A Educação pelo Barro.

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A obra poética de João Cabral de Melo Neto começa em 1942, com a Pedra do Sono e se firma na Educação pela Pedra, publicada em 1965. A lembrança do poeta pernambucano me ocorre no momento em que se planta em Icoaraci a "academia marajoara do peixe frito" com a universidade da maré a bordo da Rede Socioambiental & Cultural de Icoaraci. Modesta mas corajosa... A Universidade da Maré é tentativa expedita de fazer extensão ribeirinha para a Criaturada grande de Dalcídio (populações tradicionais), notadamente a partir da militância informal do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), de 1994 até 2014. 

Icoaraci é espaço geocultural marajoara por excelência na área metropolitana de Belém, centro de arte cerâmica e gastronomia ribeirinha de grande importância na Amazônia Marajoara que transborda o golfão marajoara sobre a terra-firme (continente) nas cidades de Belém (Pará) e Macapá (Amapá), no delta-estuário amazônico. A educação pela pedra reúne o Nordeste, portador da utopia tupinambá da yby marãey (Terra sem Mal) e a invenção da Amazônia, onde o mito se fez história na fusão entre povos nativos e invasores. Todo mundo deveria saber que a Tapuya tetama (terra Tapuia, mais tarde Grão-Pará) foi conquistada pela nação Tupinambá e colonizada por portugueses e mamelucos nordestinos. Este processo complexo contou com a adesão dos Nheengaíbas, jamais vencidos pela guerra colonial; na Paz de Mapuá (Breves), de 27 de Agosto de 1659: sem a qual não haveria a Adesão de Muaná, de 23 de Maio de 1823 e a rendição portuguesa de Belém, de 15 de Agosto de 1823 e todos seus percalços até a Cabanagem (1835) e Anistia de 1840 sobre o espectro de 40 mil mortos em população de 100 mil almas...

Em 2002 o caboco que vos fala ousou defender a educação pelo barro (Amazônia Latina e a terra sem mal, José Varella: Belém do Pará, Imprensa Oficial do Estado, 2002) e agora volta ele a insistir sobre o tema a cabo da primeira Cúpula de Governadores da Pan-Amazônia, em Roma, ocorrida dia 28 de outubro, consequente ao Sínodo da Amazônia, encerrado a 27 do mesmo mês, antevéspera à conferência mundial Economia de Francisco, prevista para os dias 26, 27 e 28 de março de 2020, na cidade de Assis (Itália) a ser seguida pela segunda Cúpula de Governadores da Pan-Amazônia em Belém do Pará. 

São sinais efetivos de que tradição não significa fossilização, mas ao contrário gestação permanente do futuro pela espiral evolutiva do rio de Heráclito... Claro está que o passado não se muda, porém o tempo não para e a história só se repete como farsa. Estamos prontos a cometer um salto amazônico de fato? Lá na beira do lago Arari, "cacos de índio" (1973) como por milagre se transformaram no primeiro ecomuseu amazônico, sem que o caboco que coletou fragmentos de urnas pré-colombianas de mil anos de idade e o pároco de Santa Cruz do Arari percebessem estar sendo ambos instrumentos de uma ressignificação cultural nunca dantes em toda Bacia Amazônica. Eram eles Vadiquinho e Giovanni Gallo (cf. Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara, de Giovanni Gallo, 5ª edição, com prefácio da arqueóloga Denise Schaan)


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"Outra educação pela pedra: no Sertão (de dentro para fora, e pré-didática). 
No Sertão a pedra não sabe lecionar, e se lecionasse, não ensinaria nada; 
lá não se aprende a pedra: lá a pedra, uma pedra de nascença, entranha a alma." (João Cabral de Melo Neto).

A pedra precede o barro no tempo. A educação pela pedra espera pelo tempo do homem criador de um outro mundo possível antes da idade dos metais... Esta é a boa filosofia que o barro e a madeira suscitam na "última fronteira da Terra". Era preciso esperar a mundialização desde a saga dos argonautas terminar a sua obra? 

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O 'marajoara que veio de longe' (padre Gallo no dizer de Camillo Viana, na missa de sétimo dia de falecimento do criador do Museu do Marajó, celebrada na igreja de São João na Cidade Velha, Belém do Pará), foi ouvido no outro lado da baía do Marajó, no igarapé Paracuri, em Icoaraci; pelo Mestre Raimundo Cardoso... Os "motivos ornamentais" começavam a dar frutos como o padre dos pescadores do Arari sonhou. Fomento de emprego e renda para a gente pobre e despossuída do Grão-Pará invadido e colonizado a ferro e fogo. 

Hoje as grandes empresas instaladas na Amazônia estão sendo cobradas a pagar a enorme dívida do saque da "internacionalização da Amazônia" desde a descoberta do "celeiro do mundo" pelo naturalista alemão Alexandre Humboldt... O Governo do Pará também está em dívida com a gente marajoara face ao parágrafo segundo, alínea VI, do artigo 13 da Constituição estadual de 1989; que determinou a criação da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó), mal e porcamente implantada diante da imensa ignorância de mais de 500 comunidades insulanas, onde mais de 200 mil pessoas vegetam em feio analfabetismo. E a UNESCO poderia vir ser parceira estratégica desta construção socioambiental e ecocultural fora de série, através do programa Homem e Biosfera (MaB/UNESCO); se o Governo do Pará finalmente apresentasse oficialmente a candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia, que se arrasta desde 2003, ano da morte de Giovanni Gallo.

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