Cantares cabocos: columba galega.

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pomba-galega (Patagioenas cayennensis), foto Claudio Cesar 
[Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil]: uma alegoria amazônida.





J17J3019
María Rosalía Rita de Castro 
(Santiago de Compostela, 1837 - Padrón, 1885).


Eu vou para casa em Nacín, 
vou para uma aldeia que conheço 
para um mundo que não vem! 
Deixo amigos para estranhos, 
deixo a veiga polo mar, 
deixo, enfim, chant ben quero ... 
Quen pudera não deixar! ...


"Cantares Gallegos", Rosalía de Castro.
Vou além mar levar lembranças da terra minha
Meu sangue cabano herança de meu pai caboco
a caminho do antigo porto Gal leva-me a força ancestral
Tontas guerras na terra enquanto a columba 
canta paz galega longe plange a lira ao fundo da Floresta
na hora da sesta eu corrupio pelos caminhos do mundo.

Numa ilha-canoa jita parto dos confins do Fim do Mundo 
porto mágico do navio encantado onde mora a cobragrande.
Certas noites a ilinha transforma-se e zarpa a pleno vapor
vai todo iluminado até alto mar viajar pelo reino da Boiuna 
levando carga pesada do viver da criaturada grande
fado antigo das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia.

Quero levar aos parentes que meu avô deixou na Galiza
notícias do Itaguari onde o rio Marajó tece o labirinto insular
e onde dei primeiros passos de descobrimento do mundo,
mamei feliz o leite farto de minha mãe galega tão bela
e vi a primeira vez seus lindos olhos azuis da cor do mar
sitio ideal onde índios, pretos e brancos eran como írmans. 

Quando pirralho rabiscava eu sem erro círculo perfeito
Depois de saber escrever nem a compasso fiz outro igual
Quando a gente cresce paresque a magia desaparece
Por isto talvez tantos viajantes buscam o paraíso perdido.
Deixarei lá minha coroa de espinhos aos pés de Santiago
a par da memória dos negros da terra e da mina da Guiné.

A Rosalía de Castro levo Arte Marajoara primeva 
não olvidarei Rosalía de Quito quem me disse do perigo
de herexia galego-marajoara: vinho da ira tinto de açaí 
tal qual a questão do Santo Graal! Bem que tio Dal trouxe
de Salvaterra de Magos o romanço pra Salvaterra sakaka
concluindo por este fado ser a Criaturada cidadã do mundo. 

Se eu me chamasse Raymundo que nem meu bisavô
cristão-novo e voluntário da Pátria seria eu o tal!
Mea bisavó Micaela era filha do reino das Astúrias, ela
Aburrida de tanta guerra insana expatriou seu filho Celestino
quaxe ninho ele virou Francisco no Pará em busca de paz 
àquela família tão cansada de servir de bucha de canhão.

Mea bisavó escreveu a um primo do finado marido dela,
meu bisavô galego Pero Pérez Rincón; recomendando 
Celestino Pérez Varela a Pedro Pérez de Castro. 
Masporém havia no destino mais de um deste nome 
e o já Francisco não conseguiu encontrar o parente.
Aí ele foi faxineiro no Hotel América pra ganhar o pão.

Deixa estar que não foi fácil achar o primo Pedro Castro
Francisco ou Celestino nunca pensou ser moço de hotel
Antão ele arranjou serviço de condutor de carro
de passaxeiro puxado a burros, foi como zinho conseguiu
granjear a vida até ter notícia certa do parente
que estava bem assentado coa fazenda na isla do Marajó.

Aí de mim: só sei que foi assim! Sem tal eu não contava
história enquanto a pomba-galega canta no arrebol: 
a prima Maroca foi mea avó, diz-que amor à primeira vista
quando Maria Joana e o primo Francisco, aliás Celestino
encontram-se no Fé em Deus sítio do Baixo Arari
logo eles se casaram e ganharam terras do Serrame.

Pequena sorte de terra de meia légua de fundos
por um quarto de frente, divisa de Terras Caídas 
pelo igarapé Bacurituba e pelo rio dos Patos com o Assapé.
Para o novo casal aquilo era um mundão, masporém
no Serrame havia só um chiqueiro de carneiros abandonado:
o pouco com Deus é muito, ditava meu avô Chico Varela.

Cuando sinhá moça; reza a lenda Maroca amava
acompanhar escravos e escravas de seus pais
à lida da pesca e da roça: diz-que ela burlava zelos do pai
para ir dar uma mão àquela boa gente no mutirão
ela os tratava por tios e primos, o lado negro da família.
O branco morreu de queda a entaniçar tabaco c'os pretos.

Na história familiar diz-que Pedro Castro era bom senhor. 
Tenho cá meas dúvidas, com a Lei Áurea libertos ficaram
como dantes, uma parte quis acompanhar a branca Maroca
e sô Chico Varela ao Serrame: que virou seringal, taverna
padaria e estaleiro do fantástico veleiro "San Tiago"
que xamás navegou con o dono até virar canoa "Africana".

A pequeña Galícia do Curralpanema sofreu sua tragédia
no rabo da queda do preço da borracha: sô Chico Varela
cuidava de seu reino e não botou mais os pés na cidade.
Apenas Amâncio piloto da canoa "Aracy" fazia a travessia
entre a ilha grande e o Ver O Peso na capital da província
antão a casa aviadora Antônio Silva abriu falência.

Uma carta chegou pelo portador de sempre, dizendo
que o negócio acabou e meu avô restou credor
de não sei quantos contos de réis, quantia avultada
para um camponês imigrante que apesar da sorte
viveu sempre como Deus queria, ciumento de suas cinco
filhas e da mata virxem da qual só deixava tirar seringa.

Foi esta a derradeira vez que Francisco embarcou na vida
pra ir a cidade: voltou com a arca de cedro vermelho
com tampo de pedra mármore, gaveta com campaínha
de alarme onde guardar dinheiro, papéis, documentos
e o dicionário galego-português que eu achei unha vez
quanto tudo já era unha única ruína ferida de morte.
Quando Maroca morreu depois duma súbita moléstia
sô Chico Varela ficou triste que só papagaio moleiro
quando perde a curica companheira, se tornou mouco
e envelheceu da noite pro dia, as filhas casaram
e foram viver na cidade, só Hermengarda, a mais nova
ficou a seu lado até ele morrer e o filho foi ser operário.

Na Galiza contarei quando jito mea mãe me queria obrigar
a beixar os pés do Senhor Morto que jaz embaixo ao altar
da Virxem da Concepção na igrexa de Ponta de Pedras
que nem o corpo frio de meu avô trazido rio abaixo
em canoa a remos pra o enterrar na vila que nem vila era
torrão Boullosa, antão direi da Vilarana na diáspora galiza.

Encantada nas ramas do Paricatuba a pomba Rosalía canta
Esconde o fado tropical na mata virgem do Curralpanema
Eu caçador de mim sem pena de pomba gira e passarinho
Matava tempo nos confins da Bocaina, lá no Serrame
Onde meu avô exilado penava as suas penas
Distante da Galícia relembrando a velha Pontevedra
Caminhando a pé de Soutomaior a Santiago de Compostela.

Rosalía triste cantava suas magoas. Ah, como eu era cego! 
Não nego, ouvi a paloma arrulhar mas não vi sinais do Mar
sem maldades nem cobiça da Terra sem males
Causos díspares de sô Benedito Santiago Frangalho
bom vizinho da Meia Noite, senhor preto mui considerado
dono da canoa "Oliveirazinha" que eu desejava pilotar.

Atravessando a baia a bordo da igarité "Oliveirazinha"
céu sem lua, Cobra Norato paresque mundiou sô Frangalho
que passou o leme a seu filho Manezinho
Manezinho morto de sono, me confiou o rumo e destino
da embarcação. Eu, cá comigo: eita! É hoje!
Que nem ao tempo da igarité "Aracy", tio Cici contava.

O amigo e a amiga podem não me acreditar
Alegria sem parelha dum piloto novo no curso do rio-mar
Enquanto a columba soluçava entre copas do meu coração:
Vento terral sopra pela fresta da nuvem morena na lua nova:
eu era leme e a canoa se tornou barco veleiro "San Thiago"
Encantamento mágico da Princesa a navegar rios de sonho.

Me lembrou a igarité "Aracy" a topar com o navio encantado todo iluminado a horas mortas na baía do Marajó escura 
que nem um breu na primeira noite do mundo, tio Cici viu 
e ouviu música e baile de fantasmas da Belle Époque
eu agora no barco avoengo vou embora pra Vigo
na vieira de meu avô quando Rosalía trila seus cantares.

O vento ponteiro e as ondas do Amazonas meia maré
Vazante empurravam a pequena igarité a risco de abarroar
O navio resplandecente sirenes ao alto zoando por riba
da ponta de pedras. Cruz credo! gritou Amâncio pegado
ao leme e a tripulação com grito preso na garganta
viu a assombração sumir nas espumas e mistério do mar.

Eu deveria saber que a mistura fina de corpos e almas
Africana, indígena americana e galaico-portuguesa
Vem de antigas migrações e navegações do Mar-Oceano
Enquanto Rosalía canta a barca segue a sina de marear
Guiada pela estrela alfa da constelação da Columba
Então eu me arvoro a comandar a jangada de Saramago.

Oh, menino corrupio, não vês que o prodígio acaba?
Não deixa o galo acordar o sol antes da reponta da maré
Vai depressa, madruga, iça velas expressas pra Galícia
Escuta os cantares avoengos como sementes
De novas prosas e poesias. Sejas tu inesperada alvorada
Soutomaior a cabo da ria de Vigo está a pé do caminho 
português de Santiago.




Imagem relacionada

Altar principal da Catedral com o túmulo de Santiago abaixo
altar-mor da catedral de Santiago de Compostela com o túmulo do Apóstolo abaixo.


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