Cultura Marajoara, Belém do Grão-Pará, usos e abusos do Patrimômio Histórico.

QUATRO ESTAMPAS E UMA HISTÓRIA DO MAIOR RIO DA TERRA







Não à Construção do Shopping Bechara Mattar Diamond no Centro Histórico sem Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)!


Uma imagem vale por cem discursos. Logo, quatro imagens valem por quatrocentos discursos sobre os 400 Anos da Amazônia. 

400 anos da Amazônia sim, embora o país que se chama Pará com seu porto Caribe seja muito mais velho que todos descobrimentos do caminho marítimo das Índias. 

Perto da Tapuirama ou Tapuya tetama (terra Tapuia) a Amazônia lusitana é uma criança. A velha Cultura Marajoara no bojo do circum-Caribe, por exemplo, teve inícios cerca do ano 400 da era cristã: 

com apoio na Arqueologia americana, trata-se da primeira cultura complexa da Amazônia. Arte primeva do Brasil, sim senhor. Ou Marajó não é Amazônia brasileira?

Logo, se a fundação de Belém do Grão-Pará deve ser a data do começo da Amazônia portuguesa, pelo mesmo princípio - "tu te tornas responsável por aquele que cativas" (Aristóteles) e que formidável cativeiro dos povos aruaques e caribenhos desde a chegada dos primeiros cristãos nas Bahamas (aliás, ilha Guaanani) até a conquista do rio das Amazonas!... -, os paraenses que, no passado distante, por seus antepassados optaram pela soberania portuguesa e depois brasileira deixaram esta terra a seus herdeiros e sucessores: sendo agora, por causa desta herança histórica, coletivamente responsáveis pela conquista do rio das Amazonas com suas boas e más consequências até as futuras gerações. 

Quem, individualmente, fazendo uso da sua liberdade quiser abdicar da amazonidade poderá fazê-lo com toda responsabilidade. Sabendo já que há de encontrar no povo paraense forte resistência e oposição, com fundamento na bravura dos antigos Nheengaíbas contra todos invasores da Terra Tapuia, como se comprova ao longo de nossa história de mais de mil anos de busca do "Arapari" (pais do Cruzeiro do Sul), para não dizer a Pátria Grande latino-americana e caribenha.

Está claro que o "uti possidetis" de 1750 não foi sobre um verde e vago território desabitado, terra de ninguém na jurisprudência colonialista de Gínes Sepulveda na célebre polêmica com Bartolomeu de Las Casas, na corte de Valladolid. Mas, no que concerne à construção territorial da Amazônia, como o termo de direito romano diz, território ocupado e possuído continuamente por diferentes povos de diversas culturas e línguas desde tempos pretéritos.

Precisava a calamidade universal de duas grades guerras mundiais com o abominável Holocausto e a hecatombe atômica de Nagazaki e Hiroxima para dos funerais da Liga das Nações nascer a Organização das Nações Unidas (ONU), testada duramente na Guerra Fria até a virada do século XXI com suas esperanças e angústias onde irão decorrer, em muito breve, os 400 anos da Amazônia.

PRA NÃO DIZER QUE SE ESQUECEU DO "BON SAUVAGE" NA "BELLE ÉPOQUE".

Nossos índios não comem ninguém. E onde estão os "nossos índios"? Muitas vezes basta se olhar no espelho. A maioria mora no bairro do Jurunas, na Condor, Terra Firme, Guamá, Marambaia, na Pratinha, Paracuri, Icoaraci, Tapanã, Barreiro... Anda de ônibus, mas também é gente boa em partamento de cobertura, carrão importado e viaja muito para o Sul maravilha e ao exterior: o problema é que estes filhos de Ajuricaba e dos Ingaíbas se esqueceram que seus avós e pais foram índios, tem vergonha de suas origens indígenas e não gostam de índio. Em geral, preto não querem ser ainda que o cabelo e a cor da pele não neguem...

Todo mundo, graças a Deus, que tem uma gota de sangue europeu quer logo ostentar alguma antiga nobreza genealógica. O avozinho degredado ou deportado, o imigrante camponês nem bem cruzavam a linha no equador em alto mal e já ganhavam ares de sangue azul prontos a civilizar os trópicos e a povoar as terras incultas a procriar uma barbaridade contra mulheres indígenas e negras africanas escravizadas. 

Mas a pergunta que não quer calar: como pouco mais de uma centena de portugueses moradores de Belém (no dizer do padre Antonio Vieira, na segunda metade do século XVII), fora os padres, os escravos e os índios; puderam "ocupar" o Grão-Pará ou Amazônia portuguesa? 


Como foi possível que, contrariando tudo que se sabe sobre a religião vingativa de milhares e milhares de tupinambás, antropófagos convictos e guerreiros destemidos; mal saídos de um enorme massacre desde o Gurupi até o Guamá, na temerária represália dos portugueses comandados por Pedro Teixeira, Bento Maciel Parente, Pedro Favella e outros façanhudos; ao assalto dos guerreiros de Guaimiaba (Cabelo de Velha) ao forte do Presépio, em 7 de janeiro de 1619, a cabo de violências e injúrias mil dos brancos contra os índios; passados quatro anos apenas esses índios se apresentassem animosos ao primeiro chamado de um frade prontos a ser comandados pelos mesmos portugueses em ataque aos estrangeiros no Marajó, Xingu, Baixo Amazonas e Amapá botando-lhes rio afora até o Cabo do Norte?

A menos que os caciques e pajés desses índios fossem estúpidos (o que seguramente não eram). E como o "malvado" capitão Pedro Teixeira foi convertido em "branco bom" com poucos soldados e 1200 Tupinambás numa incrível viagem, de Belém a Quito (Equador) durante dois anos, ida e volta, numa odisseia que ainda causa assombro até hoje? Não é extraordinária que a "teoria do milagre" sustente a historiografia oficial luso-brasileira dos compêndios mais citados?

Por que, na verdade, a chamada Feliz Lusitânia (projeção histórica da Nova Lusitânia (Olinda, Pernambuco), que foi transplantação da velha Lusitânia ibérica)se refere ao forte do Presépio erigido num teso à beira do Igarapé do Piry com ânimo bélico conquistador por lusos e tupis frescamente conciliados às margens do Grão-Pará (aliás, Paraná-Uaçu dos Tupinambás, ao qual correntemente cabocos do Marajó chamam Parauaú ou mais particularmente rio de Breves).

Antes de 12 de janeiro de 1616 nem se falava em "rio das Amazonas",mas - muito vagamente -, de um incerto rio grande de Orellana, supostamente descoberto por acaso nos domínios coloniais dos Reis Católicos (reino de Espanha) nos termos do Tratado de Tordesilhas de 1494, entre os reis de Espanha e Portugal, à beira da guerra por causa do descobrimento da América (que ainda América não se chamava, mas de Novo Mundo).

O relato de viagem do navegador espanhol Vicente Pinzón (1500) estava trancado a sete chaves, como a notícia da aventura de Orellana, em 1542, e 1544 com sua morte no Pará. A comunicação fluvial do Amazonas com os Andes era segredo de estado. Por isto, a presenças de holandeses, ingleses e franceses foi tolerada pela União Ibérica até se constituir uma ameaça verdadeira. Enquanto Portugal, submetida à Castela, procurava no Brasil pretextos e meios para penetrar no cobiçado rio com as promessas de ouro e lendas que ocupavam as mentes do velhos mundo.


A QUESTÃO DA AMAZÔNIA É A COLONIALIDADE DOS PAÍSES AMAZÔNICOS

O espaço esconde as consequências: e já se sabe que a colonialidade é pior que o colonialismo. O Brasil é o maior pais amazônico do mundo, graças à adesão do Pará à Independência (1823). Desgraçadamente, a troca do colonialismo português pelo neocolonismo brasileiro produziu a tragédia que atende pelo título de Cabanagem onde até o nome de cabanos é um impostura de Basilio de Magalhães, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), quando o combatente paraense nunca se tratou por tal nome. Eram paraenses e ponto final.

No próximo dia 15 de agosto o Estado do Pará vai se deliciar com mais um feriado da "data magna" paraense. Na verdade esta data é uma vergonha na memória dos mártires da adesão do Pará no movimento patriótico de 14 de Abril cujo máximo momento de autêntica brasilidade aconteceu na heróica vila de Muaná, na ilha do Marajó, em 28 de Maio de 1823. Miseralmente traído, vilipendiado e esquecido pelos feitores oficiais da historiografia amazônica.

E a verdadeira história do Norte brasileiro avisa aos navegantes do Amazonas o fato incontornável de que, sem caraíbas ou pajés-açus da nação Tupinambá, não teria o Brasil o território que tem. E sem a massagada Tapuia, notadamente no tal "rio Babel" ou das "Amazonas"; não se poderia jamais alegar perante a História Mundial os direitos preliminares de Portugal e depois do Brasil independente.

Portanto, o melhor a fazer nos 400 anos de Belém, além do famoso bolo de aniversário com que os políticos adoram fazer declarações de amor à cidade de Castelo Branco e anunciar projeto futurosos para a população do saudoso burgo Paris n'América; penso eu que seria dar motivos um bom mergulho no rio do tempo. Fazer uma história da história do Pará, onde de hoje em diante os primeiros capítulos começassem a ser escritos em trabalhos escolares com os futuros cidadãos a dizer não só a cidade de seus sonhos, mas também a descobrir as raízes do passado deste mesmo espaço.

Que as crianças de Belém, habitando o tempo de seus antepassados; amanhã ao fazer o roteiro geográfico da cidade possam, corretamente, decodificar em cada monumento um ícone que remete a novas descobertas: uma Feliz Lusitânia do século XXI, que não se envergonhe nem esconda as infelicidades, loucuras e crimes até; cometidos em nome da fé ou ambição de tesouros imaginados e nunca encontrados para glória do humilhado Portugal na União Ibérica (1580-1640).

Está faltando ao pé do monumento a Pedro Teixeira no porto do Pará, pelo menos, duas memórias ao alcance do entendimento do povo brasileiro: 

primeiro, clara referência à utopia selvagem dos Tupinambás, sem a qual o bom selvagem jamais faria pazes com o odiado inimigo português (na lição de Florestan Fernandes e muitos outros que revelaram a religião dos tupi-guarani e o fado das suas intermináveis migrações em busca da Terra sem Mal); segundo, a "linha" de Tordesilhas (1494-1750), tirante de polo a polo que passava sobre Belém (Pará) e Laguna (Santa Catarina)fazendo a Costa-Fronteira do Pará cortar a baía do Marajó entre Espanha a oeste e Portugal a leste...

Aqui o Quinto Império com a utopia sebastianista do payaçu dos índios, Padre Antonio Vieira, teve seu magno teatro. E, sem saber, mesclou-se aos mitos fundadores da saga dos Tupinambás, remanescentes na Amazônia nos ritos populares das religiões afroameríndias que explodem em ritmos tropicais na cultura popular vinda de diversos horizontes. E enriquecem a diversidade cultural do Carnaval Devoto que, inseparável e dialeticamente, acompanha o Círio de Nazaré em conexões mil com o velho mundo desde origens ancestrais da lenda da Nazaré, em Portugal, com o culto da Virgem céltica e do cristianismo virgem, oriundo do oriente desde a Galileia.

Não chorar nem rir, como diria Espinoza, mas compreender. Compreender como o passado se faz presente e, cavilosamente, represa o rio da história. Perpetua-se em espaços que eram públicos desde os começos do mundo... A privatização em si mesma não é um mal se o particular não se torna dogma e prepondera absolutamente sobre o social e por força ou astúcia corrompe e avilta o interesse público. Tal é a essência da República pela evolução do tempo coletivo.

UM PEQUENO GRANDE PASSO NA RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DA CIDADE

Ontem, dia 2 de junho de 2014, a Câmara Municipal de Belém, capital do Estado do Pará; abriu suas portas para a sociedade civil discutir a construção de um polêmico projeto comercial na área nobre do centro histórico. Não foi esta a primeira vez nem será a última que a casa do povo deu espaço político para a sociedade manifestar-se livremente. A salvação da democracia representativa, cada vez se constata, vem com o progresso da democracia participativa... E o dia 2 de junho último foi mais um passo nesta direção.

Para não cometer injustiça de omitir o nome de pessoas que lá estiveram conforme o chamado, direi apenas as entidades e instituições que compareceram, e destacar as falas que mais me chamaram atenção e motivaram-se a fazer este registro, não necessariamente na ordem dos pronunciamentos.

Começa que a sessão especial programada não ocorreu devido à insuficiência de público... Isto mesmo. Mais de mil convidados, que certamente não receberam convites impressos de costume, por que o cerimonial da Casa ou por qualquer outro motivo não enviou, foram substituídos por poucos interessados... Mesmo assim, o correio eletrônico e o facebook passaram avisando por mais de uma semana. Não foi quem não pôde ou não quis. Mas acho que os que foram não perderam a viagem. Muito pelo contrário. Em vez do costumeiro exibicionismo de tribunos exaltados viu-se uma atenciosa troca de informações e manifestações sinceras que transformaram o plenário da Câmara num interessante colóquio.

Iniciativa conjunta da associação Cidade Velha-Cidade Viva (CiVViva) e da Academia do Peixe Frito (APF)o evento teve patrocínio do mandato de vereador do PCdoB abrindo seu gabinete aos movimentos da sociedade civil. Uma participação didática do MPF sobre a questão de licenciamento do suposto "shopping" Bechara Mattar Diamond em área tombada pelo IPHAN, que se tornou 'leitmotiv' das discussões sobre preservação do patrimônio do centro histórico de Belém.

Tive grata surpresa de reencontrar amiga há muitos anos residente em Portugal, parceira alguma vez de estudos sobre Pedro Teixeira; ela também fã das geminações entre cidades amazônicas e portuguesas homônimas. Feliz coincidência do despretensioso encontro na Câmara Municipal de Belém com o voo inaugural da nova linha circular transatlântica Lisboa-Manaus-Belém-Lisboa rumo à Copa, primeiro Círio de Nazaré sob label de patrimônio da humanidade e quiçá neste mês em Doha (Catar, país árabe homenageado na Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém do Pará) o Ver O Peso patrimônio mundial ambos títulos conferidos pela UNESCO e tudo isto em curso aos 400 ANOS DA AMAZÔNIA.

Por isto considero a reunião de ontem um pequeno grande passo para invenção do futuro que queremos, resgatando o passado que temos. A democracia participativa, timidamente, avança. O Marajó pode separar-se do Pará como está separado do Amapá... Mas, as duas margens do golfão marajoara são inseparáveis como no Mediterrâeno oriente e ocidente não se separam.

O Museu do Marajó é ecomuseu do homem marajoara: como tal ele está no Ver O Peso ou em Macapá, e não foi por acaso que numa numerosa delegação de prefeitos e vereadores do Marajó, o fundador do Museu do Marajó, Giovanni Gallo, em 1996, foi convidado a passar uma semana de intensas atividades acompanhado do coordenador do campus da UFPA em Soure, do superintendente regional do IPHAN, de arquólogo representante do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e do presidente a AMAM.

Pena que no fim da viagem havia participante que não entendeu o que foram lá fazer tanta gente. E passado tempo não se encontre, praticamente, nenhum registro sobre isto. Agora foi a vez da Martinica fazer um gesto de aproximação com o Pará. Por que será? E a UNESCO começa, aos poucos, a enxergar nossa região. Avante! Água mole em pedra dura...

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