A INVENÇÃO DA AMAZÔNIA E A GRANDE "ILHA" DAS GUIANAS

Em
um mundo em crise social, econômica e ambiental a Amazônia parece
ser a última fronteira da Terra ou paraíso perdido. A região está numa
encruzilhada na qual o caminho se bifurca entre o desenvolvimento sem
fim, prometendo mais do mesmo; e uma trilha ainda desconhecida com
nome ambíguo de desenvolvimento sustentável. Nas comemoração dos
500 anos do descobrimento da América, o Papa em Santo Domingo –
antigo QG da Conquista –, pediu o perdão de Índios e Negros aos
crimes do Cristianismo ligados aos descobrimentos marítimos.
Mas
o gesto retórico de Sua Santidade ficou suspenso no ar e logo caiu
no esquecimento midiático. O Caribe continuou com sua história de
genocídios, revoluções e tragédias naturais ou políticas em
contraste com o panorama explorado pelo turismo e paraísos fiscais.
Tampouco deixou de suscitar furações e ciclones que terminam por se
abater sobre o País do Vento – Amerik, palavra de origem
maya com referência às montanhas do entorno do lago Nicarágua. Com
a colonização apagou-se o nome nativo do continente para homenagear
o navegador italiano Amerigo Vespucci.
Agora,
como o fim do “fim da História”, é hora de lembrar que o
“animal político” do velho Aristóteles é parte da natureza e
não seu dono. Podemos e devemos estudar as leis naturais para nos
beneficiar delas ou em proveito da humanidade: mas jamais poderemos
mudar as leis da natureza. Para verdadeiro progresso da ciência é
necessário rever o processo histórico compreendendo, com as luzes
do presente, as possibilidades do futuro evitando que a história se
repita.
Reiventando
a Amazônia
Há
400 anos, no Maranhão e Grão-Pará, a improvável aliança entre
arcos indígenas e armas lusitanas realizou o impossivel, misturando
messianismo tupi com sebastianismo. Isto somente começou a ficar
claro ultimamente com novos estudo da história do indianismo
brasileiro, na década de 1980; fato que explica o “milagre” da
invenção da Amazônia brasileira.
44
anos de guerra lusitana, começada sob pavilhão da União Ibérica
(1580-1640) e terminada já na restauração da monarquia de
Portugal, contra concorrentes Hereges. A cruzada entre Reforma versus
Contra-Reforma abaixo do equador, desde a tomada da França
Equinocial (Maranhão) do colonial huguenote Daniel de La Touche, em
1615, até destruição de feitorias holandesas e britânicas no
Amapá, Marajó, Xingu e Baixo-Amazonas, de 1623 a 1647, para
finalmente concluir a pacificação dos bravos Nheengaíbas
(marajoaras) em 1659. Sem estas prelinares, incluindo a entrada de
Pedro Teixeira, levado são e salvo pelos mamelucos Bento de Oliveira
e Bento da Costa com 1200 índios de arco e remo, do Pará ao
Equador, de 1637-1639; hoje não estávamos nós a contar história.
Além disto, foi preciso o longo passado nativo de 5000 anos. Cujo
apogeu foi a Cultura Marajoara (400 – 1300) tendo o Circum-Caribe
como contexto de uma ecocivilização que se acha viva na cultura
popular da Amazônia e Antilhas.
A
velha 'canuá' tecendo rede de aldeias tibeirinhas
A
canoagem e a venerável vela de jupati foram meio ancestrais de
comunicação e trocas de produtos entre milhares de aldeias do Rio
Negro ao Pará; do Orinoco ao mar das Caraíbas. Doravante, canoagem
e vela poderão ser um poderoso instrumento esportivo e indústria
ligados à educação ambiental, à cultura e desenvolvimento
territorial sustentável das populações tradicionais das regiões e
províncias em harmonia com as respectivas sociedades nacionais. O
programa da UNESCO “O Homem e a Biosfera” (MaB na sigla em
inglês) poderia, em abordagem assim, tirar proveito para obter o
impacto necessário ainda não alcançado junto a países-membros e
perante a opinião pública mundial, notadamente para conservação
do litoral marítimo, com seus berçarios de vida aquática e de
ninhais de aves migratórias em zonas úmidas.
Era
uma vez a grande área ecocultural guianense, de Trinidad e Tobago ao
arquipélago do Marajó... Ciro Flamarion Cardoso, autor de “Economia
e sociedade em áreas coloniais periféricas, Guiana Francesa e Pará,
1750-1817”, Rio de
Janeiro: Graal, 1984; ensina que fronteiras definidas por rios e
outros cursos de água, longe de separar aproximam e integram
comunidades confinantes. Não significa que populações vizinhas
vivam em boa paz, se olharmos a foz do Amazonas iremos nos deparar
com um estado de guerra permanente, antes e depois da presença dos
europeus na região. Ainda hoje existem conflitos entre comunidades
de vizinhança e certamente irão sempre existir. Todavia, a
integração e cooperação regional possibilida a solução de
conflitos de maneira mais justa e satifatória para todas partes
envolvidas.
Esta
experiência de convivênia entre etnias diversas, pela guerra e a
paz, correu ao longo do tempo em toda Amazônia, conforme Gastão
Cruls observou. Com base em antigas migrações indígenas
pré-colombianas e posteriormente negros africanos formando
quilombos, Flamarion Cardoso pôde detectar relações históricas e
geográficas numa vasta área sul-americana indo do Marajó (Pará) e
Baixo-Amazonas até a ilha de Trinidad, no Caribe. Configurou-se
assim a grande “ilha” das Guianas, condomínio amazônico
compartilhado pelo Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname e região
francesa da Guiana.
O
geógrafo Elisee Reclus teria sido o primeiro ou um dos primeiros a
constatar o caráter insular das Guianas, pelo efeito tardivamente
estudado, da interligação fluvial do Rio Negro ao Orinoco através
do Canal do Cassiquiare (“rio do cacique”, em língua de tronco
Aruak). O brasileiro Raja Gabaglia também demonstrou a peculiar
conformação geográfica das Guianas ao escrever sobre a “grande
oval insular” circundada pelas águas do Amazonas, Rio Negro, Canal
de Cassiquiari, Orinoco e oceano Atlântico.
Naturalmente,
há milhares de anos, o espaço guianense junto ao Circum-Caribe
foi uma babel de
línguas e culturas ameríndias que deu início à civilização das
terras baixas do Novo Mundo até os nosso dias. Na ilha do Marajó
ocorreu a primeira cultura complexa, tipo cacicado na Amazônia,
cerca do ano 400 da era cristã. A destruição das Índias
ocidentais pela conquista e colonização europeia deu fim a esta
diversidade humana e cultural reduzindo-a drasticamente até os dias
de hoje.
Até
aí o caminho das águas como elemento de integração e cooperação.
A poluição de rios, lagos, mares e oceanos era impensável.
Mormente a excassez de água potável. Porém a mudança de paradigma
produtivo, com a hegemonia rodoviária e aeroportuária desviou o
olhar do mundo do fato mais evidente do mundo: que somos, tal como o
planeta Terra, feitos de sessenta por cento de água.
Caminhos
da integração: passado e futuro
A
partilha das Américas pelas potências europeias, após o
Descobrimento, introduziu fronteiras coloniais à revelia das
populações locais. Todavia não necessariamente prejudiciais a
elas, visto que em muitos casos os limites adotados pelas cortes
imperiais era decorrência de alianças e adesões de povos nativos
na sucessão dos acontecimentos. Os grupos indígenas, nas
circunstâncias, jogavam o jogo aliando-se oras a um grupo de colonos
ou outro conforme interesses e rivalidades locais explorados pelos
colonizadores. Foi o caso especial da nação Tupinambá, por
exemplo, inicialmente amiga dos franceses no Maranhão e, finalmente,
aliada aos portugueses na conquista do Grão-Pará para eles a Tapuya
tetama (terra dos
Tapuias).
Tapuia
(do tupi antigo tamu,
avô) era nome genérico para as mais antigas etnias não-tupis;
passando depois a “inimigo”, como em Tamoio. É preciso
compreender as motivações messiânicas dos Tupinambás – em busca
da mítica “Yvy marãey” (terra sem mal) –, com Florestan
Fernandes e outros, para se dar conta das enormes migrações desta
nação extraordinária, que, inclusive, em contato com os franceses
na baía da Guanabara tiveram emissários em viagem à França,
recebidos na corte de Henrique IV, quando teria nascimento a legenda
do bon sauvage
difundida por Montaigne e Rousseau na incitação da revolução de
1789.
Na
faixa amazônica tordesilhana, a posse portuguesa (1494-1823) e
depois brasileira pela Adesão do Pará à Independência do Brasil
(1823) foi estabelecida principalmente graças a arcos e remos
tupinambás: Belém do Grão-Pará nasceu como boca de sertão,
contando dias para atravessar o largo rio levando a guerra de
expulsão aos holandeses e ingleses que andavam pela outra margem. Só
assim poderia botar as mãos aos imensos tesouros que imaginavam
encontrar. Todavia, havia uma “pedra” no caminho... Esta era a
infinidade de índios tapuias, mais conhecidos pelo nome genério de
Nheengaíbas (“falantes da língua ruim”, diversos idiomas
nuaruaques). Inimigos hereditários dos aliados Tupinambás, que não
permitiam a estes ocupar as ilhas e dominar a passagem para dentro do
Amazonas, a fim de prosseguir a busca da Terra sem mal.
Longe
de agir com prudência para conseguir a confiança dos índios da
magem direita e afastar do inimigo Herege (holandês e inglês da
reforma) os índios da margem esquerda do Pará, os portugueses desde
o Maranhão começaram a vexar e escravizar os orgulhosos Tupinambás:
o resultado foi a revolta com morte de casais açorianos, enganados
pelo mercador Simão Estácio da Silveira que os trouxera com
promessa de vir encontrar o paraíso na terra. Vendo-se mais
necessitados que antes e sem conseguir vencer o clima e a aspereza da
floresta, estes pobres de Portugal começaram a roubar roças e
escravizar índios.
No
dia 7 de janeiro de 1619, o cacique Guaiamiaba (Cabelo de Velha)
atacou o forte do Presépio sendo morto em combate. No Maranhão, o
cacique e pajé Pacamão, da aldeia do Cumã, levou terror aos
colonos portugueses vingando-se de ofensas cometidas pelos filhos do
capitão-mor Jerônimo de Albuquerque. Então, uma feroz represália
comandanda por Pedro Teixeira e Bento Maciel Parente produziu talvez
o maior banho de sangue que já houve entre o Gurupi e o Guamá.
Fazia
mais de cem anos que Pinzón abordara o Ceará e arrastara 36 negros
da terra (escravos índígenas) da ilha Marinambalo
[Marajó]. O relato desta viagem ficou guardada a sete chaves. Mesmo
quando Orellana passou pelas ilhas, em fuga para o Oceano debaixo de
uma nuvem de flechas, quarenta e dois anos depois; os espanhóis não
estavam seguros da tal “linha” de Tordesilhas. Mas a geografia
dos índios da margem esquerda do Amazonas era outra.
E
eles tinham 5000 anos de ocupação destas terras... O Amazonas não
existia com tal nome; sequer se chamava Marañón, como os espanhois
diziam. Ou mesmo Paraná-Uaçu, conforme os tupinambás, igualmente
invasores. Para a massagada aruaca, o rio era simplesmente o Rio
(Uene ou wune;
donde os derivados Guainia e Guiene, Guyane, Guayana, Guiana).
Do
Arapari tapuia à UNASUL passando pela Adesão do Pará
As
Guianas e Caribe foram posse imperial de Espanha, nos termos do
“testamento de Adão” (tratado de Tordesilhas (1494-1750),
homolago pelo papa Bórgia, Alexandre VI, contestado pelo rei da
França, Francisco I. Os caciques indígenas não sabiam ler direito
canônico nem tratados de limites, todavia sabiam e sabem ainda ler
as estrelas onde moram os heróis ancestrais com suas predições do
futuro. Quando das migrações das ilhas do mar para a terra-firme,
tal qual a do legendário Anakayuri que fixou seu cacicado no
Oiapoque, em recuadas era; a guia de travessia era a constelação do
Cruzeiro do Sul (“arapari”, cercadura do sol; os limites do país
continental a ser conquistado). Por acaso, num marco divisório da
fronteira se acha escrito: Aqui
Começa o Brasil...
Talvez
os pajés Aruak e Galibi soubessem disto antes mesmo que espanhóis e
portugueses plantassem o padrão ou pedrão
de fronteira da alegada doação de Filipe II ao donatário Bento
Maciel Parente às margens do rio de Pinzón. Na distância de Lisboa
e Madri, ou até de Belém do Pará, cidade morena que cresceu de
costas para o rio. Quem guardaria o pedrão
de limites imperiais com as Quinas e as armas de Castela, assinaladas
lado a lado no granito até que o tempo se consumasse no porvir da
Independência Americana? Até que a revolução haitiana deitasse
fora a escravidão... Até que a República viésse à luz do dia...
E ainda lá estão os Palikur, Karipunas, Galibis com seus compadres
crioulos e cabocos a contar estórias prenhes de realismo-mágico,
onde relatos verdadeiros e lendários tecem a História.
Para
que a tese do diplomata luso-brasileiro Alexandre de Gusmão vingasse
nas cabulosas negociações de 1750, foi necessário conhecimento
geográfico apurado pela parte portuguesa, capaz de iludir os
negociadores espanhóis com o famoso “Mapa das Cortes'. Diz a
historiografia luso-brasileira que a base cartográfica lançando por
terra séculos de arrogância hispânica sobre o pequeno reino
portucalense, deve-se à ocupação do Brasil por bandeirantes
façanhudos, a devassa dos sertões por sertanistas audazes e a
catequesa levada a efeito por missionários temerários até o limite
da loucura rios acima e terra adentro. É verdade. Mas tudo isto é
só metade da história.
Conhecimento
geográfico indígena no mapa do Brasil
O
famigerado bandeirante Raposo Tavares com seus comparsas jamais
transporia o Tietê para chegar até as barrancas do Madeira e
Solimões, numa marcha verdadeiramente descomunal; se não tivesse
guias e mateiros índios, malgrado todas vicissitudes e violências,
que de fato conhecessem o terreno e convergissem em interesse de
chegar aonde chegaram. Fora desta constatação chega ser ridículo
acreditar que meia dúzia de matabugres armados de arcabuz arcaico e
reduzida munição bastassem para obrigar numerosos índios a mostrar
os segredos dos confins. O mesmo vale para a famosa expedição do
espanhol Gonzalo Pizarro ao País da Canela (Amazônia equatoriana),
quando os aventureiros acabaram morrendo de fome e alguns se salvaram
comendo a sola dos próprios sapatos: daí a deserção de Orellana e
a descoberta, por acaso, do “rio das amazonas”...
Mas,
sobretudo, muito mais que a façanha do capital Pedro Teixeira em
viagem de Belém do Pará a Quito (Equador), durante dois anos entre
ida e retorno, de 1637 a 1639; o uti
possidetis real mediante
a catequese dos missionários e a adesão dos povos indígenas.
Começa nos anos de 1980, com a luta pela redemocratização, o
processo histórico de reconhecimento nacional da contribuição dos
povos índigenas na formação territorial do Brasil brasileiro.
Portugueses
em contato com índios e mamelucos, através do Peabiru, estrada
incaica que vinha dos Andes até o litoral do Brasil em Piratininga
(São Paulo) tinham notícia de uma grande migração da poderosa
nação dos Tupinambás, em 1538, indo de Pernambuco até a atual
Amazônia peruana (cf. Viagem do mameluco Diogo Nunes, em “O
Novo Éden”, Nelson Papavero et. al. ed. Museu Goeldi: Belém,
2000). Prova de que muitos povos indígenas percorreram o grande rio
e conheciam seus meandros, desde o nomadismo paleo-índio, notamente
o Rio Negro e Canal do Cassiquiari (“rio do cacique”, em língua
de tronco Aruak) interligando a bacia do Amazonas com a do Orenoco.
O
Rio Negro é berço da dispersão indígena dita Circum-Caribe
na antropologia americana. Daí os primeiros Aruak ocuparam o Canal
do Cassiquiari e rio Orinoco passando, lentamente, às ilhas do mar
Caribe através das Bocas do Drago e da ilha de Trinidad donde
toparam populações mais antigas, provindas do México e costa da
Flórida com as quais teriam se incorporado. Em seguida, povos menos
desenvolvidos porém mais belicosos, vindos da Floresta Amazônica
com uma cultura guerreira fundada na antropofagia semelhante aos
Tupis, subiram o Rio Negro dando inicio a longo conflito étnico pelo
território. Estes vieram a ser conhecidos como Karib estabelecendo
dicotomia com os Aruak passando os dois grandes grupos étnicos a
lutar entre si até as últimas ilhas do mar.
Da
guerra antropofágica caribenha, nasceu a palavra amaldiçoada
“canibal' e o canibalismo aos olhos dos brancos. Falso como a
crença de Colombo em ter chegado a Cipango (Japão) e a Índia... Lá
ficamos nós sendo as Índias 'acidentais' e os “selvagens”
canibalescos rotulados de índios. A ver que uma mentira civilizada
vale mais que uma verdade bárbara. Mas, a verdade diz que o ritual
antrofágico é eucaristia bárbara de culto aos heróis (“Manifesto
Antropofágico”, Oswald
de Andrade, 1928). E tal antropofagia foi a redenção do Outro pela
mestiçagem de corpos e espíritos... Sartre diria que o Diabo são
os outros: entretanto, pajés-açus ou caraíbas do Jurupari
diabolizado pelos padres e agora pelos pastores evangélicos, sabiam
que as virtudes do heroísmo não apenas poderiam ser imitadas como
na religião de Cristo morto na Cruz para perdão dos pecados do
mundo: mas também por arte mágica, como uma viva fé, mediante
ingestão da carne e do sangue do inimigo valente e invejado. Menos
dramatico, todavia mais sensível a religião de ingestão de cinzas
mortuárias dos parentes falecidos misturadas ao mingau de banana,
praticada pelos Ianomami.
Foi
assim através de tal complexo civilizatório do mar das Caraíbas
que os inimigos hereditários Aruak e Kalina passaram a ser uma única
família Nuaruaque dentro da mesma aldeia, com os filhos da invejável
mulher Aruak pela ciência secreta que ela tinha em lidar com variada
gama de venenos e remédios passando de mães para filhas, e os
filhos da trabalhadeira mulher Kalina vivendo como irmãos,
compartilhando as duas línguas, usos e costumes de ambas culturas.
Estavam
assim, em um complexo processo de guerra e paz em tudo semelhante ao
confronto inter-étnico dos Andes que levou à guerra entre Aimaras,
Incas e Quitus. Ou, nas terras baixas do Chaco e Paraguai Tupis,
Guaranis e Tapuias; quando sucedeu – nas ilhas Guaanani (Bahamas),
em 1492 – a fatídica chegada de Cristóvão Colombo. Já os Aruak
e os Kalina caribenhos em guerra continuada estavam migrando de volta
às Guianas quando os conquistadores com suas matanças inauditas
pressionaram tais migrações. Numa de suas viagens à terra-firme,
sempre com a crença de haver descoberto o caminho ocidental paras as
Índias; Colombo chegou ao delta do Orenoco donde pretendeu ter
avistado os rios mitológicos que banhavam o Jardim do Éden... Os
castelhanos instalados na ilha Hispaniola (Haiti e República
Dominicana) filtravam informações colhidas no novo continente.
Assim, Orellana e Carvajal levaram a notícia fantástica do reino
das Amazonas e do ouro de Manoa, que passou a povoar os espíritos
mais aventureiros dos conquistadores.
Alfred
Wallace, parceiro de Darwin na teoria da evolução das espécies; em
sua viagem à desconhecida Amazônia (na segunda metade do século
19), foi um dos primeiros a perceber que os índios, apavorados pela
fama de perversidade (ástya
em Kalina) dos europeus, desenvolveram extraordinária capacidade de
dissimulação. Ao ser questionados respondiam de acordo com que os
estrangeiros pareciam acreditar, mas sempre no fito de os afastar das
aldeias induzindo-os a ir em busca de ouro às mais distantes e
fictícias paragens... Assim, diz Wallace; surgiu a lenda das
amazonas.
Na
verdade, o Ínca vivia cercado das chamadas “Virgens
do Sol” comparadas a
monjas ou sacerdotisas pelos espanhóis. Na Selva peruana os índios
as chamavam simplesmente “mulheres sem marido” (cunhã-teko-yma
ou icamiabas,
em tupi). Eram servas do cerimonial temidas pelo povo pelos poderes
mágicos que acreditavam elas possuiam para proteção do imperador,
filho de Inti (o sol). Os Quíchuas adoradores do Sol eram súditos
dos Incas (uma elite real) e oprimiam diferentes povos que proviam a
economia de subsistência do Império das Quatro Partes do Mundo. O
sistema de mitimac
(colonização) obrigava remoção de povos hostis ou inimigos para
regiões cercadas por populações fiéis ao Inca. Portanto, o perigo
de magias contra o imperador era constante competindo então às
monjas a inspecionar e provar tudo quanto o Ínca comia ou bebia.
Somente elas em seu ofício ritual, além da família real, podiam
olhar ou dirigir a palavra ao “filho do Sol”. Comiam e bebiam
sobras de comida ou bebida que ele deixasse para não cair em mãos
de feiticeiros inimigos. Assim como recolhiam e cremavam cabelo,
unha, roupas usadas, tudo por fim que pudesse causar mal ao
quase-deus dos Andes. Contra este regime teocrático se chocou a
tirania apostólica cujos crimes o padre Las Casas denunciou na
primeira hora. O resultado foi uma superposição de mitos e lendas
donde nasceu a invenção da Amazônia.
Mais
tarde, o aventureiro inglês Walter Raleigh, favorito da rainha; na
sua expedição de 1596 pelo Orinoco em busca do El Dorado, colheu
informações entre os nativos sobre a interligação de um grande
lago salgado. Seria o Parime, em cujas margens se situava a cidade
lendária de Manoa. Relatos desta viagem acabou por difundir
publicações geográficas da época, que também sugeriam a ligação
da bacia do Prata com o Amazonas. O tal lago constava de mapas
utilizados pela expedição de Alexander von Humboldt, no começo do
século 19. Após Humboldt, autor do “celeiro do mundo”, o lago
Manoa continuou nas cartas das Américas.
A
primeira tentativa de descrição completa do canal natural entre o
Orenoco e o Amazonas, não lago Parime, deve a um relato de 1639,
pelo jesuíta Cristóbal de Acuña; sem muita atenção, embora não
fossem poucas àquela altura as notícias sobre o Canal de
Cassiquiari.
A
primeira descrição testemunhal sobre a sua existência do mesmo
aconteceu somente em 1744, às vésperas do tratado de limites de
Madrí (1750) entre os reinos de Espanha e Portugal; quando o jesuíta
Manuel Román ao subir o Orinoco topou caçadores de escravos
portugueses vindos do Rio Negro. O padre Román acompanhou-os ao
longo do Cassiquiare até ao rio Negro, regressando depois pela mesma
via ao Orinoco. A notícia chegou alguns meses mais tarde ao
conhecimento de La Condamine que apresentou a novidade à Academia
Francesa. Contudo, ainda
assim, pouco crédito foi dado ao descobrimento, manifestando-se a
maioria dos académicos pela impossibilidade da existência de tão
estranho canal. Ainda mais, como veremos, adiante o dito acidente
geográfico
A
existência do canal Cassiquiare apenas foi considerada como
verdadeira quando o mesmo foi visitado, em 1756, Comissão de
Demarcação espanhola conforme o tratado de Madri de 13 de janeiro
de 1750. Para os tempos da Cooperação Amazônica e da União das
nações sul-americanas, que viveram de costas umas para as outras
durante cinco século; as artérias e veias do continente merecem uma
consideração especial além do imediatismo econômico sob o peso
insustentável do mercado global.
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