pascoe Greenfell, com patente de tenente a serviço do irlandês Thomas Cochrane, contratado pelo imperador D. Pedro I com título de almirante da marinha brasileira.
 
Greenfell enviou à terra um ofício assinado por Cockrane - que se achava no Maranhão -, cuja data fora deliberadamente deixada em branco para o emissário preencher dando impressão de ter sido o ofício assinado há pouco tempo, informando que o porto de Belém estava bloqueado e uma grande esquadra em Salinas estava pronta a intervir, caso os portugueses resistissem. Ora, na verdade ingleses e portugueses entendiam-se a maravilhas. A presença de Greenfell longe de representar uma ameaça para as forças coloniais no Pará foi para elas salvação inesperada quando, em realidade, se achavam sitiadas pela massagada paraense revoltada. A farsa estava armada e na verdade, o agente inglês só tinha um navio, mas essa estratégia já havia dado resultado no Maranhão. 

Para conseguir a adesão com facilidade, Greenfell afirmava que as propriedades dos portugueses que aderissem ao Estado brasileiro seriam garantidas, devendo apenas prestar juramento de obediência ao Príncipe herdeiro do rei de Portugal. Simples assim. A Junta Governativa estava presidida pelo bispo D. Romualdo de Sousa Coelho, que reunir extraordinariamente um conselho para conhecer e deliberar sobre a situação. Ás 7 horas da noite de 11 de agosto, no Palácio do Governo, a junta se reuniu, tendo então o comandante das armas José Maria Moura; desconfiado daquele navio escoteiro; procurado adiar a decisão. Que não conseguiu face a concentração do povo às portas do palácio, ansioso bradavando já a favor da ambicionada Adesão
 
A reunião foi encerrada cerca das onze horas da noite com a decisão de que o Pará estava unido ao Império do Brasil, independente de Portugal. Na verdade, aquele ato foi a Rendição das forças portuguesas, pois a Adesão em Muaná já estava feita. Em 15 de agosto de 1823, foi Proclamada da Adesão do Pará à Independência do Brasil. O brigue Maranhão deu salva de 21 tiros, respondido pela fortaleza da Barra (Val de Cães), anunciando o hasteamento da bandeira brasileira, pela primeira vez, sobre as águas do Grão-Pará. No palácio do Governo autoridades comemoravam sobriamente e nas ruas o povo comemorava com incontida alegria e sentimento de desforra de tantos anos sofridos. 

Tudo parecia em festas, mas uma vez mais os paraenses não se conformaram com o logro colonialista e colocaram abaixo a Junta Governativa imposta no acordo arranjado por Greenfell. Não viera ele a serviço do Imperador para obter a Adesão do Pará? Pois, daquele jeito os paraenses não estavam de acordo. Os que estavam escondidos nos matos pelo interior vieram à capital exigir um governo popular sob a chefia de Batista Campos. 
 
Desmascarado o plano de Greenfell, começaram manifestações da própria população contra a recém Junta Provisória acusada de manter o poder dos comerciantes e latifundiários portugueses. Os revoltosos começaram a invadir residências de famílias portuguesas das quais guardavam ressentimentos e saquear casas comerciais. O cônego Batista Campos não conseguiu evitar o ajuste de contas. Greenfell já havia retornado ao Maranhão, porém avisado antes de ultrapassar a Vigia voltou a Belém e tentou debitar toda a culpa sobre os ombros do líder paraense odiado pelos conservadores.

Disposto a manter a “ordem” a qualquer preço, Greenfell executou friamente cinco homens do povo para reprimir as manifestações e amarrou Batista Campos à boca de um canhão com morrão aceso. Elevaram-se os protestos do povo a ponto de intimidar membros da Junta Provisória que intercederam pela soltura e recomendaram transferência do Cônego para ser processado e julgado no Rio de Janeiro. Greenfell soltou Batista Campos, mas aprisionou 256 paraenses no porão do brigue “Palhaço”, comandado pelo tenente Joaquim Lúcio Azevedo. 

Alta noite com sua guarnição e marinheiros de navios mercantes, Greenfell prendeu e mandou recolher à cadeia pessoas encontradas pelas ruas e casas suspeitas denunciadas sem distinção alguma. Cerca de 256 paraenses presos no porão do brigue “Palhaço”, berravam por falta de ar e água. No dia seguinte, apenas quatro ainda viviam e, por fim, somente um restava um tal João Tapuia. No total morreram 252 milicianos e praças, sufocados e asfixiados. 
Desde então, o povo paraense desacreditou das promessas não cumpridas do Império do Brazil e começaram a percorrer o doloroso caminho da insurreição popular que levou à explosão social, em 1835, da Cabanagem.

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