UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA DUMA GENTE QUE RI QUANDO DEVIA CHORAR

Alfred Wallace sentenciou: "o caboclo marajoara é tremendo"... Queria se referir à astúcia desta gente descendente de índio para se defender e sobreviver no vasto mundo das Ilhas do Pará-Amazonas. 

Quando ele visitou Marajó, na segunda metade do século 19, depois da guerra-civil que por mal comparação cometida por Basílio de Magalhães, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), ficou sendo a Cabanagem (1835-1840); o naturalista plebeu não podia adivinhar que, um século mais tarde; a retumbante teoria que ele intuia com o nobre Darwin iria achar uma comprovação particular na invenção do primeiro ecomuseu da Amazônia: "O Nosso Museu" (Santa Cruz do Arari, 1972), germe do incrível Museu do Marajó, nascido do casamento entre a necessidade de desmemoriados remanescentes de antigas populações marajoaras e o acaso no destino de um jesuita do Concílio Vaticano-II, largado no terceiro mundo que nem cego em meio ao tiroteio. 

Este um chamava-se Giovanni Gallo e, sem querer, acabou seguindo rastros do "payaçu" dos índios, Padre Antônio Vieira, na ilha do Marajó para no fim da história enterrar os próprios ossos na terra encharcada que escolheu para se naturalizar. Está num teso feito por ele mesmo à ilharga do museu, agora transformado em mausoleu numa maneira exemplar que nenhum outro missionário beatificado pelos devotos ou cacique adotado pela tribo jamais conseguiu igualar. Numa coisa pelo menos o padre Gallo foi profeta, dizendo ele que depois de morto seria um grande homem. Dito e feito, ou quase.

Todavia, apesar de todo extraordinário lendamento que se vai fazendo em torno do homem que implodiu, duvido que o padre dos pescadores da vila Jenipapo soubesse antes da aventura onde estava se metendo... O lago Arari foi berço de uma civilização ameríndia cujos começos vem do ano 400 depois de Jesus Cristo. Depois do apogeu cerca de 1300 entrou em decadência, supostamente, por motivo da invasão dos belicosos Aruãs extintos mais tarde em conflito com os colonizadores. Provavelmente foram Aruãs, em janeiro de 1500, os primeiros "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul capturados e levados do Marajó pelo navegador Vicente Pinzón.

De fato, o "milagre" da resiliência da milenar Cultura Marajoara é vista pela gente como obra da Divina Providência. Porém a mentalidades exigentes das luzes da razão e a devotos de São Tomé a melhor explicação se acha sob ótica da complexidade das relações entre Homem e Biosfera, nos diversos biomas do planeta funcionando como ilhas de biodiversidade. 

A arqueologia cultural da ilha do Marajó informa que o golfão amazônico com seu vasto arquipélago de mais de 1700 ilhas, foi percorrido há 5000 mil anos por nômades pescadores e mariscadores cuja fome congênita os levaria a parir uma singular ecocivilização sob a ditadura do sol e da chuva.

O diabo é que apesar da materialidade dos tesos (sítios arqueológicos), museus nacionais e estrangeiros com peças raras de cerâmica marajoara, estudos científicos, exposições no país e no exterior; nomes famosos que se juntaram ao clamor da pobre gente, tais como o sábio de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira, que atesta o achado do sítio Pacoval (o primeiro que se tem notícia, descoberto pelo capitão Florentino da Silveira Frade, em 20 de Novembro de 1756); o Barão de Marajó (presidente da Povíncia do Pará), Domingos Soares Ferreira Penna (fundador do Museu Paraense Emílio Goeldi), Ladislau Netto (diretor do Museu Nacional), Heloisa Alberto Torres (diretora do Museu Nacional), diversos arqueólogos norte-americanos incluindo Betty Meggers e Anna Roosevelt; e recentemente a brasileira Denise Pahl Schaan. Nada disto significa grande coisa (com rara exceção) para os mais de 500 mil marajoaras vivendo hoje no Marajó ou na diáspora que o êxodo rural fomentou.

Por outra parte, salvo poucos pesquisadores dedicados, a intelligentsia brasileira não quer saber de conversa de leigos ou militantes da causa marajoara. Fechados em suas redomas de cristal e ar refrigerado não apenas não querem dialogar com pobres mortais, como também não sabem como começar a conversa. Na opinião dos doutos, o Brasil é um "jovem país" do Futuro, com uma dívida pública que consome 40% dos impostos arrecadados e os investimentos para crescimento do PIB levam uma fatia de 30% do mesmo bolo fiscal. Como gastar o verbo se a verba é pouca? Farinha pouca, meu pirão primeiro: neste ponto concordam com os cabocos.

Marajó está no rol da caridade pública, dentre 120 territórios de baixo IDH, na teoria estes territórios pobretões recebem além de assistência para diminuição da pobreza, alguns investimentos econômicos sob a perspectiva da sustentabilidade. Na prática, todavia, o desenvolvimento socioambiental fica a ver navios... A conservação ambiental ainda é vista como heresia e estorvo aos olhos do desenvolvimento econômico. E a cultura, coitadinha, só dá despesa com folguedos na pior tradição de pão e circo. É o que pensam, mas muitos não ousam dizer. Já os cabocos, estes sabem que os brancos não sabem onde canta a saracura. Portanto, como os patrões não lhes ensinam o que poderia ser uma libertação geral de parte a parte; as fronteiras culturais nas ilhas longe de se aproximar, ficam mais distantes entre si. Wallace que não nos deixa mentir, no retiro de suas observações naturais na ilha dos Mexiana. 

PLANO MARAJÓ: MUDAR A HISTÓRIA OU REPETIR A FARSA?

 O homem põe e Deus dispõe, dizem os cabocos. Que Deus é este que esta gente não arreda uma palha sem repetir o mantra "graças a Deus", "se Deus quiser"? É tabu: vaga noção de perigo caso deixe de pronunciar as palavras rituais que regula a co-existência dos poderes da vida e da morte na vida das criaturas. Quanto acaba, na hora do aperto a Criaturada corre ao pé do oratório diante de imagem de santo ou vai se pegar com caruanas (espíritos telúricos) por intermédio do pajé.

o choque cultural entre colonos e colonizadores deixou marcas. Nas aldeias missionárias do século 17 uma dupla de catequistas exercia tutela legal dos índios com obrigação de "civilizar" a estes últimos. Todavia, o risco que corre o pau também corre o machado... Alguns padres, com exemplo de João Daniel, chegam a ponto de revelar uma condição de aprendizes antes que propriamente mestres. Podemos dizer, então, que as condições reais da região das ilhas se ainda hoje é um desafio, nos inícios da colonização constituiu a Esfínge amazônica.

em tal contexto, o Museu do Marajó - primeiro ecomuseu da Amazônia - feito principalmente de "cacos de índio"; recupera o 'continuum' da história do índio e do caboco. Não espanta que a igreja particular, cujas origens ficaram na floresta de Mapuá, nas pazes de 27 de Agosto de 1659; haja tomado as dores da "Criaturada grande de Dalcídio" (conforme Eneida de Moraes, da Academia do Peixe Frito). Desta forma, na Quaresma de 1999 so bispos do Marajó lançaram o grito dos ribeirinhos excluídos. E, em 2006, foram ao Presidente da República como porta-voz desta mesma gente sem vez nem voz.

A tecnoburocracia ao tentar refazer agora o PLANO MARAJÓ, que em primeira versão (2007-2012) ficou muito aquém das expectativas da Criaturada; precisaria perder mais um "tempinho" para anotar estas coisas estúrdias, A fim de, realmente, fazer o novo em benefício deste povo. Como reza o Parágrafo 2º, VI, Artigo 13 da Constituição do Estado do Pará, letra morta até hoje. 

Um Museu no Marajó?

texto de Giovanni Gallo, copy by site www.museudomarajo.com.br 
Quantas pessoas disseram que foi uma loucura montar um museu no meio dos campos do Marajó, ainda mais que a localidade escolhida, Cachoeira do Arari, não é conhecida e badalada como Soure ou Salvaterra, e sim bastante modesta. De fato, quando começamos, a cidade tinha um precário acesso pelo rio, não adequado para um projeto turístico deste porte.

O serviço telefônico era mais que precário, o abastecimento de água também, a energia elétrica só poucas horas por dia, e com muitos blecautes .

Para completar: falta de hotel e outras estruturas complementares, e qualquer estrutura turística.


Mas o MUSEU DO MARAJÓ escolheu Cachoeira, recusando ao longo destes anos outras opções tentadoras, porque a nossa filosofia sempre foi dominada por aquele mesmo princípio: a preocupação fundamental pelo Homem, não somente como assunto de pesquisa, mas também como meta e objetivo.

A PA-154, estrada de ligação por terra de Cachoeira com a baía e as cidades de Salvaterra e Soure, não passava de um sonho. Agora, só falta um gesto de carinho do Governo para salvar o MUSEU DO MARAJÓ e garantir um futuro melhor para as comunidades da bacia do Arari.

No nosso Museu o Homem marajoara é doador e receptor. Ele é a maior fonte de informação e ao mesmo tempo o maior beneficiado.


Nesta perspectiva, o nosso Museu tem um ciclo completo:

• Nasce da comunidade,

• Cresce com a comunidade,

• E volta à comunidade.

Agora é fácil entender porque o Museu aceitou o desafio de escolher um lugar carente das infra-estruturas essenciais.

Porque assumiu o compromisso de promover estas infra-estruturas, provocando o desenvolvimento do Homem através da Cultura.


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