Amazônia Marajoara


"São Francisco Marajoara" (1998), obra de Ismael (Ismaelino Ferreira), escultura em madeira com elementos ornamentais da flora e da fauna amazônica (foto de João Victor Noronha).







A arte, o que é arte? Artesanato é Arte? Para decidir sobre a questão, brigam acadêmicos e artistas populares mundo afora há muitos anos sem nunca chegar a um consenso. Mas, nós podemos dizer singelamente que se por acaso nem todo artesão é artista, em compensação todo artista é artesão: do fato que a palavra tem origem na mão criadora (ou melhor, nos 'artelhos' (dedos da mão) do artesão primitivo, chamado "Homo habilis". E a educação artística pelo barro, a pedra ou a madeira está à base da imaginação que explora os cinco sentidos do Homem.

A arte está por todas as partes do mundo pedindo passagem para se revelar na pessoa do artista desconhecido, a caminho da fama alguma vez, pela sublimação da paisagem que os olhos veem e pela imaginação do mundo que não se veria jamais sem a obra do artista. E temos nós, no Fim do Mundo, algum artista?

A história da arte, desde a pintura rupestre, é talvez a melhor parte da humanidade. E a educação perfeita seria aquela capaz de converter a vida real tal qual a matéria bruta que se transforma nas mãos do artista (como algum dia se dizia de todo e qualquer operário em construção), ele mesmo criador e criatura. Arte e artista ao mesmo tempo em seu modo de ser. O poeta é um poema (apud Agostinho da Silva), ainda quando já tenha regressado ao tempo do sonho donde veio de passagem pela Terra mãe.

Cada tempo e lugar tem a sua arte expressa pelo trabalho de seus artistas. O mundo das artes, segundo antigas concepções, é o espaço criado por artistas bafejados pelos deuses da inspiração.


todo este preâmbulo complicado
pra falar de um cara muito simples.

Ismaelino Ferreira, nosso querido Ismael; nasceu em Ponta de Pedras e faleceu precocemente em Belém, vítima dessas doenças da pobreza que a falta de medicina preventiva escancara nas estatísticas de morte e baixo IDH. Não que o artista e sua família de pequena classe média fossem necessitados, mas quem é rico quando a comunidade onde se vive é carente em quase tudo? 

A "saúde" pública então é porta de entrada de muitas doenças para as quais já tem vacina, como as hepatites, por exemplo. Deixou ele uma obra considerável, infelizmente, interrompida e um exemplo de vida de artista no Purgatório chamado "ilha" do Marajó que, na verdade, é um mundo. 

Sinceramente, eu não me lembro daquele caboquinho em particular entre a pirralhada de "Itaguari" (Ponta de Pedras). Como, em Cachoeira, ninguém poderia prever que aquele mulatinho filho da preta dona Margarida com o branco capitão Alfredo iria no futuro ser o premiado "índio sutil" ganhador do cobiçado Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (único até hoje para um romancista da Amazônia) pelo conjunto de obras do ciclo literário Extremo-Norte. 

Quando prestei atenção num certo Ismael, notavelmente tapuio como tantos outros índios marajoaras com amnésia étnica; ele era já um artesão com nome feito, embora em início de carreira. A terrinha da gente é um celeiro de talentos, modéstia à parte, e nem vou repetir que se trata da terra natal de Dalcídio Jurandir nem desfilar a galeria de jornalistas, escritores, músicos e outros profissionais que deixaram o umbigo enterrado naquele pedregoso chão. Basta lembrar cordões juninos, Boi-bumbá e, sobretudo, a velha banda que acabou sendo, por merecimento próprio, a Banda Sinfônica Antônio Malato representando uma longa tradição musical de raízes populares a toda prova.

Tivemos bons mestres e professores dedicados, que sem maiores recursos didáticos fizeram o melhor possível e nos deixaram boas sementes. Ismael é um exemplo disto que quero aqui dizer: veio de berço humilde, cresceu aproveitando as poucas chances que a vidinha lhe oferecia para expressar sua vocação artística. Sua grande oportunidade foi o "mecenas" e padrinho que encontrou na pessoa do bispo da antiga prelazia, Dom Ângelo Rivatto; no momento certo, oferecendo cursos profissionais a jovens desempregados que se tornaram oleiros, marceneiros, carpinteiros navais, pintores e artesãos. 

É justo recordar aquele jesuíta italiano imperioso, que um dia me disse ser unicamente discípulo de Jesus Cristo no céu e Dom Helder Câmara na terra; na pacata Ponta de Pedras ele foi uma trovoada sob ventos do concílio Vaticano-II, que deu com o costado naquela ilha bárbara onde seu adorado Vieira deixou pegadas pelas beiras do Mapuá na pacificação dos bravos "Nheengaíbas". Rivatto foi quem, sem querer, me deu a dica do acordo de paz entre o "payaçu" dos índios e os sete caciques marajoaras. Acredito que sem o bispo em apreço eu não teria jamais escrito sobre Antônio Vieira, não haveria o artista Ismael que conheci para talhar "São Francisco Marajoara" em cumplicidade com a heresia tropicalista que me assiste.

Quando o embaixador do Brasil em Bogotá (Colômbia) precisou de um artista competente para entalhar uma porta em madeira de mogno com grafismo marajoara para o parque Brasil naquela capital sul-americana, a brilhante ideia esbarrou no vazio. Quem? Onde? Como? Que resposta a secretaria-geral do Itamaraty em Brasilia, exercida pelo paraense de Óbidos Baena Soares, poderia dar ao embaixador brasileiro no país irmão?

Eu era servidor do Itamaraty em Brasília e fui chamado à presença do chefe do Departamento de Administração, embaixador Eduardo Moreira Hosana, outro paraense na casa de Rio Branco; confesso que fiquei apreensivo pois a casa é rígida com a hierarquia (era como se um sargento fosse urgentemente convocado à presença de um general). Hosana nas alturas do ministério brevemente expôs o problema, complicado por vazamento de informação resultando em embaraço entre figurões da política paraense, que o ministério queria evitar de toda maneira. 

Já na ante sala do gabinete um ilustre senador da República aguardava para se entrevistar com o dito chefe de departamento oferecendo como cortesia do governo estadual um projeto onde elementos naturais tais como rãs, vitórias-régias e outras figuras da fauna e da flora amazônica embelezariam o portão ornamental proposto para o parque Brasil de Bogotá.

Face ao imbróglio político que se previa, o embaixador Hosana estava decidido a agradecer a oferta do governo paraense e responder claramente "sim" ou "não" à embaixada em Bogotá ficando o Itamaraty, caso a encomenda fosse realizável, responsável por todos os detalhes da operação até se entregar a "porta marajoara" pronta e acabada na Colômbia. Isto seria possível?

Simples para mim informar, que, de fato, até aquele momento não existiu jamais uma porta marajoara em barro ou madeira e ali se acabaria logo o assunto de uma vez. Entretanto, era rara oportunidade para inventar uma porta evidenciando a cultura marajoara e a competência do artesão pontapedrense. E eu não conhecia nenhum outro que não fosse o caboco chamado Ismaelino Ferreira, na ilha do Marajó, capaz de tamanha invenção. Então, confiando 100% no "taco" de Ismael eu respondi prontamente sim e recebi carta branca para agir imediatamente sem mais tratativas.

O tempo passava e um ministro do gabinete brincava, pressionando-me diplomaticamente dizendo sempre que passava por mim: "olhe lá meu caro, não me venha com uma porta mexicana"... Claro, além de Ismael em seu atelier na distante cooperativa da diocese de Ponta de Pedras eu confiava na equipe de apoio da Comissão Demarcadora de Limites em Belém, dirigida pelo coronel Ivonilo Dias Rocha, um raro administrador público, para elaborar o projeto em detalhes depois de pesquisa na reserva técnica do Museu Paraense Emílio Goeldi a cargo do desenhista José Maria Mesquita Ramos e do engenheiro civil Clovis Rubens Bona, encarregado da missão que entrou em contato com Ismael e acompanhou pessoalmente a execução da obra em Ponta de Pedras, transportando-a depois a Belém aos cuidados da Força Aérea Brasileira despachada regularmente para entrega na embaixada do Brasil em Bogotá. 

Se não bastasse a Ismael ser escultor e entalhador, ainda foi ele locutor da rádio comunitária FM Itaguari, entrevistador e apresentador de programa. Em boa hora o prefeito Bernardino Ribeiro confiou a Ismaelino Ferreira a Secretaria Municipal de Cultura. Com criatividade, podemos dizer, a Prefeitura de Ponta de Pedras se antecipou ao governo do estado que fechou o horroroso e mal assombrado Presídio São José para dar lugar ao esplêndido polo joalheiro São José Liberto. Bem mais modesta, mas não de menor simbolismo local a velha Cadeia Pública se transformou na Secretaria Municipal de Cultura na terra natal de Dalcídio Jurandir, enquanto eu cedido sem ônus para a Prefeitura fazia figura de Secretário Municipal de Meio Ambiente; com Ercílio Marinho na Secretaria Municipal de Turismo formamos um trio caboco de tiradores de água da pedra. Entre outras coisas que não se conseguiu realizar, ficou pra trás a ideia supimpa de criação de um "Prêmio Tapuia" de Cultura e a criação da Fundação Dalcídio Jurandir (FunDAL) abortada por obtusidade política.

Para falar da figura ímpar do artista Ismael, cumpre esclarecer um pouco o fundo histórico da comunidade pontapedrense, onde o artista nasceu e foi plasmado. Então, são necessárias rápidas pinceladas sobre a inaudita experiência humana e pastoral da Prelazia (25/06/1963 - 15/10/1979), depois Diocese de Ponta de Pedras; com seus antecedentes na história do catolicismo na Amazônia em relação dialética com nações indígenas, colonos e escravos africanos no quadro geral de fundo entre Reforma protestante e Contra-Reforma romana e sua posterior evolução até nossos dias. 

No total, visto pelo povo como conjunto de acertos e erros, lá se vão 52 anos de tentativas desde a bula Animorum Societas, do papa Paulo VI criando o território eclesiástico constituído de Ponta de Pedras, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Santa Cruz do Arari e Cachoeira do Arari (em sentido horário a partir da sede episcopal, com a catedral de Nossa Senhora da Conceição) desmembrado da Arquidiocese de Belém do Pará. Hoje, mais que nunca, no mundo globalizado Marajó com uma diocese (Ponta de Pedras) e uma Prelazia (Soure) católicas está ligado há mais dois mil anos de história do Cristianismo.

Nestas mal traçadas linhas, trata-se duma tímida abordagem de história social. Não é preciso ser católico para compreender que sem a missão da Sociedade de Jesus - constituída de poucos e destemidos "soldados de Cristo" -, no século XVII, não existiria sequer a Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665), ou Marajó; adversa aos Jesuítas e nem por isto o donatário lhe pôde negar as sesmarias requeridas, certamente com receio de provocar dano nas relações do reino de Portugal com a Santa Sé... Deve-se ter em mente o fato, extraordinário, que ao contrário de povoadores e exploradores de pau-brasil e cana de açúcar donatários de diversas capitanias no Brasil, a ilha grande do Marajó foi doada ao próprio secretário de estado de el-rei dom Afonso VI, Antônio de Sousa de Macedo, um estadista, patriarca dos Barões de Joanes; que portanto estava a par dos perigos de vizinhança do Pará com as colônias concorrentes de Portugal nas Guianas e Caribe. 

Ninguém melhor que os Jesuítas por perto dos outros sesmeiros particulares ou religiosos (Mercedários e Carmelitas, neste último caso) para segurar e acalmar aqueles "índios bravios, desertores e escravos fugidos" dos centros da ilha (cf. "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó" de Alexandre Rodrigues Ferreira, 1783), que fizeram retardar a ocupação efetiva da ilha do Marajó durante 64 anos, desde a fundação de Belém do Pará até a construção do primeiro curral de gado cabo-verdiano no rio Arari (1680), pelo carpinteiro português Francisco Rodrigues Pereira.

Sabia o chanceler de Dom Afonso VI, obrigatoriamente, da carta de Vieira, datada de 11 de fevereiro de 1660, ao rei por intermédio da regente mãe, dona Luísa de Gusmão viúva de Dom João IV, relatando a situação da região pacificada após 44 anos de guerra de conquista desde a tomada do Maranhão aos franceses, em 1615, incluindo a expulsão dos holandeses e ingleses do Xingu, Baixo Amazonas e Amapá (1623-1547) até as pazes de Mapuá (Breves) em 1659. 


Por via de consequência, sem a militância pacificadora dos Jesuítas no Marajó sentinela do Norte, o Grão-Pará poderia ter sido uma imensa Guiana Holandesa e não se teria hoje uma Amazônia brasileira. Nossa educação popular carece, profundamente, de cultura histórica. Para isto, os professores teriam que aperfeiçoar seu conhecimento dialético da História fugindo do velho e encardido 'decoreba'. Mas, desgraçadamente, reza o fado segundo o qual a pacificação dos velhos "Nheengaíbas" não tem nenhum "interesse acadêmico"... Sabemos, entretanto, por que isto desinteressa a certos acadêmicos amigos dos donos das sesmarias dos Barões de Joanes e dos herdeiros dos Contemplados.

Ora, o município de Ponta de Pedras - "onde o Marajó começa" e deu a primeira página do romance "Marajó", na suposta fazenda Marinatambalo no rio Paricatuba, primeiro romance sociológico brasileiro - é consequência territorial da velha fazenda São Francisco (Malato), a primeira sesmaria dos Jesuítas na ilha do Marajó expropriada da Missão (1757) e doada (1760) por ordem do Marquês de Pombal ao sargento-mor (major) Domingos Pereira de Moraes, 'contemplado' entre outros homens-bons; antepassado do vereador Antônio Pereira de Moraes, primeiro presidente da Câmara da nova vila de Ponta de Pedras (cf. ata de instalação, de 30/04/1878) e de seu irmão João Pereira de Moraes, vogal da dita Câmara Municipal: não por acaso, a escultura tropicalista "São Francisco Marajoara", obra de Ismael recomendada e encomendada por este neto de índia marajoara da aldeia da Mangabeira que vos fala, é emblemática de toda dimensão desta nossa curiosa história.

O rio Marajó-Açu - que dá nome à ilha e a todos mais topônimos derivados - deu lugar à primeira sesmaria que os padres Jesuítas tiveram na ilha do Marajó, em 1686, com a sede de fazenda São Francisco (depois Malato) em cujas terras havia antes a aldeia dos índios "Guaianazes" [Guaianá], elevada em 1758 em Lugar de Vilar, tendo por padroeiro São Francisco (supostamente de Borja) e foi também nas terras da dita sesmaria formada a aldeia de catequese com índios "mansos" trazidos da aldeia Samaúma (Barcarena), a "aldeia das Mangabeiras" [hoje vila da Mangabeira], que no quadro da expulsão dos Jesuítas (1759) e implantação do Diretório dos Índios (1657-1798) passou junto com o Vilar a se chamarLugar de Ponta de Pedras, tendo Nossa Senhora da Conceição por padroeira (cf. "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó" de Alexandre Rodrigues Ferreira, 1783).

Fica claro assim, que a origem remota do município de Ponta de Pedras desmembrado de Cachoeira, em 30/04/1878, se encontra nas terras de sesmaria da fazenda São Francisco [depois Malato e agora São Francisco do Marajó] situada na confluência do rio Araraiana com a baía do Marajó. Além desta primeira fazenda dos Jesuítas ainda existiram as fazendas São Braz [Fortaleza] e Nossa Senhora do Rosário [Rosário], na bacia do rio Marajó-Açu, fora as mais que os Jesuítas tiveram no rio e lago Arari, inclusive a fazenda Santa Cruz que veio a ser o município de mesmo nome, desmembrado de Ponta de Pedras em 1960.

O maior impacto da atuação do bispo prelado Dom Ângelo Rivatto S.J. em Ponta de Pedras até hoje é controverso sob o ponto de vista dos pontapedrenses, refere-se à criação de duas cooperativas polêmicas. Na verdade não foram exatamente cooperativas, mas de todo modo, com defeitos e qualidades as "cooperativas de Dom Ângelo" ou da "Nella" (colaboradora Nella Remella, tida e havida como "braço direito" do bispo) fizeram história e deveriam ser estudas sem preconceito como referência para o desenvolvimento territorial do Marajó, em seus pros e contras. O papel social de Nella Remella em Ponta de Pedras, sobretudo com a Casa da Fraternidade, por exemplo, para o povo necessitado não pode ser desprezado sem que se cometa ingratidão.

Sobre isto tudo, é lamentável a falta de imparcialidade e de interesse acadêmico a respeito desta importante experiência socioeconômica da Diocese de Ponta de Pedras durante a missão de Dom Ângelo: no meu modesto ponto de vista, independente, considero um êxito socioambiental sem precedentes, mas infelizmente acompanhado de insustentável fracasso gerencial e econômico. É fato que os membros da comunidade católica de Ponta de Pedras custaram a se acostumar à mudança de estilo do primeiro bispo de Ponta de Pedras para o segundo, Dom Alessio Sacardo S.J. Duas personalidades diferentes talhadas para dois momentos diferentes e agora chega com expectativa a vez de um terceiro bispo, Dom Teodoro Mendes Tavares, nacional de Cabo Verde (África), padre da Congregação do Espírito Santo.

Antes de finalizar, convém falar da "Cooperativa Mista Irmãos Unidos de Ponta de Pedras (COPIUPP)" com a sua feição kibutziana... Mas, quem sabe disto? Quem poderia inventar um "kibutz" caboclo, que na verdade foram agrovilas criadas com a cara e a coragem, fé em Deus e pé na estrada? Praia Grande - esta comunidade, em especial, como projeto-piloto do famoso Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (POEMA) em parceria entre a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Fundação alemã Daimler-Benz -, Armazém, Cajueiro, Antonio Vieira, Cachoeirinha, Ilhinha, Jaguarajó - aqui o inovador projeto de agricultura familiar sustentável da EMBRAPA, que começou com pedido de socorro para salvar o coqueiral que morria e não se sabe bem como acabou depois de seu aparente sucesso técnico -, Santana e Porto Santo, numa "reforma" agrária sem muito barulho na parte mais agreste do município, onde outrora retirantes das secas do Nordeste encontraram água e chão na, então, chamada "Colônia da Mangabeira" ao tempo do prefeito Fango (Wolfango Fontes da Silva), antes da revolução de 1930. 

O bispo voluntarista recebia críticas severas e o conflito instalado com o padre Giovanni Gallo evidenciou problemas internos que ainda se podem deduzir da leitura dos livros do fundador do Museu do Marajó. Uma infelicidade para a gente marajoara que em sua maior parte ainda não entendeu tudo que se passou nem o que poderia ser realizado, caso o trabalho social e pastoral tivesse enveredado por rumos mais serenos.

Ismael foi cria da "Cooperativa Mista Fabril, de Recursos Humanos e Turísticos (COMIFRHUT), das duas a que mais benefícios trouxe para a população carente. Esta foi escola profissional, foi empresa, foi olaria, estaleiro, fábrica de móveis. Tinha, sim, que pegar no tranco e deveria ter seu tempo de maturação e transformação profissional. O mesmo talvez caiba refletir a respeito do Museu do Marajó em sua história de resistência, luta e contradição.


uma imagem vale por cem discursos



"A História como Deus não é para os mortos", dizia o historiador José Honório Rodrigues. Segundo este estudioso da História do Brasil, Deus e a História são para os vivos. Os fatos históricos ocorridos no passado não cessam de fazer efeito no presente e de projetar-se ao futuro... A historiografia são registros momentâneos como um álbum de fotografias ao longo de uma vida em apreciação dos fatos conforme as épocas e os homens na voragem do rio de Heráclito. 

Sem a missão de Angelo Rivatto em Ponta de Pedras não se explicaria a arte de um Ismaelino Ferreira e outros artesãos, agricultores familiares, padres, e tantos personagens da história local. Rivatto pode parecer um santo anjo para uns e um déspota esclarecido para outros, sem tocar no explosivo conflito pessoal com o padre Giovanni Gallo...

Para mim, a obra do Gallo e de Rivatto se complementam inseparavelmente (como aliás Dalcídio Jurandir observou em primeira hora no testemunho da correspondência de Maria de Belém Menezes que falta publicar): reconciliados no leito de morte do padre dos pescadores do Arari, a herança do bispo e do padre jesuítas se desmaterializa dos "cacos de índio" no Museu do Marajó e das terras e construções das imperfeitas "cooperativas", para caminhar no sentido de um alto ideal onde há de atingir a fecundante paz que vem das funduras do Mapuá com os sete caciques confederados por Piyé e a utopia evangelizadora do padre Antônio Vieira na miragem do Quinto Império do mundo. 

A imagem do artista Ismael agora repartida pela internet leva uma mensagem viva para todos os Marajós da vida mundo afora.

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