CONVERGÊNCIAS: a Extensão Ecomuseológica como instrumento para despertar a consciência histórica da comunidade e enraizar a cidadania no território da memória.

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O chalé do romance Chove nos campos de Cachoeira, de Dalcídio Jurandir, que existiu na cidade de Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, tombado pelo Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, da Secretaria de Estada de Cultura (SECULT-PA), objeto de projeto de reconstrução desde o ano de 2010.



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O museu comunitário criado pelo padre Giovanni Gallo (1927-2003) originalmente com formato ocasional de 'ecomuseu' em Santa Cruz do Arari (1973) e transferido no ano de 1983 para a cidade de Cachoeira do Arari onde se acha na atualidade, reaberto no Sesquicentenário do município (1984).




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No dia de São Sebastião, 20 de Janeiro de 2019, o Governador do Estado do Pará visitou o Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, que estava fechado à visitação por motivos de insegurança do prédio de exposição: Estamos aqui hoje estabelecendo uma parceria com o Museu do Marajó e a prefeitura local, para que possamos, juntos, fazer com que esse espaço volte a ser estruturado e, assim, a história, a memória e a cultura marajoara tenham, nestes ambiente, a sua preservação e valorização”, ressaltou o governador, acrescentando que já existe a ideia de fazer exposições do acervo do museu em outras regiões do Estado, de maneira itinerante, para que “os próprios paraenses possam cada vez mais conhecer e se orgulhar da cultura marajoara” -- Helder Barbalho. Saiba mais: https://redepara.com.br/Noticia/183643/governo-do-estado-assume-compromisso-com-a-manutencao-e-conservacao-do-museu-do-marajo




Parece milagre! Nunca dantes na história da Amazônia Marajoara um governador do estado do Pará rendeu tanta homenagem à Cultura Marajoara como na visita oficial do Governador Helder Barbalho a Cachoeira do Arari, na festa de São Sebastião de 20 de Janeiro de 2019. 

Claro está que, apesar de minha provecta idade, ainda me sobra bastante da antiga ingenuidade dos cabocos meus parentes. Porém eu não estou aqui dizendo que Sua Excelência foi bafejado pelo Espírito Santo ou que seu ilustre staff, subitamente, foi acometido pelo famoso estalo do padre Antônio Vieira... Seja lá como for, a necessidade e o acaso fazem coisas extraordinárias e quando acaba, no fim da história é que a gente se dá conta do que, de fato, aconteceu lá atrás naquele dia passado. Às vezes, leva-se anos para saber que um singelo acontecimento encerra um pequeno grande passo no sentido de algo maior: Giovanni Gallo já estava morto quando percebemos que ele pode ser considerado, sem nenhum favor, criador do primeiro ecomuseu brasileiro e desta supimpa descoberta poderá brotar ainda uma vigorosa extensão ecomuseológica comunitária capaz de despertar centenas de comunidades amazônicas em parceria com escolas e universidades... No caso em apreço, não é sempre que um governador de estado viaja com comitiva a Cachoeira para assistir a festa do Glorioso e visitar o museu do Gallo no propósito declarado de promover a Cultura Marajoara ajudando a Criaturada grande de Dalcídio a se safar das margens da História. 

Entretanto, a história está prenhe de acasos à força de necessidade. A própria vida parece ser resultado do feliz casamento da necessidade com o acaso. E não podemos dizer que a ecologia seja despida de ética: pois não dá pra afirmar que o mais forte sobrevive, mas sim o mais adaptado às leis da mãe natureza. A gente atira no que vê e acerta no que não vê. Será este talvez o caso da visita oficial do Governador ao Nosso Museu do Marajó. Porém, só o futuro irá dizer das consequências daquele inesquecível dia de São Sebastião do ano de 2019 nos causos animados sob a sombra amiga do Pau do Fuxico, durante serões de esmolação da folia de São Sebastião pelas fazendas vizinhas, nas travessias da baia do Marajó para a cidade grande, na espera de novena na igreja matriz, no haver do peso de boatos à porta do mercado. 

Assim foi também a convergência, fora de série, do Prêmio Machado de Assis (1972) ao Romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir; e a chegada inesperada do padre Giovanni Gallo, em 1973, ao lago Arari, levando por acaso à invenção excepcional de O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari, a correspondência fiel de Maria de Belém Menezes e o "índio sutil"; o livro-reportagem Marajó, a ditadura da água; a encrenca danada do padre insubmisso com o bispo diocesano intolerante e o prefeito municipal com dor de cotovelos da popularidade do padre italiano entre o povo; a mudança tempestuosa de sua vida e da sede do museu para a fábrica abandonada em Cachoeira até a morte quase de surpresa, em 2003, do Galo, Galinho dos cabocos, Lalá das crianças; terminando por enterrar seus ossos na ilharga do museu comunitário que ele - por necessidade e acaso -, inventou. Àquela altura, há 24 anos passados Dalcídio estava morto e enterrado, lá no Rio de Janeiro distante, o escritor marajoara que ainda jovem manifestou desejo romântico em ser enterrado no chão da sua velha Cachoeira afetiva debaixo da árvore Folha-Miúda, na beira do rio defronte ao Chalé de sua infância. 

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O famoso Pau do Fuxico na cidade de Cachoeira do Arari.

Embora em Paris Georges-Henri Rivière e Hugues de Varine causassem sensação com a revolução do chamado ecomuseu; na distante ilha do Marajó sem saber nadinha de história, arqueologia, museologia e outros saberes acadêmicos; o caboco Vadiquinho sem querer querendo, por acaso provocou o padre Gallo a inventar um museu! Mas não seria um museu qualquer pra inglês ver e nem poderia ser... Para quê, então? Para aquela gentinha entender a ressignificação da cerâmica marajoara pré-colombiana naqueles "cacos de índio" embrulhados e deixados como provocação sobre a mesa do padre que gostava de "coisas que não prestam'... 

Leiam atenciosamente o prefácio escrito pela arqueóloga Denise Schaan à obra "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara", de Giovanni Gallo (edição póstuma de 2005). São inúmeros os acontecimentos e atores anônimos ou conhecidos que convergem do tecido da História. Os "cacos


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de índio" que o provocador pescador do lago Arari coletou por acaso nos rastros da destruição dos sítios arqueológicos houve o dom de acordar o etnógrafo que dormia no missionário ainda estrangeiro naquele fim de mundo em necessidade de salvar-se na estranha missão de salvar almas alheias, que talvez não estavam "nem aí" para a própria salvação e o conhecimento do passado distante da comunidade despossuída de memória de seus antepassados indígenas espoliados, escravos humilhados ou colonos imigrantes tangidos da Europa ingrata pela pobreza e a necessidade madrasta. Ali, às margens do Lago ancestral e da História, juntos e misturados por necessidade e acaso. Segundo crenças locais, aquele arremedo de museu do fim do mundo, com que o prefeito municipal antipatizou de cara e o bispo diocesano renegou ainda em projeto; podia ter sido obra de algum caruana tentador, daqueles que desviam pescador panema para roubar gado e arrombar "teso" (sítio arqueológico) entregue ao deusdará. 

Eu também, 17 anos antes do padre Gallo dar com seus olhos daltônicos sobre as palafitas tuíras da vila do Jenipapo; cheguei àquelas bandas morto de sono e fadiga em canoa a remo como um goiaba (marreteiro de gêneros de consumo local em escambo de peixe seco e outros alimentos da caça e da pesca para venda no município vizinho, Ponta de Pedras). Era uma alta e úmida madrugada com um coro de galos madrugadores, paresque, avisavam a estúrdia chegada do goiaba novato: sinal de sangue novo para muriçocas e carapanãs me batizar com o Plasmódio de costume...

Caminho do feio é por onde veio. Baixei o rio com meu camarada e depois do apurado na marretagem a velha e mal curada malária voltou a me molestar. Febres altas a horas certas, delírios pai d'égua... Meu refúgio de sempre: casa de tia Armentina em Belém atrás de remédio e a casa da avó Sophia em Itaguari (Ponta de Pedras), ótima para convalescer. Foi assim, que graças aos caruanas vovó me ofereceu a ler o romance Marajó, dizendo ela que fora escrito por meu tio Dalcídio, que vivia no Rio de Janeiro... Caíram-me as escamas dos olhos. Por isto eu ainda hoje pelejo pela Criaturada grande, tenho consciência de não ter feito grande coisa como seria preciso. Dalcídio já morreu e o Gallo está enterrado no chão de Dalcídio... 

Meu sentimento é semelhante ao rude caco de índio que virou semente de um museu sui generis com potencial de fazer renascer a Cultura Marajoara. Fazendo amigos do Museu do Marajó e interessando parceiros para reconstrução do Chalé cheguei enfim à minha última utopia: participar da rede planetária de ecomuseus e museus comunitários como militante raso, porém fiel... Armado de fé e esperança que cidades educadoras aproximem os povos do mundo e comunidades resilientes refloresçam no bojo de um milhão de aldeias dentro da aldeia global. Uma cidade grande não é mais que um conjunto de pequenas cidades... Eu não posso escutar a canção Vilarejo sem me emocionar e lembrar de minha pequena Itaguari na infância distante, escutando no embalo da rede na hora da sesta o ensaio da banda ao calor da tarde sem fim sob o sol equatorial.  


Vilarejo
Marisa Monte
Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraíso se mudou para lá
Por cima das casas cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonhos semeando o mundo real
Toda a gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos
Os destinos e essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for...

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