Rota Turística da Cultura Marajoara.

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capa de livro de Raimundo Morais, escritor paraense da Societé des Americanistes de Paris, autor da obra "O Homem do Pacoval" (1939) sobre a Arte Cerâmica Marajoara datada do ano 400, achada pela primeira vez no teso do Pacoval do rio Arari, em 20 de novembro de 1756, segundo a "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783), do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira.




Na Viagem a Portugal Saramago ensina que existe uma sutil diferença entre turistas e viajantes: ele faz papel de um viajante que entra na pátria de Camões através da fronteira com a Espanha e segue o roteiro de Almeida Garret, o popular escritor do romantismo lusitano. Embora eu tenha servido oito anos ao ofício estadual de turismo do Pará não sou turismólogo, não tenho negócios turísticos e nem sequer sou um turista. 

Contudo, sou um viajante do mundo aficionado por histórias de grandes viagens de descobrimento; ainda que eu não tenha por costume sair longe de minha aldeia... Fui viajante de fato umas poucas vezes tendo chegado, por sorte, até o norte da Europa, na Holanda. E até o extremo-sul da América, no Uruguai. Coisa rápida e sempre a bem do serviço público. Claro que aproveitei a chance para viajar além do que lá se oferecia na hora. Como perder oportunidade de ver o famoso Arco do Triunfo, se o viajante por acaso está em Paris e sabe um pouco de história da gloriosa França? Ninguém ensina Padre Nosso a vigário, nem a vender cultura aos franceses.

Para mim, o centro do mundo é a grande ilha do Marajó, mais vasta que o território de Portugal na foz do maior rio da Terra; pelo bom motivo que foi lá que se formou a civilização amazônica e primeira arte genuína do Brasil. A Amazônia Marajoara formada da ilha grande onde nasceu, há 1600 anos, a célebre Cultura Marajoara; no maior arquipélago fluviomarinho do planeta, mais a faixa continental de Portel; é um mundo ainda pouco conhecido, que atrai atenção de viajantes e turistas de diversas procedências. 

Se turistas reclamam a falta de estruturas e serviços, viajantes ao contrário conservam em primeiro lugar a curiosidade do velho espírito dos naturalistas aos quais as dificuldades fazem parte da jornada. Imaginem, por exemplo, o absurdo que seria o Caminho de Santiago pontilhado de resorts, requintados restaurantes e suítes de hotéis cinco estrelas! Seria a morte do espírito que move viajantes ao redescobrimento do velho continente. A estes descobridores do passado que hoje se faz presente sonhando o futuro é que, incansavelmente, me dirijo desde o fim do século passado, quando em 1999 publiquei na Revista Iberiana, o ensaio Novíssima viagem filosófica. Livro modesto, todavia portador da ideia iberiana prenhe de ambição enormíssima, que consiste na revelação duma humanidade singular forjada na velha Ibéria e projetada além do Mar-Oceano em Amerika, antigo país do vento conquistado por Colombo, com todas contradições do Fado Tropical, que Chico Buarque de Holanda canta.

Daquelas antigas conquistas hispânicas, Marajó configura talvez a ilha de Barataria prometida por Dom Quixote a Sancho Pança. Eu sou honradamente herdeiro do cavaleiro andante. Quem me conhece sabe que eu, apesar do quixotismo, não embarco na estória mal pensada da "barreira do mar", como se tem a mais vulgarizada tradução de Mbarayó. Minha história navega outras águas. Eu bebi de fontes jesuíticas do século 17, publicadas pelo historiador Serafim Leite, padre jesuíta que consultou o arquivo do Vaticano para escrever a monumental História da Companhia de Jesus no Brasil (1946). Obra apologética, deve-se saber. 

Ademais, para me desembaraçar da propaganda da Fé e das ciladas historiográficas do longo tempo colonial, dei asas à imaginação, vivi bastante com a gente do povo senhor dos lugares da memória. Não hesitei em me batizar caboco e me reindianizar para anular o Diretório dos Índios a fim de dar margem a muitas suposições: com que viajantes audazes rompem os estreitos limites da lógica cartesiana. Supor é apontar probabilidade de algum fato. Por isto me apresento como diletante, como cão farejador que dá pistas ao caçador... Com uma ponta de loucura e imaginação qualquer um pode ir e voltar do reino da lua. Sem imaginação não existem viagens que valem a pena. E a melhor parte da viagem é o retorno ao país natal para contar a odisseia. Conto esse que não terá fim.  

Isto posto, imagine um viajante do mundo que acaba de chegar em Belém do Pará e lá fora ouviu falar maravilhas a respeito da antiga cultura marajoara pré-colombiana. O que o amigo teria para mostrar a este suposto viajante ou turista apressado? Suponha que a pessoa descobriu a arte marajoara em algum dos dez grandes museus de que a arqueóloga Denise Schaan escreveu na obra Cultura Marajoara (2009). 

Bom seria que o órgão oficial de cultura e turismo houvesse bem organizada a Rota Turística da Cultura Marajoara de modo integrado com o plano de desenvolvimento sustentável do Estado do Pará como um todo. No polo Marajó tal roteiro deveria ser mostrado interna e externamente como a via principal da vocação econômica da gente marajoara, conforme diz a Constituição estadual no que se refere à Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó, base para candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia.

Certamente, que a formatação do roteiro poderia acompanhar, passo a passo, a gestão da APA e implementação da futura Reserva da Biosfera mobilizando a comunidade de municípios a par de cada uma das respectivas populações locais. Aí é que a reconstrução do chalé do romance Chove nos campos de Cachoeira, de Dalcídio Jurandir; em conjunto com a reforma do Museu do Marajó faz sentido. A sustentabilidade dos equipamentos integrados a este roteiro turístico-cultural vai depender de parcerias público-privadas conforme o espírito da Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

A partir do Terminal Hidroviário de Belém o viajante poderá chegar ao Marajó pelo porto Camará (Salvaterra) ou Soure e retornar por Cachoeira do Arari através do rio Arari rumo ao porto de Ponta de Pedras com destino a Belém após fazer percurso circular na ilha na antiga Costa-Fronteira do Pará. Ou vice-versa, entrar por "onde o Marajó começa" - o rio Marajó-Açu que deu nome a toda ilha, segundo primeiras fontes do século 17 (ver José Varella Pereira, "Novíssima viagem filosófica", supracitada) e retornar a Belém pelo porto Camará ou Soure. 

A respeito dos atrativos desta rota (entre outros) há muito a dizer e poderá ficar para outras ocasiões, entretanto ao priorizar viajantes convém lembrar o co-fundador da teoria da evolução das espécies, Alfred Russel Wallace, que cerca de 1850, visitou a ilha de Mexiana e a Contracosta em Soure. O já mencionado sábio da Universidade de Coimbra, nascido na Bahia, Alexandre Rodrigues Ferreira, o autor do relato anônimo (provavelmente Florentino da Silveira Frade, guia de viagem de Alexandre Rodrigues Ferreira) "Notícia da Ilha Grande de Joannes" (1754), que antecedeu a "Viagem Histórica").

Certamente, Marajó é um mundo!


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