LIBERTAS E SERÁS TAMBÉM

SEGURANÇA ALIMENTAR NO MARAJÓ - OS GADOS DO RIO EM PRIMEIRO LUGAR.
GENTE MARAJOARA
Libertas
e serás também.
Causou estranheza à CPT-Prelazia do Marajó e comunidade marajoara o Projeto de Lei 107 de 31/05/2017, apresentado pelo deputado Hildegardo Nunes à Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa do Pará (ALEPA) no dia 05/06/2017. O PL dispõe sobre o reconhecimento da pecuária como atividade tradicional no Marajó, considerando-a prioridade na ordem dos investimentos agropecuários para a região. Atividades outras como o turismo, extrativismo e pesca, por exemplo, são definidas no documento como "complementares" e recebem permissão para continuar sendo praticadas. Segundo a CPT - Prelazia do Marajó, o PL conclui instituindo certificação aos produtos e subprodutos oriundos do Marajó.
Enfim, uma iniciativa infeliz por representar a continuidade do mando de cima para baixo: "manda quem pode e obedece quem tem juízo", era assim que funcionava. O vício do cachimbo deixa a boca torta... Nos anos de chumbo, o cronista Carlinhos Oliveira
inventou estória dizendo ele ter errado trabalho escolar acerca da
tradução do dístico latino da bandeira republicana de Minas
Gerais, o célebre Libertas Quae Sera
Tamen (liberdade ainda que tardia),
que espertamente traduziu LIBERTAS E SERÁS TAMBÉM...
Errou o latim, mas acertou o espírito da coisa. Era pretexto para escrever à atriz Lucélia Santos, da telenovela Escrava Isaura, dizendo-lhe para não paternalizar índios e negros supondo que somos por acaso superiores a estes: nós somos a ralé judia, a massagada árabe indesejáveis na Europa, dizia. Do mesmo modo, a elite paraense deveria baixar a bola e parar de olhar para o próprio umbigo passando a praticar a democracia participativa com que teria mais força e representatividade diante da concorrência nacional e pressão externa.
Errou o latim, mas acertou o espírito da coisa. Era pretexto para escrever à atriz Lucélia Santos, da telenovela Escrava Isaura, dizendo-lhe para não paternalizar índios e negros supondo que somos por acaso superiores a estes: nós somos a ralé judia, a massagada árabe indesejáveis na Europa, dizia. Do mesmo modo, a elite paraense deveria baixar a bola e parar de olhar para o próprio umbigo passando a praticar a democracia participativa com que teria mais força e representatividade diante da concorrência nacional e pressão externa.
Há
oito anos escrevi artigo sobre isto e agora gostaria de recordar de
novo aos brancos de nossa elite papa chibé. Abaixo do equador somos
todos farinha do mesmo saco: melhor nos respeitar uns aos outros e
nos unir a fim de deixar uma nação mais justa a nossos filhos e
netos. A elite latifundiária da
ilha do Marajó, depois de 337 anos do primeiro curral de gado no
Arari, 260 do Diretório dos Índios e expulsão dos Jesuítas
completada pela expropriação das fazendas dos padres para doar aos
Contemplados
do Marquês de Pombal; ainda no século XXI deposita fé nas velhas
sesmarias de pecuária extensiva, mãe de todas exclusões sociais da
criaturada marajoara.
Em
vez de olhar para o futuro com a Agenda 2030 dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS), em compromisso do Brasil com a
Organização das Nações Unidas (ONU); os fazendeiros querem uma
lei estadual reafirmando a histórica primazia da agropecuária como
prioritária para o desenvolvimento econômico da região do Marajó:
ora, a agropecuária tradicional de base familiar sim deveria ser uma
atividade dentre outras num leque de oportunidades de geração de
emprego e renda local a par do ecoturismo, da pesca artesanal
organizada, do extrativismo florestal além de outros ramos
socioeconômicos sustentáveis.
Na
Quaresma de 1999, os bispos da Diocese de Ponta de Pedras e da
Prelazia do Marajó (Soure) divulgaram documento eclesial alertando
as autoridades brasileiras sobre a extrema pobreza do Povo Marajoara.
O governo estadual limitou-se em convidar o Grupo
em Defesa do Marajó (GDM), que
existiu entre 1994 e 2014 fundindo-se depois ao Movimento
Marajó Forte (MMF), para troca de
sugestões como, por exemplo, a implantação efetiva da Área de
Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-MARAJÓ). Que,
mais tarde, em 2003, viria ser base da demanda para reconhecimento do
Marajó como sétimo bioma brasileiro protegido na lista mundial
reserva da biosfera brasileira (Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga,
Serra do Cipo, Pantanal e Amazônia Central).
O
referido documento eclesial foi base de solicitação dos bispos
católicos ao Presidente da República para criar o Grupo
Executivo Interministerial de Acompanhamento de Ações no
Arquipélago do Marajó (GEI-Marajó),
em 2006. Da demanda da comunidade marajoara resultou o Plano
de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó
(PLANO MARAJÓ), lançado
conjuntamente pela Presidência da República e o Governo do Estado
do Pará, na cidade de Breves, em 2007. No ano seguinte, 2008, o
programa federal Territórios da Cidadania reunindo consórcios entre
cerca de 2000 municípios de baixo IDH, integrou-se ao PLANO MARAJÓ
formando o Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó
(CODETER) reunindo representantes da sociedade civil, Associação
dos Municípios do Arquipélago do Marajó, Governo estadual e União:
nunca na história desta região houve um arranjo federativo assim.
No
conjunto, causou impacto positivo junto às comunidades municipais o
Projeto de Regularização Fundiária NOSSA VÁRZEA, que chegou a
atender aproximadamente 40 mil famílias. Ou seja, algo como um terço
da população. É claro que estas novidades, apesar de levantar
expectativas e contradições, ainda são largamente insuficientes e
hoje se apresentam a ponto de redundar em tremendo retrocesso, como
por exemplo, a extinção da Bolsa Verde pelo governo federal.
Quando, pelo contrário, o pagamento por prestação de serviços
ambientais deveria ser massificado a par do contravertido FUNDO
AMAZÔNIA via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), tristemente famoso por investir e financiar empresas
corruptoras e devastadoras com a JBS, que vem de sofrer pública reprimenda do governa da Noruega ao governo do Brasil.
É
fora de dúvida de que se a elite política do Marajó ouvisse a
Criaturada e quisesse fazer da ilha do Marajó uma vitrine as coisas
jamais chegariam ao ponto em que chegou com o alegado roubo de gado,
pirataria, narcotráfico, crimes hediondos, tráfico de pessoas,
abuso sexual de menores, violência contra mulheres e outras coisas
mais que fazem o povo fugir para as cidades onde só encontram mais
desgraças e desesperança. Dai que os marajoaras que amam a sua ilha
natal não podem deixar de protestar diante da arrogância do
latifúndio e do agronegócio.
O
Brasil não conhece os Marajós, enquanto o próprio Pará
desvaloriza esta região insular ímpar que deveria ser tratada como
joia da coroa amazônica.
Atravessada na boca do Amazonas a ilha dos Nheengaíbas ou Aruans,
maior que o reino de Portugal, após tenaz resistência a todos
tentativas de conquista armada desde a tomada de Gurupá aos
holandeses (1623), finalmente foi pacificada no acordo de Mapuá, de
27 de agosto de 1659, entre o Padre Antonio Vieira, delegado de
El-Rei Dom João IV e superior das Missões do Grão-Pará, e sete
caciques nheengaíbas dos Aruãs, Anajás, Guaianases, Cambocas,
Pixi-Pixi e Mamaianases liderados pelo índio Principal Piié dos
Mapuás; conforme a lei de liberdade dos cativeiros indígenas, de 9 de abril de 1655.
Naquele
tempo, conforme o cânone romano, apesar dos enormes esforços do
dominicano Bartolomeu de Las Casas; “índio” e preto africano não tinham alma. Isto é, direitos humanos. Ou seja, os Nheengaíbas não
tiveram reconhecidos seus direitos territoriais e identitários milenares. Porém hoje os seus descendentes fazendo parte das
populações tradicionais, lutam por esses mesmos direitos. Eis a
questão!
Então,
a carta do Padre Antonio Vieira ao rei de Portugal por intermédio da
regente Dona Luísa de Gusmão, datada em Belém do Grão-Pará em 29
de novembro de 1659 (publicada em Lisboa em 11 de fevereiro de 1660),
vem a ser para os dias de hoje um ensaio precursor sobre os direitos
humanos dos povos indígenas e prenúncio da Teologia da Libertação.
Documento histórico a ser revisto à luz dos Direitos Humanos
Universais e da Encíclica “Louvado Seja”, do Papa Francismo,
mencionando expressamente a Amazônia.
Todavia,
como chegar a uma leitura da história da gente marajoara, como esta
que se resenha aqui, se nem mesmo a interpretação da Constituição
da República Federativa e da Constituição do Estado do Pará pelas
autoridades constituídas e intelectuais da região contempla os
direitos das populações remanescentes dos antigos povos indígenas?
Mas Dalcídio Jurandir e o padre Giovanni Gallo não escreveram em
vão a defesa da Criaturada marajoara.
Ao
mesmo tempo que o “Paiaçu dos índios”, depois de ser expulso
violentamente com seus confrades pelo colonos do Pará, revoltados
pela proibição de escravizar índios; em Portugal era ele
processado, preso e condenado pela Inquisição do Santo Ofício, por
heresia judaizante do Quinto Império do mundo – utopia
evangelizadora do reino de Jesus Cristo consumado na terra, um
milênio de paz ecumênica para todos cristãos, judeus e muçulmanos
– , a Ilha dos Nheengaíbas foi dada graciosamente por El-Rei Dom
Afonso VI ao secretário de estado Antônio de Sousa de Macedo como
Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes, em 1665.
Naturalmente
a tal Capitania hereditária se fez à revelia dos ditos Nheengaíbas
lesados em suas terras hereditárias, já desenganados da falsa paz
de Mapuá, que retomaram suas antigas armas e costumes bélicos
selvagens refugiando-se pelo interior da ilha: embrião da Jebre e do
interminável “roubo de gado”... Donde os índios bravios saiam
em incursões guerreiras sobre a terra firme assaltando aldeias de
índios “mansos” (escravos dos colonos) para fazer escambo por
armas e munições junto a traficantes vindos de Caiena a fim de
sustentar a velha guerra contra os antigos inimigos Tupinambás
aliados aos portugueses, desde a tomada de São Luís do Maranhão
(1615). Com a quebra das pazes de Mapuá, continuou a guerra até
cerca de 1723, levando a tropa de guarda-costa comandada pelo
sargento-mor Francisco de Mello Palheta em busca, vivo ou morto, do
cacique dos aruã e mexiana Guamã. Dessa guerra colonial veio o café
furtado da Guiana francesa.
O
café brasileiro teve, então, em sua origem uma guerra injusta no
extremo-norte do Brasil, para evitar antes a “guerra justa” de
extermínio e cativeiro dos Marajoaras (cf. “História da
Companhia de Jesus no Brasil”, Serafim Leite: Rio de Janeiro,
1946, tomo IV). Por isto o contrabando das Guianas se fez notável
além Oiapoque, onde enfim a ponte binacional Brasil-França espera
melhores dias, agora talvez sob égide do Acordo de Paris de 2016.
Mas as elites de Brasília e Paris querem saber a história de uma
criaturada lesada pela Civilização ocidental?
A
Capitania de Joanes com seu donatário lisboeta distante e o
capitão-mor André Gavinho morando na cidade grande servido de
escravos e criados, entretanto, permaneceu 15 anos sem efeito prático
diante da resistência feroz e perigo de ataques de índios bravios,
desertores e escravos fugidos (aldeias isoladas e quilombos) que
existiam pelos centros da Ilha: eram eles ainda os marãyu /
marajó (gente malvada, homem mau), os donos de fato da ilha dos
“falantes da língua ruim” (nheengaíba).
Vem
daí até nossos dias a fama medonha da Jebre
temida, área inóspita às ilhargas dos mondongos
(poderia ser a par da Reserva da Biosfera um sítio da Convenção de
Ramsar sobre preservação de áreas úmidas) e da Contracosta
onde se refugiam ladrões de gado e supostos piratas com suas
malfeitorias. Somente em 1680, 15 anos depois do esbulho real das
terras indígenas na ilha do Marajó; levantou-se com o português
Francisco Rodrigues Pereira, o primeiro curral de gado dentro do rio
Mauá, tributário da margem esquerda do Arari. Assim, a ilha do
Marajó começou a ser ocupada pela pata de bois e cavalos de Cabo
Verde sem nunca as fazendas resultar em bem àquelas populações
tradicionais marajoaras até o presente.
Entretanto,
pelo memorial de doação da capitania ao secretário de estado do
reino, Antônio de Sousa de Macedo, ficamos sabendo da existência
anterior do Pesqueiro Real (hoje no território da Reserva
Extrativista Marinha de Soure), com índios Iona (Joanes) como
pescadores escravos da Coroa. Deste pesqueiro e da miséria dos
pescadores de tainha, valendo como dinheiro corrente no Pará para
pagamento do soldo da tropa, vencimento dos funcionários e a côngrua
dos vigários de freguesia, falou o naturalista Alexandre Rodrigues
Ferreira, na “Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou
Marajó” (1783), separata da “Viagem Philosophica”
(1783-1792). O sábio de Coimbra viu na ilha grande o potencial de
uma província separada do Pará e disse do achado do primeiro sítio
arqueológico, teso do Pacoval do rio Arari, pelo capitão Florentino
da Silveira Frande, inspetor da ilha, no dia 20 de Novembro de 1756 –
por feliz coincidência, atualmente DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA
NEGRA e que também poderia ser Dia Nacional da Cultura Marajoara
– , deu voz ao índio Severino dos Santos, sargento-mor de milícia
da vila de Monforte (aldeia velha de Joanes) cuja memória resgata os
começos da guerra entre os Aruãs (cerca de 1300) e as etnias
marajoaras mais velhas, deslocadas pouco a pouco para a Costa
Fronteira do Pará (Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari e Ponta de
Pedras).
Após
a guerra-civil da adesão do Pará à Independência do Brasil
(1835-1840), dita a Cabanagem; foram chamados imigrantes da Espanha,
Portugal e Galícia para relançar a pecuária decadente na ilha do
Marajó, viajantes e naturalistas percorrem as Ilhas, o inglês
Alfred Russel Wallace co-autor da teoria de evolução das espécies esteve na ilha de Mexiana e na Contracosta. Domingos Soares Ferreira Penna, fundador do Museu Paraense (Museu Paraense Emílio Goldi) estudou os últimos Aruãs em Chaves e coletou cerâmica marajoara com o diretor do Museu Nacional, Ladislau Neto, remetendo peças do teso do Pacoval para Exposição de Chicago (EUA), em 1893. A arqueóloga brasileira Denise Schaan realizou um trabalho exausitivo e escreveu a obra de divulgação "Cultura Marajoara", onde se fica sabendo quantos museus estrangeiros e nacionais ostentam coleções de cerâmica marajoara: tudo pra inglês ver...
Para a gente marajoara sobrou o analfabetismo, a herança maldita dos tesos arqueológicos arrombados e os
'cacos de índio' que surdiram o Museu do Marajó, na luta marajoara
de resistência à escravidão e ao colonialismo, dando numa
renascença cultural inesperada.
Contribuição
à crítica socioambiental da Amazônia Marajoara.
A Ciência não tem pátria, mas os cientistas tem.
A propósito do Parágrafo 2º, VI, do Artigo 13 da Constituição do Estado do Pará, que determina criação da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó - APA-MARAJÓ (1989) condicionando o desenvolvimento econômico da mesorregião do Marajó ao IDH da gente marajoara. Alegação de inconstitucionalidade do projeto de lei apresentado na Assembléia Legislativa do Estado do Pará que declara a agropecuária como atividade prioritária da economia no Marajó para fins de investimentos e incentivos estaduais e dá outras providências. O dito projeto de lei, além do equívoco de planejamento estratégico demonstra claro menosprezo da elite oligárquica estadual pelo movimento social que pretende investir no turismo de base na comunidade e no agroextrativismo comunitário da cadeia produtiva do açaí e da pesca, por exemplo, como vocação econômica da mesorregião do Marajó. Evidentemente, a agropecuária familiar é uma atividade tradicional marajoara, a par das mais que não pode ser elevada a uma categoria prioritária de agronegócio de escala.
O
que a gente marajoara mais precisa, neste momento da Agenda 2030 da
ONU determinada a erradicar a pobreza extrema em todo mundo e a
enfrentar a mudança climática a qual poderá submergir partes mais
baixas do arquipélago; é de um sistema universitário multicampi
integrado, capaz de operar centro de excelência em pesquisa do
trópico úmido em cooperação nacional e internacional a promover a
suplantação da colonialidade regional. Prova desta colonialidade
que amarra a gente marajoara ao mísero IDH se vê no triste
histórico da APA-MARAJÓ
, por exemplo, que precisou mais de 20 anos para, timidamente,
começar a ser implantada seja por desconhecimento ou seja por falta
de interesse politico de governadores, deputados, prefeitos ou
vereadores.
Antes
disto, a sociedade civil reunida na cidade de Muaná, em 08/10/2003,
em preparação à primeira Conferência Nacional de Meio Ambiente;
solicitou providências para candidatar a controvertida unidade
estadual de conservação como Reserva
da Biosfera
na lista brasileira do Programa Homem e Biosfera (MaB), da
Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Embora até hoje o governo estadual não haja terminado providências
para candidatura formal do projeto Reserva
da Biosfera Marajó-Amazônia,
eu acedito que foram pressões neste sentido que levaram finalmente à
implantação daquela APA. Numa região onde já se somam unidades
federais de conservação, a Floresta Nacional de Caxiuanã, Reserva
Extrativista Arioca /////, Reserva Extrativista Gurupá-/////,
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Baquiá-Itatupã, Reserva
Extrativista Mapuá, Reserva Extrativista Terra Grande – Pracuúba,
Reserva Extrativista Marinha de Soure e a Area de Proteção
Ambiental municipal de Bacurizal (Salvaterra).
Temos aí esboçado um potencial Mosaico de unidades
de conservação ambiental, que com pelo menos um Sítio Ramsar e a
Reserva da Biosfera supracitada colocaria a foz do Amazonas no mapa
ambiental brasileiro e no sistema multilateral de conservação do
meio ambiente. Mas, a oligarquia paraense insiste em acreditar que a
conservação ambiental “engessa o progresso”. Embora a Reserva
da Biosfera do Pantanal em conjunto de seis reservas da biosfera
brasileiras digam o contrário. Aparentemente é esta crença arcaica
da elite paraense que explica a dificuldade do governo paraense,
durante todo este tempo, em promover o desenvolvimento sustentável
do Marajó mediante um correto zoneamento ecológico-econômico de um
território federativo do tamanho de Portugal, que tem lá suas....
reservas da biosfera, a última delas...... criada neste ano de 2017.
Nem precisa dizer como o turismo e reservas ambientais em Portugal se
dão bem. E eu que, por amor à criaturada grande de Dalcidio,
sonhava em ver Marajó como a Costa Rica paraense; perdi oito anos de
minha vida marcando passo no turismo oficial paraense.
O projeto de lei em questão, privilegiando a
agropecuária revela, mais uma vez, a histórica hegemonia política
e econômica do latifúndio no Estado do Pará, fundada no
colonialismo a partir do patrimonialismo português expandido da ilha
da Madeira para as colônias em África, Brasil e Ásia: causa de
infinitos conflitos, violência e mortes no campo. Antes de mais nada
é preciso reconhecer a existência de grandes nomes da elite
paraense com vínculos econômicos, políticos e sociais na ilha do
Marajó. O governo estadual já conta na galeria de governadores os
nomes de ilustres marajoaras natos ou adotivos, a começar de José
Coelho Gama e Abreu (Barão de Marajó), autor do clássico “As
Regiões Amazônicas”; Aurélio Correa do Carmo, Alacid da Silva
Nunes e Carlos Santos.
Tendo quatro governadores em sua história e notáveis
homens públicos como Justo Chermont, Vicente Chermont de Miranda,
Bertino Lobato, um intelectual de renomê nacional e internacional
como Dalcidio Jurandir, notáveis personalidades que colocam Marajó
no centro de seus trabalhos, como o missionário Antônio Vieira, o
naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, Domingos Soares Ferreira,
Betty Meggers, Ana Roosevelt, Denise Shaan e muitos outros mais; é
espantoso o contraste entre a civilização marajoara e a pobreza de
sua sofrida população.
Proteção
ambiental para quê e para quem?
O
golfão Marajoara, na expressão de Aziz Ab'Saber, apresenta a
singularidade de uma região equatorial fluviomarinha em torno de
duas mil ilhas grandes e pequenas no delta-estuário do Amazonas e
Pará, na maior bacia fluvial do mundo. Por aí flui continuamente
20% da água doce superficial de nosso planeta dando uma
biodiversidade extraordinária e uma distinta cultura ribeirinha
cujas origens vem do paleo-índio amazônico de mais de cinco mil
anos de idade. O gigantesco Amazonas depois de percorrer sete mil
quilômetros coletando águas, desde suas nascentes no Peru, banha as
regiões amazônicas da Bolívia, Peru, Equador, Colômbia antes de
entrar no Brasil e receber tributários da Venezuela, Guiana,
Suriname e Guiana francesa através do Rio Negro, Rio Branco,
Trombetas e Jari, respectivamente; despeja seu caudal no golfão
Marajoara. Onde, com o Tocantins vindo das alturas das Águas
Emendada, no Planalto Central, deságua no estuário do Rio Pará
envolvendo a grande ilha do Marajó (cerca de 50 mil quilômetros
quadrados com 12 municípios); para lançar as água da Amazônia ao
encontro da Corrente Equatorial Marítima com sua formidável
história secreta das antigas navegações do Mar-Oceano que segue
para o extremo-norte através da Corrente das Guianas formando a área
cultural guianense desde as ilhas do Marajó até a ilh de Trinidad
(cf. “Guyane
française”,
Ciro Flamarion Cardoso).
Trata-se,
portanto, da Amazônia Marajoara
com todos seus tesouros naturais e culturais materiais e imateriais,
incluindo parte continental formada pela microrregião de Portel, na
mesopotâmia Xingu-Tocantins, somando área de 104 mil quilômetros
quadrados, onde vivem entre grande desigualdade social e disparidade
tecnológica 600 mil ribeirinhos. Poucos deles dispõem de instrução,
conforto, renda e meios de vida satisfatórios vivendo geralmente nas
16 cidades sedes dos municípios da mesorregião ou em Belém e Macapá. A grande maioria dos marajoaras é pobre, analfabeta e
dispersa em mais de 500 comunidades interioranas isoladas, com raras
exceções dos distritos urbanos mais próximos da sede do município.
O município de Melgaço, por exemplo – Aricará (1659), a mais
antiga aldeia missionária do Marajó depois da vila militar de
Gurupá (1623) –, ostenta o pior IDH dos municípios brasileiros.
A
geografia desta região amazônica, entre o oceano Atlântico e a
Floresta Amazônica, é muito complexa. Nela teve origem a mais
antiga civilização das terras baixas das Américas – a chamada
Cultura Marajoara
datada no ano 400 da era cristã. A história da Arqueologia
Amazônica começa com viajantes estrangeiros atraídos pelo exotismo
e curiosidades da ilha do Marajó com suas coisas, gentes e bichos...
Uma ilha-museu a céu aberto, para não dizer ecomuseu avant
la lettre...
É
claro que, dentre a intelligentsia
brasileira, raros intelectuais interessam-se e pensam a Amazônia
profunda, na qual uma região como Marajó se destaca pelo fato de
constituir a entrada do “rio Babel” (cf. Padre Antonio Vieira,
citado por José Ribamar Bessa Freire na obra incontornável “Rio
Babel – a história das línguas na Amazônia”).
Um povo ágrafo como os marajoaras deixa sua história para as
gerações seguintes pela memória de seus “griôs”, mitos,
lendas, construções, arte popular... Esta tradição,
evidentemente, não é estática. Um patrimônio ancestral que evolui
e que se perde também nos embates da vida e da morte... O pensamento
acadêmico sobre o Marajó padece, em geral, por uma visão
colonizada. Quem melhor poderia falar dos marajoaras seriam os
próprios marajoaras.
Porém há um problema aí. Quem são os marajoaras?
Supostamente somos mais de um milhão espalhados no mundo, inclusive
aqueles 600 mil ribeirinhos vivendo entre chuvas e esquecimento em
mais de 500 comunidades-aldeias em duas mil e tantas ilhas. Nossos
filhos quando podem vão à escola supostamente para aprender e
alguns chegam até a universidade e conseguem passar no mestrado e
doutorado. Então que acontece? São extraordinariamente os felizes
vencedores da ignorância que não acabam – graças à academia
oficial – por repudiar as velhas superstições, crendices e
costumes arcaicos de seus antepassados. Pudera! 300 anos de catequese
e colonização transformaram o índio marajoara em “caboclo” e
caboclo o que mais quer na vida é se converter em “branco”. É
não há coisa pior neste vasto mundo que um “branco” que foi
“caboclo”...
Parabéns, Varela. Se a revista do IHGPa, não fosse tão'exclusivista'. ou excluidora, este artigo estaria muito bem, lá.
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