Despertar Marajó: a memória do território.

capela de São Francisco de Borja, fazenda Malato (Ponta de Pedras, Ilha do Marajó).



As origens históricas do município de Ponta de Pedras se acham na primeira sesmaria que a Companhia de Jesus teve na Capitania da Ilha Grande de Joanes (Marajó), em 1686, onde os jesuítas fundaram a fazenda São Francisco (hoje Malato). As terras desta sesmaria no rio Marajó-Açu margeavam a baía do Marajó desde o rio Araraiana para baixo até o Igarapé-Puca (Rio da Fábrica) vindo a confinar com a sesmaria dos frades da Ordem das Mercês, na ilha de Sant'Ana (1696), no Baixo Arari; e as fazendas Rosário (rio Marajó Ité) e São Braz (rio da Fortaleza), da dita Companhia. 

Abaixo do Itaguari ("ponta de pedras", na tradução do Nheengatu), sito à boca do rio Marajó-Açu; os padres formaram a aldeia das Mangabeiras (atual vila de Mangabeira) com índios catequizados da aldeia Samaúma (Barcarena), junto à praia e a chamada Camboa dos Padres (hoje mais conhecida como Camboa de Pedra). Desta aldeia missionária iria surgir a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737) e depois a velha aldeia das Mangabeiras com a expulsão dos Jesuítas foi elevada em Lugar de Ponta de Pedras (1758) para, a seguir, ser transferido para o Itaguari onde hoje está situada a cidade de Ponta de Pedras, à margem esquerda do rio Marajó-Açu: "onde o Marajó começa".

Meia légua mais abaixo pela beira da baia se encontrava o igarapé e aldeia dos índios "Guaianazes" [Guaianá], segundo a "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes" (1783), do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Na carta do padre Antônio Vieira ao rei de Portugal, dom Afonso VI, datada de 29/11/1659 e publicada em 11/02/166o, aparece o nome "Guaianases" [Guainá], a par dos Aruans [Aruã] Mapuaises [Mapuá], Anajás, Pixi-Pixi, Cambocas, Mamaianases [Mamaianá] (cf. Serafim Leite, "História da Companhia de Jesus no Brasil", tomo IV), união de etnias nuaruaques sob o nome genérico Nheengaíba ('falante da língua ruim').  

A aldeia dos Guaianá em conjunto com a aldeia das Mangabeiras foram elevadas respectivamente em Lugar de Vilar e Lugar de Ponta de Pedras, no ano de 1758, no contexto da expulsão dos Jesuítas (1759) e da expropriação das fazendas da missão da Companhia de Jesus (1757), quando da criação do Diretório dos Índios (1757-1798) que substituiu os missionários por diretores dos índios. O igarapé do Vilar pouco a pouco foi sendo assoreado e hoje está extinto, a população remanescente da antiga aldeia mudou-se para Mangabeira deviso a dificuldade de porto para canoas de pesca e ainda assim a falta de porto foi motivo principal da mudança para Itaguari. 


CHÃO DE DALCÍDIO, 
O ÍNDIO SUTIL, CONTA HISTÓRIA.

Todavia, ainda pelos lados do Amapá na costa Norte não havia chegado o primeiro mercador holandês a oferecer miçangas em escambo de drogas do sertão e gados do rio e a Paricuria estava lá há milhares de anos. O índio mariscador na pesca de gapuia - a mais antiga invenção do homem amazônico para pegar peixe e camarão na maré seca - sobrevivia muito antes que ele mesmo tivesse o pari, matapi, cacuri e o teso do barro dos começos do mundo: donde surdiu a aldeia e a cerâmica no lombo da história da Criaturada marajoara.

Por outro lado, nas banda de Icoaraci onde o sol nasce todos os dias e a lua aparece com as estrelas desde a boca da noite; esta gente viu chegar o guerreiro tupinambá bem antes dos franceses e portugueses colonizadores. Claro que este livro da memória também carece de velhos contadores de história para crianças e a juventude de instruir nas coisas de sua terra. Como foi que os pretos apareceram no Arari e lá em Afuá? Já ouviu dizer que o nome Afuá é africano e é nome de mulher? Quanta coisa que quase não se acha escrita!... O caso do uruá que sabe com antecedência a altura da maior mare das águas grandes de março... O caranguejinho crairu nos campos escaldantes de verão que resiste desidratado à seca e revive com as primeiras gotas de chuva...

A paisagem cultural é um grande livro aberto cuja leitura se faz através da memória do território. O museu a céu aberto neste vasto mundo vai além do horizonte para quem talvez esta distante e até mesmo nunca viajou pela ilhas do Marajó e subúrbios de Belém do grande Pará, Sequer viu alguma vez o Ver O Peso de perto pra contar de certo... Mas, com certeza leu a odisseia de Alfredo nas páginas de prosa poética de Dalcídio Jurandir. O caroço de tucumã mágico capaz de transformar o que antes seria apenas exclusão e indiferença na beleza da arte pura das crianças e de gente que acredita nos santos e na esperança de viver. 

Daí vem o sonho da primeira noite do mundo e o despertar das manhãs!

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