CAMINHOS DE ALFREDO PELO SUBÚRBIO DE BELÉM





Dalcídio Jurandir, Ponta de Pedras - PA, 10/01/1909 - Rio de Janeiro - RJ, 16/06/1979





Se meu pai estivesse vivo amanhã ele completaria 110 anos de idade. Eu faço 77 neste fim de ano e parece para mim que foi ontem que Dalcídio morreu, aos 70 anos, lá no Rio de Janeiro. Eu estava em Manaus a serviço da Comissão de Demarcação de Limites quando a notícia me alcançou... Estávamos todos preparados por assim dizer, o mal de Parkinson não deixara alimentar ilusões. O escritor era muito presente para mim através dos livros e comentários de jornal, porém o tio estava longe. 

Eu conheci primeiro o personagem para depois e por tão raro tempo conhecer a pessoa quase mítica que aquele irmão de meu pai se tranformara. Já poderia ter escrito esta história e ainda agora não há tempo nem lugar suficiente para dizer o tanto que teria de ser. Ontem, por acaso, passei por uma esplêndida experiência numa tarde inteira compartilhando com professores e alunos de segundo grau duma viagem ao reino de Alfredo no romance "Primeira Manhã", na Escola Mendara; no conjunto residencial vizinho ao meu onde meu filho João Victor estuda assim minhas netas Ana Clara, Luísa e Ana Beatriz.

 Meu pai e minha mãe, mais a tia Lodica (cujo nome Dalcídio emprestou alguma vez para dar vida à ficção) moraram com minha família por longo tempo e terminaram seus dias em nossa casa, no conjunto Medice. O escritor com a sua criaturada grande recriava o mundo... Meu pai se chamava Rodolpho e lá por linhas tantas do "Primeira Manhã" surge um certo Rodolfo, tipógrafo, nas lembranças de Alfredo. Seguramente, Dalcidio menino de 13 anos na José Pio,  bairro do Telégrafo; é Alfredo... É e não é. Como o tipógrafo de Cachoeira do Arari aparece na pele daquele Rodolfo, que não era e era Rodolpho, em Muaná, ao mesmo tempo. Mas Muaná, seria Cachoeira em verdade no "Primeira Manhã". Como em Passagem dos Inocentes, Muaná é o disfarce de Ponta de Pedras.

O convite para ir falar de Dalcídio na Escola Mendara veio através do João, a primeira vez acho que foi ano passado, mas acabou não se confirmando. Desta vez era coisa séria. Disse-me o João descendo da bicicleta o sol ardente e o suor exalando da sua pele; 17 anos de idade, o cara anda meio em dúvida sobre a profissão que irá abraçar. João é meu filho de adoção, conforme a biologia é meu sobrinho-neto com a minha senhora de Nazaré, Palmira de seu prenome. A vida é bela quando não está de banda, como dizem lá pelos lados onde me criei na ilha do Marajó. Quem me apresentou Dalcídio, digo o livro de Dalcídio foi minha avó Sophia. Agora eu tenho uma linda netinha chamada Ana Sophia. Graças à vida a saga de uma grande família marajoara que se entrelaça com muitas famílias e partes do mundo, nunca acaba.

Dalcídio quando pegou o Ita levou com ele o Marajó inteiro, mais os subúrbios de Belém. Ele já tinha inventado Alfredo, seu alte-ego imortal; no "Chove nos campos de Cachoeira" e o "Marajó" que era "Marinatambalo". Minha avó Sophia, na verdade tia; me apresentou o "Marajó", assim meio escondido. Meio clandestino... E o Alfredo não está no "Marajó"... Ou está? Meio escondido, meio clandestino. O Marajó é o segundo romance do ciclo Extremo Norte: pelo menos eu me vi ali, eu tinha mais ou menos a idade que meu filho João tem agora.

Ontem de tarde olhando aqueles e aquelas jovens que vão começar a trilhar os caminhos da universidade e, portanto, atravessaram e estão a atravessar o Ginásio que Alfredo não completou; eu sai caminhando ao lado do João com sua bike de volta para casa, depois do aulão da escola Mendara, pensando em escrever alguma coisa para os mesmos. 


Comentários

  1. Gostei do texto e fiquei curiosa para saber mais sobre esta narrativa inconclusa da tua relação com o tio Dalcídio. Sério. E outra: não tens a 2 ed. do Primeira manhã, a que editamos pela Eduepa? Ela ficou te esperando juntamente com a blusa do lançamento, alusiva ao Centenário do romancista. Era 2009.

    ResponderExcluir
  2. Ótima história!
    Eu João, fico grato ao sr meu pai (a qual serve como minha fonte de inspiração) fico grato, por o sr ter disponibilizado sua tarde para compartilhar seu vasto conhecimento sobre história e literatura comigo e meus amigos!
    Obrigado pai, te amo!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas